Je suis de Jésus

2 minutos de leitura
As permanentes guerras entre diferentes visões de mundo têm marcado a época atual não só pela violência bélica, mas principalmente ideológica
Foto: Valentina Calà/Flickr
“Eu sou Charlie”: frase se tornou símbolo da defesa pela liberdade de expressão depois de atentado em Paris. Foto: Valentina Calà/Flickr

O ataque terrorista à redação da revista semanal Charlie Hebdo, em Paris, desencadeou uma onda de protestos pelo mundo em defesa da liberdade de expressão, a exemplo da marcha no centro de Paris, que reuniu 1,5 milhão de participantes no último domingo, 11 de janeiro. A tragédia traz novamente para a esfera pública o debate sobre o perigo dos extremismos. Eric Hobsbawm, que foi considerado um dos maiores historiadores do mundo contemporâneo, classificou o século 20 como a “Era dos Extremos”, título, aliás, que compõe uma de suas obras mais conhecidas. Embora o século 21 não seja caracterizado, como o anterior, por conflitos bélicos da mesma magnitude, conforme analisado por Hobsbawm, as permanentes guerras entre diferentes visões de mundo também têm marcado a época atual não só pela violência bélica, mas principalmente pela ideológica, como evidenciam os conflitos entre Oriente e Ocidente.

Nesse sentido, não apenas a barbárie cometida pelos terroristas Kouachi e Hamy Mourad, mas também os abusos praticados em nome da liberdade de expressão são dignos de reprovação. Até que ponto a imprensa tem a prerrogativa de ridiculizar valores e princípios ligados à religião? Na edição de 9 de janeiro, o jornal O Estado de S. Paulo reproduziu artigo de um colunista do The New York Times, Nicholas Kristof, que chamava a atenção para o fato de que “o semanário satírico francês Charlie Hebdo ridiculariza pessoas de todas as origens e fés” e que “uma caricatura mostrava rolos de papel higiênico marcados como ‘Bíblia’, ‘Torá’ e ‘Alcorão’ e a explicação: ‘No vaso sanitário, todas as religiões.’”

Isso não quer dizer, obviamente, que haja qualquer justificativa para se agir com violência, ainda mais em nome da “fé”. Qualquer tipo de radicalismo é contrário ao que preceitua a religião, pois seus valores, quando praticados corretamente, promovem o equilíbrio, a paz, o respeito, a fraternidade. Fundamentalismo, no sentido pejorativo do termo, é uma desvirtuação do que a prática religiosa deve ser: uma experiência baseada em fundamentos sólidos, mas com total respeito ao livre-arbítrio. Em uma época de intensas e violentas manifestações de intolerância, isso traz, por sinal, um novo risco para a liberdade religiosa: o de classificar todos aqueles que não abrem mão de seus princípios, mas que o fazem respeitando a alteridade, como “terroristas”, inimigos da ordem e do bem-estar social.

Esse tipo de confusão generalizada, que tanto mancha o nome da religião quanto desvirtua os princípios da liberdade de expressão, tem causas profundas e não vai acabar enquanto a verdadeira raiz do problema não for eliminada. Lúcifer, o primeiro terrorista do Universo, foi o responsável por contrafazer o princípio da lei da liberdade de expressão e deturpar a verdadeira religião.

Em meio a esse conflito polarizado entre o bem e o mal, o ponto central para mim como cristão não é se “sou ou não Charlie”, como os manifestantes têm expressado nas ruas, mas é saber se posso afirmar com segurança: “Je suis de Jésus”.

Manuel Xavier de Lima é pastor

Leia também:

Especialistas analisam questão religiosa e comunicacional de atentados na França

Última atualização em 16 de outubro de 2017 por Márcio Tonetti.