O Espírito e o texto

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Livro debate a importância prática do trabalho do Espírito Santo na vida da igreja

No ano em que a Reforma Protestante completa 500 anos, é interessante relembrar uma das críticas mais ácidas levantadas pelos que se opuseram ao movimento iniciado por Lutero, Calvino e tantos outros homens e mulheres que abraçaram o princípio da sola Scriptura (Escritura somente). Muitos diziam que os reformadores haviam rejeitado um papa vivo para seguir um “papa de papel”, numa alusão àquilo que eles chamavam de bibliolatria. Em outras palavras, os que estavam rompendo com a igreja de Roma eram acusados de colocarem a Bíblia acima da sua própria relação individual com Deus. Uma relação que até ali fora mediada pela igreja medieval, centrada na tradição eclesiástica e personificada na figura do pontífice como representante de Deus na Terra.

Contudo, os reformadores foram enfáticos em sua resposta: a autoridade não estava no texto em si, mas naquele que o escreveu. Se Deus quis se relacionar com a humanidade por meio do texto, é especialmente por meio da Palavra que devemos nos aproximar dele e ouvir sua voz. Portanto, não caberia ao ser humano mudar ou rejeitar esse canal de comunicação, mas obedecer e se beneficiar da escolha soberana de Deus. Na visão dos reformadores, o Senhor havia preparado a Bíblia para que ela fosse o instrumento adequado para nutrir o crescimento na fé. E o próprio Deus é quem nos torna “famintos” por sua Palavra, ou seja, por conhecê-lo por meio do texto sagrado. É aí que entra o Espírito Santo.

Várias vezes Calvino enfatizou a importância do Espírito Santo como o responsável por nos ensinar sobre Deus, por meio de sua Palavra. Quanto a isso, a promessa de Jesus em João 16:8 é clara, pois diz que, quando o Espírito viesse, Ele convenceria o “mundo do pecado, da justiça e do juízo”. Sendo assim, estudar a pessoa e a obra do Espírito Santo é de suma importância.Nesse aspecto, Calvino e os demais reformadores foram divinamente usados. Ao enfatizar a Bíblia como principal canal de comunicação entre Deus e o ser humano, tendo o Espírito Santo como intérprete da Palavra, que age em cada cristão individualmente e coletivamente em toda a igreja, a Reforma deu um passo importante para restaurar a fé cristã. Esses princípios eram centrais nesse movimento do século 16 e estão entre suas mais importantes contribuições.

Levando em consideração a relevância desse tema, a Unaspress, editora do Unasp, lança o livro Pneumatologia: Vida e Obra do Espírito Santo, organizado pelos teólogos Reinaldo Siqueira e Alberto Timm. Fruto da pesquisa teológica de 30 especialistas de diversos locais do mundo, a obra reúne as discussões ocorridas durante o 9º Simpósio Bíblico-Teológico Sul-Americano, realizado em 2011, em Foz de Iguaçu (PR), com a participação de todos os seminários mantidos pela sede sul-americana da Igreja Adventista.

Em suas mais de 700 páginas, os autores procuram explicar com profundidade, mas linguagem acessível, a função e o chamado do Espírito Santo. Não se trata de uma obra meramente acadêmica, que se preocupa apenas com discussões etéreas e sem aplicação prática. Muito pelo contrário, o chamado ao reavivamento e reforma, por meio da resposta positiva ao clamor do Espírito Santo, é a tônica de quase todos os artigos. Isso pode ser visto nas seis seções do livro: Antigo e Novo Testamento, História da Igreja Cristã e do Adventismo, Doutrina e Missão da Igreja.

Os 30 artigos incluem uma variedade de enfoques, como “Espírito Santo nos Profetas Maiores”, escrito por Elias Brasil, diretor do Instituto de Pesquisa Bíblica da sede mundial da igreja; “Espírito Santo nos Profetas Menores”, de autoria de Reinaldo Siqueira, diretor da Faculdade de Teologia do Unasp; “Espírito Santo no Livro de João”, de Wilson Paroschi; e as reflexões escatológicas de Ekkehardt Mueller no texto “Espírito Santo no Apocalipse”. Nas áreas aplicada e histórica, diversos artigos se destacam, como o material escrito por George Knight, “Profetas Modernos e a Bíblia: Seu Significado Para o Século 21”.

Ao fim da longa e proveitosa leitura, uma certeza tomará conta do leitor: a cada dia é preciso agradecer a Deus por ter tornado acessível o dom do Espírito aos convertidos (At 2:38). Esse mesmo dom capacitou a igreja primitiva a pregar a mensagem da cruz e da ressurreição de maneira nunca vista. E é por meio do poder do Espírito que se cumprirá nas pessoas disponíveis a promessa de que a igreja atual fará obras ainda maiores (Jo 14:12).

RODRIGO FOLLIS é pastor, doutor em Ciências da Religião e diretor da Unaspress

Última atualização em 16 de outubro de 2017 por Márcio Tonetti.