Cem anos depois

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Sede sul-americana da igreja completa hoje cem anos de organização 

Há exatamente um século, a cidade de La Plata, na Argentina, foi palco de um acontecimento histórico para a igreja na América do Sul. No dia 6 de fevereiro de 1916, líderes da denominação votaram a organização da Divisão Sul-Americana, sede da igreja para oito países do continente. Tal decisão representou um passo fundamental para que o adventismo se fortalecesse nessa parte do planeta.

Se em 1916 o número de adventistas na América do Sul totalizava aproximadamente 5 mil, cem anos depois são mais de 2,4 milhões de membros. Hoje, das 13 Divisões existentes no mundo, a sul-americana é uma das mais relevantes. Em 1985, ela se tornou a segunda (depois da Interamericana) a superar a Divisão Norte-Americana em número de membros. E, cinco anos mais tarde, ultrapassou a marca de um milhão de fiéis (clique aqui e leia o texto Organização para o sucesso).

As elevadas taxas de crescimento e o dinamismo da igreja nessa parte do mundo chamam a atenção de líderes adventistas de outras regiões. Com uma forte estrutura administrativa, sólidas instituições, incluindo editoras, hospitais e clínicas, uma rede educacional conceituada, emissoras de televisão e de rádio, e indústrias de alimentos, além de uma considerável atuação assistencial e humanitária, ela desfruta de uma boa reputação no continente, bem como no cenário adventista mundial.

Provavelmente mesmo os pioneiros mais visionários não tenham imaginado o que o adventismo se tornaria na América do Sul. Com razão, o renomado historiador Floyd Greenleaf concluiu, no livro Terra de Esperança, que essa “é uma das histórias mais maravilhosas das igreja”.

Capa-RA-de-fevereiro-de-2016A edição deste mês da Revista Adventista dedicou matéria de capa para contar sobre essa “história fascinante de sacrifícios e milagres”. Intitulada “Continente da esperança”, a reportagem especial mostra como o espírito de missão dos pioneiros foi determinante para expandir a presença adventista na fase inicial da igreja e, nos anos seguintes, para criar sua estrutura organizacional na América do Sul.

O texto também traz detalhes curiosos da trajetória da Divisão Sul-Americana. A reportagem procura contextualizar, por exemplo, as mudanças de endereço do escritório administrativo, explicando como as transformações políticas e econômicas que afetaram alguns países da América do Sul no século 20 contribuíram para isso.

A edição (disponível na íntegra para assinantes aqui) mostra ainda que, paralelamente às transferências de sua sede, a DSA passou por um processo se nacionalização de sua liderança. Porém, a eleição do primeiro presidente da própria terra ocorreu somente na metade da década de 1970.

Outro fenômeno que acompanhou a substituição de presidentes norte-americanos por líderes nativos foi o fortalecimento da igreja no Brasil. Com mais de 1,5 milhão de fiéis, o país é hoje o que possui o maior números de adventistas no mundo. Por conta desse protagonismo que já começava a ser visto em meados do século 20, alguns chegaram a defender a criação de uma “Divisão brasileira”. A reportagem mostra, por exemplo, que, em meio à efervescência nacionalista dos anos 1940, surgiu em São Paulo um movimento que sugeria mais autonomia administrativa para a igreja no país.

Entretanto, a publicação busca esclarecer por que isso não ocorreu e, por outro lado, quais as vantagens da integração territorial, do intercâmbio entre os países, bem como o papel do Brasil em relação às demais nações que dependem do apoio de recursos humanos e financeiros. “Se tivéssemos uma Divisão composta apenas por um país, seríamos congregacionalistas. E uma igreja e um escritório administrativo que olham para si mesmos começam a morrer”, o pastor Erton Köhler ressalta no texto.

Conforme acrescenta Köhler, evidentemente essa relação também beneficiou grandemente o Brasil, tanto no âmbito cultural quanto evangelístico. “O Peru, por exemplo, ajudou o Brasil a crescer em pequenos grupos, evangelismo público e na paixão pela missão”, exemplifica o atual presidente sul-americano da igreja.

Ao considerar que os programas de evangelização têm sido um forte elemento unificador da igreja no continente, a matéria analisa os contínuos experimentos metodológicos feitos pela Divisão Sul-Americana ao longo de seus cem anos de organização. Para o teólogo Alberto Timm, uma das fontes consultadas pela reportagem, uma mudança de paradigma bastante significativa, registrada na década de 1940, foi a substituição de uma abordagem apologética protestante, que não foi bem recebida por uma população predominantemente católica romana, por um evangelismo público menos confrontacionista.

No entanto, uma das estratégias mais importantes adotadas pela igreja nessa parte do mundo foi a implementação de um programa integrado de crescimento sustentável. Não resta dúvida de que o chamado “evangelismo integrado” se tornou parte da identidade do Divisão Sul-Americana, conforme menciona o texto.

Ao resgatar alguns dos principais aspectos da trajetória da Divisão Sul-Americana, a Revista Adventista se preocupou também em mostrar quais são alguns dos atuais desafios da igreja no continente. Entre os aspectos citados estão fatores como o fortalecimento da secularização, a necessidade de ser relevante para as novas gerações, além do fato de que a modernização da igreja pode trazer o risco do superinstitucionalismo. “Preocupo-me, e muito, com a distração que a modernização da igreja, as estruturas bonitas e a quantidade de eventos e programas podem trazer”, o pastor Erton Köhler frisa.

PERSONALIDADES DO ADVENTISMO SUL-AMERICANO

Como parte das comemorações de seu centenário, a Divisão Sul-Americana elegeu as cem personalidades mais importantes de sua história. Na lista, que será em breve divulgada, constam nomes como Huldrich Friedrich Graf (1855-1946), primeiro pastor ordenado no Brasil, John Lipke (1875-1943), considerado o fundador da Casa Publicadora Brasileira e das primeiras escolas de formação de obreiros no país, Abel Landers Gregory (1867-1950), pioneiro da obra médico-missionária e criador da Revista Trimensal (atual Revista Adventista), e Oliver Montgomery (1870-1944), primeiro presidente da DSA. Entre as cem personalidades também está o pastor Enoch de Oliveira (1924-1992), primeiro presidente nativo da Divisão Sul-Americana, bem como o pastor Roberto Rabello (1909-1996), conhecido orador do programa A Voz da Profecia. A lista elaborada pela sede da igreja também homenageia o pastor João Wolff, único ex-presidente da DSA ainda vivo, o pastor Alcides Compolongo, apresentador do primeiro programa evangélico da televisão brasileira (Fé Para Hoje), o pastor e jornalista Rubens Lessa, que foi redator-chefe da CPB por 36 anos, e o empresário Milton Soldani Afonso.

PAGANDO A DÍVIDA

Foto: Victor Trivelato
Sob a bênção de Deus, o grupo partiu para a Janela 10/40, região em que vivem 2/3 da população mundial e onde a presença cristã é inexpressiva. Foto: Victor Trivelato

O sentimento de fazer parte de uma família global e o reconhecimento daquilo que missionários estrangeiros fizeram no passado para o avanço do adventismo em terras sul-americanas têm nutrido a participação da Divisão Sul-Americana nas missões mundiais. Em 2015, o envio de 25 missionários para vários lugares do planeta representou um marco histórico. O inédito foi a quantidade de pessoas enviadas, o valor do investimento e o destino deles.

Para o pastor Wilson Borba, que em sua tese doutoral, defendida em 2009, pesquisou sobre a formação, a consolidação e a expansão da base missionária adventista brasileira, o envio dessas famílias para alguns dos lugares mais desafiadores do planeta inaugurou uma nova fase ao projetar a igreja brasileira e sul-americana como agência de recrutamento e financiamento de missionários internacionais. Atualmente, de acordo com dados da DSA, 123 obreiros sul-americanos estão distribuídos por 38 países fora da Divisão Sul-Americana.

Além disso, especialmente nos últimos quatro anos, a participação de estudantes de nível superior no Serviço Voluntário Adventista também cresceu, ao contrário do que vem acontecendo nas demais Divisões. Em 2014, 138 jovens serviram em várias regiões do planeta, segundo relatório da Secretaria apresentado no Concílio Quinquenal da Divisão Sul-Americana em novembro de 2015.

Aos poucos, a igreja na América do Sul está pagando sua dívida histórica com os missionários que iniciaram o trabalho por aqui há mais de um século.

Para saber +

EVOLUÇÃO DA ESTRUTURA DENOMINACIONAL

Em 1916, quando foi organizada a Divisão Sul-Americana, havia três Uniões e 15 associações e missões. Porém, hoje esse quadro é bem diferente: são 16 Uniões e 80 associações e missões. A linha do tempo a seguir mostra a evolução histórica da estrutura eclesiástica da igreja no continente ao longo desses cem anos.

1916-1918

A estrutura administrativa envolve a União-Associação Brasileira, responsável pelo território brasileiro; a União-Associação Austral, composta pela Argentina, Chile, Uruguai e Paraguai; e a União-Missão Incaica, formada pela Bolívia, Equador e Peru.

1919-1935

Surge a União-Missão Este Brasileira. O restante do território passa a se chamar União-Associação Sul-Brasileira.

1936-1965

É votada a criação da União-Missão Norte-Brasileira, que passa a administrar os estados do Ceará, Piauí, Maranhão, Pará, Amazonas, Acre e o território compreendido hoje por Rondônia.

1966-1983

O Chile é separado da União-Associação Austral e ocorre a organização da União-Missão Chilena.

1984

A Missão Equatoriana deixa de fazer parte da União-Missão Incaica, passando a depender diretamente da Divisão.

1985-1989

A União-Associação Sul-Brasileira é dividida, criando-se a União-Associação Central Brasileira.

1990-1995

A Missão Equatoriana é dividida em duas missões diretamente dependentes da Divisão: a Missão Equatoriana do Norte e a Missão Equatoriana do Sul.

1996-2000

Duas uniões são reorganizadas: a Norte-Brasileira e a Este Brasileira, sendo criada a União Nordeste Brasileira.

2000-2004

É organizada a União-Missão Equatoriana.

2005-2006

Ocorre a reestruturação do território das Uniões Central e Sul do Brasil. Com isso, nasce a União Centro-Oeste Brasileira.

2007-2009

A União Peruana passa por um processo de reorganização, desdobrando-se em União-Missão Peruana do Norte e União-Missão Peruana do Sul.

2010

Com a reorganização do território da União Norte-Brasileira, nascem a União-Missão Norte-Brasileira e a União-Missão Noroeste Brasileira. Também é reorganizada a União Austral, desdobrando-se em União-Associação Argentina, União-Missão Paraguaia de Igrejas e União-Missão Uruguaia de Igrejas.

2012

O nome da União Este Brasileira é mudado para União Sudeste Brasileira e a União Nordeste Brasileira é dividida em duas: a UNeB, com sede no Recife (PE), e a União Leste Brasileira, em Salvador (BA).

VEJA O ATUAL MAPA DAS REGIÕES ADMINISTRATIVAS DA DIVISÃO SUL-AMERICANA

Mapa das Uniões da DSA

Fonte: Uma Semente de Esperança

[Infografia: Eduardo Olszewski e Márcio Tonetti]

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Última atualização em 16 de outubro de 2017 por Márcio Tonetti.