Febre Pokémon

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Jogo de realidade aumentada divide opiniões e acirra debate sobre a relação dos cristãos com os games

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Game embasado no desenho animado japonês Pokémon estimula usuários do aplicativo a sair às ruas a fim de capturar e treinar monstrinhos virtuais.

Logo depois de ter sido criado no Japão na década de 1990, o desenho animado Pokémon virou febre entre crianças e jovens de todo o mundo. Cerca de vinte anos depois, o fenômeno ressurgiu com força ainda maior, agora como jogo de realidade aumentada. Após ter viralizado nos Estados Unidos e na Europa, o Pokémon Go, considerado o maior jogo para celular da história, foi lançado no Brasil no início de agosto e rapidamente conquistou milhares de adeptos.

O publicitário Robson Bittencourt, de 30 anos, conta que baixou o aplicativo assim que a novidade chegou ao Brasil. Ele conta que, diariamente, dedica cerca de duas horas para o entretenimento. “Mas não jogo ininterruptamente. Afinal, tenho que trabalhar”, brinca.

Robson trabalha na Vila Olímpia, bairro da zona sul da capital paulista, uma região que, segundo ele, possui muitas “pokéstops” (lojas virtuais onde os jogadores pegam itens). “Diferentemente de outros perfis de jogadores, não me considero apenas um curioso. Geralmente, quando jogo, dou meu máximo”, afirma o jovem que se considera um heavy user, alguém “viciado” no game.

Apesar de ter sido lançando há pouco tempo e, depois do sucesso meteórico, começar a perder força, o Pokémon Go mudou comportamentos à nossa volta, conforme mostrou uma reportagem publicada no site da BBC. Para se ter uma ideia, em algumas cidades pessoas chegaram a contratar motoristas para poder caçar “pokémons”, pagando cerca de 15 dólares por hora (o equivalente a cerca de 48 reais). De olho nesse público, uma agência de viagens de Sorocaba, no interior do Estado de São Paulo, também resolveu oferecer um tour para adolescentes que desejam caçar pokémons na capital paulista.

O Pokémon Go tem levado jogadores a lugares inusitados. Até mesmo igrejas tornaram-se palco de batalhas virtuais. Algumas denominações viram isso como oportunidade de atrair fiéis. Por meio de sua página no Facebook, a Arquidiocese de São Paulo, por exemplo, convidou jogadores a caçar pokémons nas igrejas espalhadas pelo Estado.

Por outro lado, como noticiou o site da Folha de S.Paulo, “administradores de alguns desses locais estão um pouco reticentes e pedem que os jogadores sejam educados e respeitosos”.

Questão de segurança

Nos Estados Unidos, onde o Pokémon Go é febre desde julho, a seguradora adventista publicou um comunicado orientando sobre como lidar com jogadores que “invadem” os prédios da denominação para caçar os bichinhos, evitando acidentes e uma reação inadequada por parte da igreja.

  1. Mantenha a calma. A maioria desses jogadores não tem más intenções, apenas está compenetrada no jogo. Portanto, seja gentil com os usuários, especialmente se forem crianças.
  2. Caso o templo ou a escola estejam sendo usados como pontos de interação do jogo (pokéstop ou Gym), e isso está trazendo transtornos, entre no site do jogo Pokémon Go e peça a remoção dessa propriedade do mapa do game.
  3. Se for o caso, sinalize na frente do prédio que não é permitido caçar pokémons naquela propriedade. Avalie se isso não vai soar deselegante na sua comunidade e se o interesse de usuários entrarem no templo/escola não poderia ser canalizado para a evangelização. Esse pode ser um ponto de contato com a vizinhança.
  4. Acione a polícia se os usuários do jogo estão colocando em risco o prédio, os frequentadores dele ou os próprios jogadores.

Prós e contras

Com milhões de usuários ativos ao redor do mundo, o jogo despertou elogios e críticas. Alguns ressaltam que ele ajuda as pessoas a fazerem exercício físico (haja vista que para avançar no jogo a pessoa precisa caminhar e mover o celular), a interagir socialmente e a adquirir cultura, conhecendo lugares históricos.

Em alguns casos, o game tem sido usado até mesmo com finalidades terapêuticas. Nos Estados Unidos, por exemplo, o Hospital C. S. Mott Children, em Michigan, está usando o Pokémon Go para fazer crianças doentes saírem de seus quartos, haja vista que muitas se sentem desmotivadas ou cansadas por causa do tratamento. “É uma forma divertida de incentivar as crianças a se mexerem e andarem pelo hospital. O app está sendo capaz de tirá-las da cama e saírem por aí”, disse J. J. Bouchard, gerente de mídia digital da instituição, ao jornal americano USA Today. De acordo com ele, antes as crianças andavam pelos corredores cabisbaixas, sem falar umas com as outras. Agora, é comum que parem e fiquem conversando próximo a uma pokéstop (veja mais aqui).

Para outros, a febre virtual é motivo de preocupação. Nesta semana, repercutiu na imprensa internacional o anúncio da ministra francesa da Educação, Najat Vallaud-Belkacem, de que o país quer banir o Pokémon Go das escolas. Na opinião dela, a entrada de estranhos no perímetro escolar para caçar os monstrinhos representa um risco à segurança. Ela declarou que, através da internet, os diretores já podem requerer à Niantic, uma das empresas responsáveis pelo game, que suas unidades escolares sejam removidas do mapa global do jogo (veja mais aqui).

De fato, em alguns lugares, o jogo vem sendo responsabilizado por casos de assaltos, furtos, atropelamentos e tentativa de estupro. Além dos acidentes e incidentes dos mais variados tipos que vêm sendo noticiados, jogar Pokémon Go pode provocar problemas de saúde, desde os mais simples aos mais graves. O alerta foi feito pelo médico ortopedista Luís Teixeira. Preocupado com o número de horas que os caçadores passam com o pescoço curvado olhando para o smartphone, ele disse em entrevista a um portal de notícias português que “a febre do app pode provocar desgaste precoce e a degeneração do pescoço”.

Leila Tardivo, do Departamento de Psicologia Clínica do Instituto de Psicologia da USP, também adverte para o fato de que esse tipo de jogo pode desenvolver uma atividade compulsiva (quanto mais se joga, mais se quer jogar), o que requer atenção dos pais (leia mais aqui).

“Jogos eletrônicos em geral são elaborados para ser extremamente atrativos e prender a atenção do jogador. Uma das estratégias para alcançar esse objetivo é fazer com que a pessoa nunca consiga chegar no último nível. Isso cria no jogador um estado de dependência. Quando ele não consegue jogar, acaba tendo crises de abstinência”, acrescenta Valdemar Setzer, professor emérito do Departamento de Ciência da Computação da mesma universidade.

Para ele, jogos de realidade aumentada, que permitem que uma imagem virtual se sobreponha à imagem captada pela câmera do celular, também podem acarretar outras consequências especialmente nos gamers que estão em fase desenvolvimento. “No longo prazo isso pode causar confusão da fantasia com a realidade, principalmente em crianças e adolescentes que estão formando conceitos interiores da realidade”, o livre-docente observa.

Conflito com os games

Caça aos bichosNo meio cristão, o Pokemón Go também gerou controvérsias. Alguns consideraram a ferramenta demoníaca. Diante do debate polarizado, a edição do mês de setembro da Revista Adventista traz artigo abordando qual é a relação que os cristãos costumam ter com os games em geral e como os adventistas consideram esse tipo de entretenimento.

De acordo com Felipe Carmo e Gabriel Ferreira, autores do texto, a relação dos cristãos com os games, desde o início, é conflituosa em muitos aspectos. No entanto, hoje o quadro parece estar mudando. Eles observam que, no caso dos adventistas, passa-se a compreender que “a massiva produção de games e o envolvimento de crianças, jovens e adultos nesse contexto parece inevitável e irreversível; e que, se a iniciativa for bem direcionada, pode ser benéfica”. O importante, conforme os articulistas ressaltam, “é ter discernimento para diferenciar o que é bom do que é prejudicial”. [Márcio Tonetti, equipe RA / Com colaboração de Célio Barcellos]

Última atualização em 16 de outubro de 2017 por Márcio Tonetti.