Entre a vida e a morte

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Pesquisa explora a importância da unção como parte do tratamento de pacientes com enfermidades graves

Foto: Adobe Stock

Defendida em março de 2018, esta tese foi apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo). Na pesquisa, a cientista social e professora do Centro Universitário Adventista de São Paulo (Unasp), campus Engenheiro Coelho, explora o papel da unção como regulação simbólica nos casos de pacientes acometidos por enfermidades graves.

A pesquisa contou com entrevistas com pessoas que se submeteram ao ritual da unção e com quem testemunhou esse rito em casos considerados graves ou terminais. Os resultados revelaram a importância sociológica e antropológica da unção como fator de contribuição para a recuperação ou para o cuidado de pacientes desenganados pelos médicos.

1. Resumo do trabalho

Esta investigação se propôs a pesquisar qualitativamente o sucesso ou o fracasso da unção de enfermos como meio de alterar estatisticamente a história natural previsível de uma enfermidade. Sua metodologia consistiu de um estudo de resultados, conforme proposto pela antropóloga polonesa Kaja Finkler (1985), voltado para uma comunidade rural, no bairro Lagoa Bonita, município de Engenheiro Coelho, onde os residentes são, em sua maioria, fiéis da Igreja Adventista do Sétimo Dia (IASD). A coleta de dados foi feita por meio de entrevistas semiestruturadas com 22 participantes. Desses, 90% eram adventistas que se submeteram ao ritual da unção ou que testemunharam a cerimônia; e 63% dos que foram ungidos estavam em estado grave ou terminal. Para a análise dos dados, foi empregado o método da análise de conteúdo da pesquisadora Laurence Bardin (1977). Ao fim da pesquisa, esta investigação confirmou a tese de que o rito da unção é sociologicamente eficaz e antropologicamente justificável, pois pertence à dimensão da regulação simbólica. Isso significa que os cuidadores espirituais conseguem ministrar aos pacientes com dor crônica em aspectos geralmente negligenciados pela biomedicina. Por essa razão, esta pesquisa sugere a institucionalização do rito da unção como mais uma possibilidade de tratamento coadjuvante.

2. Perguntas levantadas

O rito da unção é administrado aos enfermos, geralmente em estado terminal, com a finalidade de preparar essas pessoas para a morte ou a fim de operar algum tipo miraculoso de cura. Por isso, a partir de relatos de fiéis da IASD, procurou-se avaliar qualitativamente o sucesso ou o fracasso desse rito na alteração da história natural previsível de uma enfermidade. Entre outras, levantaram-se as seguintes perguntas: que fatores contribuem para a percepção de cura após a unção? Qual é o impacto psicossomático e social desse rito? Que fatores levam um indivíduo a abrir mão do papel de “doente”? Que relações existem entre crença religiosa, comportamento e cura? Quais seriam os critérios determinantes para a obtenção de um resultado considerado satisfatório por aqueles envolvidos no ritual?

3. Conclusão da autora

Os adventistas que se submeteram à unção acreditavam no rito e faziam parte de uma comunidade que também depositava fé nessa ministração. Portanto, não deveria nos surpreender que, algumas vezes, em vez de simplesmente esperar a morte, eles tenham sarado da enfermidade e retomado a vida. Em muitos sentidos, a necessidade desses pacientes era de lidar com aspectos psicossomáticos. E, quando encontraram apoio para isso, eles conseguiram, em alguns casos, driblar até mesmo impedimentos de ordem física. Os milagres aconteceram.

Sobre a pergunta “que fatores levam um indivíduo a abrir mão do papel de ‘doente’”, a resposta passa por dois elementos: a fala performativa e a ação simbólica. Em outras palavras, a fala performativa tem que ver com a crença de que a simples enunciação de um fato cria esse fato. É o que acontece, por exemplo, em ritos como o casamento (“eu os declaro marido e mulher”) e o batismo (“eu o batizo em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo”). Por sua vez, a ação simbólica que acompanha a fala performativa ajuda a conferir credibilidade ao rito. Por isso, a declaração do casamento é acompanhada da troca de alianças e a declaração do batismo é seguida da imersão do fiel. No caso da unção, a oração é acompanhada da aplicação de azeite na testa do enfermo.

Porém, para que tudo isso seja efetivo, o participante tem que “comprar” a ideia de que pode ser curado. E o ritual religioso tem a vantagem de facilitar essa adesão pois, numa cosmovisão como a adventista, a unção coloca “à disposição” do participante o poder de um Deus onipotente, compassivo e desejoso de ajudá-lo. Contudo, a eficácia do rito passa também pela credibilidade de quem ministra a unção, ou seja, se o paciente confia ou não no seu cuidador espiritual. Quanto à pergunta “que relações existem entre crença religiosa, comportamento e cura”, a resposta é que elas são estreitas e, em muitos casos, poderosas. Os pacientes geralmente buscam formas alternativas de cura porque os médicos não manifestam, muitas vezes, três elementos valorizados pelos enfermos: compaixão, compreensão e foco na cura (em casos terminais). Pode-se dizer que os pacientes tendem a receber esses três benefícios, de forma muito mais espontânea, dos cuidadores espirituais. E quando isso acontece em conjunto com sua capacidade de responder aos símbolos religiosos, os pacientes se sentem muito mais seguros com relação à forma como lidam com a doença.

Por fim, em relação à pergunta sobre “quais seriam os critérios determinantes para a obtenção de um resultado considerado satisfatório por aqueles envolvidos no ritual”, a resposta tem que ver com a compreensão de que o tratamento médico convencional pertence à dimensão da regulação técnica, enquanto que a unção pertence à dimensão da regulação simbólica. Por isso, os cuidadores espirituais conseguem ministrar aos pacientes com dor crônica por meio de recurso que a biomedicina não tem, que são os símbolos emocionalmente carregados que derivam da experiência coletiva de quem sofre. Esses símbolos conseguem, de fato, atenuar, senão eliminar, a dor psicológica e bioquímica do paciente e faz com que sua situação se torne mais tolerável.

4. A contribuição da pesquisa

A pesquisa mostrou que, principalmente no caso de doenças terminais, a unção pode servir de complemento aos tratamentos convencionais. Portanto, pode-se propor que, para benefício dos pacientes e seus familiares, bem como para auxílio aos profissionais da saúde, essa prática seja institucionalizada. Para isso, a pesquisa sugere que médicos e enfermeiras sejam devidamente instruídos quanto à natureza cultural da saúde e da doença. No modelo ideal, esses profissionais de saúde reconheceriam as limitações da medicina convencional e, em certos casos, recomendariam que o paciente experimentasse o rito da unção. Sendo que a unção deveria ser ministrada, de preferência, fora das dependências do hospital, indicando assim que se trata de uma intervenção distinta, mas complementar ao tratamento biomédico.

FICHA TÉCNICA

Título: O Rito da Unção: Sucessos e Fracassos de uma Modalidade de Cura Religiosa na Igreja Adventista do Sétimo Dia

N° de páginas: 121

Orientadora: Dra. Maria Helena Villas Bôas Concone

Ano: 2018

Universidade: PUC-SP

Linha de pesquisa: Produção Simbólica e Reprodução Cultural

Link para a dissertação: https://tede2.pucsp.br/handle/handle/21061

TANIA MARIA LOPES TORRES é cientista social, bolsista Capes e professora no Unasp

Última atualização em 19 de novembro de 2020 por Márcio Tonetti.