O preço da opinião

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As mídias sociais maximizaram o impacto dos influenciadores digitais. Como isso afeta a igreja?

Fábio Bérgamo
Foto: Adobe Stock

O ano era 2009. O fenômeno das mídias sociais ganhava cada vez mais relevância e sua força era então posta à prova a todo momento. Foi nesse cenário que o ator Ashton Kutcher, já uma celebridade conhecida por sua participação em programas e séries de TV, enfrentou um desafio: ser a primeira conta do mundo a ter um milhão de seguidores no Twitter. A disputa era com a CNN, grande empresa de mídia jornalística. Não deu outra: Kutcher chegou à marca muito antes.

Os números dessa disputa, se mencionados hoje, seriam motivos de risada. A quantidade de usuários cresceu exponencialmente nesta década, o que ocasionou um aumento expressivo de usuários com muitos milhões de pessoas que os acompanham nas mídias (o ex-presidente Barack Obama reina absoluto com seus 124 milhões de seguidores, se apenas o Twitter for considerado). No entanto, esse fato ocorrido em 2009 dava um prenúncio do cenário que se consolidaria em nossos dias: a influência exercida por personalidades do mundo digital sobre seus seguidores.

Influenciar pessoas é, segundo Symon Hill, ouvir, compreender, orientar e, principalmente, dar exemplo (A Arte de Influenciar Pessoas [Apalestra, 2012]). Ou seja, o influenciador é alguém que acaba interferindo no cotidiano de outra pessoa, fazendo com que ela mude suas atitudes, comportamentos e ideias mediante o exemplo. Ao longo da história, a humanidade fundamentou boa parte de suas decisões na influência de personalidades preeminentes na sociedade. Desde os famosos conselheiros reais, passando pelos nobres e notáveis, até as celebridades de hoje em dia, sempre houve pessoas em posição de ­influência sobre outras.

É claro que, por muito tempo, o poder com base na influência era exercido pelos mesmos que detinham o poder político-econômico e coercitivo da sociedade. Mas pode-se dizer que a segunda metade do século 20 foi o período em que houve uma disseminação maior do poder de influência para outras camadas sociais, principalmente entre artistas e pessoas ligadas à cultura. De fato, foi com as celebridades que a cultura da influência se disseminou na sociedade ocidental e chegou com força ao século 21, turbinada pela internet e pela cibercultura.

SERES INFLUENCIÁVEIS

Para entender o fenômeno da influência digital, é preciso ter uma compreensão de porquê somos seres influenciáveis. Cientistas sociais indicam três fatores que fazem com que as pessoas se coloquem sob a influência de outras pessoas (Dan M. Kahan, “Social Influence, Social Meaning, and Deterrence”, Virginia Law Review, 1997, p. 349-395). São elas: (1) racionalidade individual (percepção de que seguir a opinião de alguém é o correto a ser feito); (2) reputação social (preocupação com sua posição entre os amigos, colegas e conhecidos); e (3) afinidade e admiração (um vínculo profundo entre indivíduos que faz um querer seguir a opinião e o exemplo do outro).

Percebe-se que uma coisa é comum a todos os pontos: a opinião. ­Influência tem que ver com ter uma opinião relevante sobre alguma coisa. Os chamados líderes ou formadores de opinião expressam sua opinião e têm muito mais propensão a influenciar alguém em sua esfera de atuação. Na verdade, esses formadores de opinião não necessariamente precisam ser líderes de fato em organizações (no sentido gerencial do termo), veículos de mídia ou no âmbito político. Sua influência deriva de seu status muitas vezes informal, como indivíduos altamente informados, respeitados ou por estarem conectados a um público específico.

Esse líder ou formador de opinião está ali posicionado por seu destaque em alguma dessas três dimensões (Duncan J. Watts e Peter Sheridan Dodds, “Influentials, Networks, and Public Opinion Formation,” Journal of Consumer Research 34 [2007], p. 441-458): (1) posição na pirâmide social (as opiniões podem ser mais consideradas dependendo do destaque do líder de acordo com sua classe social); (2) representação de público (alguém que faz parte de algum público específico e se destaca no meio, tem suas opiniões referendadas por esse mesmo público); e (3) gregário (a extensão dos contatos sociais de uma pessoa e como ela se relaciona com essa rede influencia na sua maneira de ser vista por seus pares e seguidores).

Assim, o ser humano se deixa influenciar por outro ser humano que esteja em uma das três dimensões apresentadas, na medida em que a opinião deste se torna objeto de afinidade. Isso explica muito do séquito conseguido por grandes influenciadores da humanidade, tanto para o bem quanto para o mal. Suas opiniões alcançaram guarida nos corações admirados dos seus seguidores. Adolf Hitler, Martin Luther King, Mahatma Gandhi, cada um com seu estilo próprio de discurso, são exemplos de líderes de opiniões fortes que perduram e acabaram por arregimentar multidões até hoje.

INFLUÊNCIA NA HISTÓRIA BÍBLICA

Conforme visto, influenciadores de opinião sempre existiram ao longo da história da humanidade. A Bíblia, inclusive, mostra o que talvez tenha sido o primeiro influenciador conhecido: Ninrode, um caçador que parece ter ficado famoso e respeitado em sua atividade e que se utilizou dessa fama para ganhar preeminência político-social, tornando-se “poderoso na terra” e um fundador de cidades (Gn 10:8-10).

Outro fato bíblico interessante foi o canto das mulheres quando Davi voltou de uma das batalhas contra os filisteus. A frase “Davi [matou] seus dez milhares” (1Sm 18:7) mostrava a admiração do povo por Davi desde a vitória contra Golias e a sua transformação numa celebridade e influenciador. Ultrapassou o próprio rei, e então sogro, em popularidade (Saul se destacava na multidão por seu porte físico e altivez, como dito em 1 Samuel 9), o que causou inveja e uma celeuma que resultaram em guerra civil. E Davi sempre arrebanhou multidões, sendo motivo de orgulho para o povo como rei (1Cr 29).

Paulo também era um grande influenciador. Numa liderança cristocêntrica, Paulo atraía as pessoas e estabeleceu comunidades que o viam como uma figura importante e dedicada. Seus pontos de trabalho, além da pregação do evangelho, incluíam mostrar exemplo, trabalhar pela unidade e reconciliação e atuar em meio a adversidades. E era admirado por isso (ver Ryan Lokkesmoe, Paul and His Team [Moody, 2017]). Portanto, influenciar alguém não é algo novo e permeia inclusive a história bíblica.

A ERA DOS INFLUENCIADORES

A internet, com toda a cultura dela derivada, exacerbou a influência dos formadores de opinião, que antes era pautada pela mensagem transmitida boca a boca e depois pela mídia de massa (impressos, televisão e rádio). Com o acesso fácil ao ciberespaço, todo internauta se tornou passível de receber influência de alguém que ele já admirava. De fato, os primeiros influenciadores do mundo digital foram pessoas já famosas ou celebridades das mídias tradicionais, principalmente do mundo artístico. Mídias sociais como Twitter e Instagram deixaram pessoas antes aparentemente inalcançáveis a apenas um clique de distância. Com a internet e as mídias sociais, seu poder influenciador foi exponencializado e passou a ser usado por marcas para endossar seus produtos.

No entanto, outro fenômeno aconteceu: a celebrificação de pessoas na internet. Usuários que tinham algum conteúdo viralizado, normalmente dentro de uma linguagem de meme, ou então alguém que tinha um conteúdo interessante e relevante, era alçado ao status de celebridade instantânea e então passava a ter espaço como influenciador. E percebe-se aí uma mudança de vetor: não mais as celebridades tradicionais comandavam as ­opiniões na internet, mas sim os novos famosos.

O status atual do “mercado” de influenciadores demonstra uma maturidade maior do público. Poucos são aqueles que influenciam todos. As nuances do público, tratado muitas vezes sob a ótica da segmentação que o marketing faz do mercado consumidor, prestam sua reverência a influenciadores que têm conteúdo específico, de nicho, normalmente vinculado com aspectos psicográficos e comportamentais. Influenciadores de grupos etários, de pessoas que gostam de mexer com “faça você mesmo” em casa, de aspectos familiares (filhos pequenos, gravidez, etc.) e do mundo dos hobbies pulularam nas mídias sociais, nem sempre com um tamanho enorme de seguidores, mas com grande engajamento entre o público ao qual destina seu conteúdo. No meio cristão, diversos influenciadores, com seu determinado nicho de atuação, também conquistaram públicos
fiéis aos seus conteúdos.

INFLUÊNCIA = NEGÓCIOS

Logicamente, a área de marketing das empresas viu nos influenciadores digitais uma mina de ouro. Pagar pelo endosso dessas celebridades em algum produto ou serviço passou a ser garantia de sucesso devido a dois aspectos: primeiro, pela facilidade de acesso ao público, que com as mídias tradicionais era dificílimo; segundo, pelo nível de interesse do público pelo conteúdo que o influenciador produz.

As agências e consultorias na área de marketing e publicidade digital enxergam nos influenciadores mídias completas. Pelos pontos apresentados, realmente são. E a inteligência artificial e a ciência de dados têm sido aliadas. Softwares como Stilingue e Influency.me acham influenciadores dos mais variados tipos, públicos, temas, conteúdos e engajamentos, facilitando a conversa das marcas com seus públicos.

No meio do conteúdo postado pelos influenciadores, sempre aparecem os chamados “publiposts”, que são conteúdos pagos por empresas. As pesquisas mostram que os usuários não se importam com tais postagens e até gostam das indicações dos influenciadores, mesmo sabendo que eles foram pagos por isso. Essa proximidade do público-alvo fez com que os influenciadores cuidassem de sua imagem e dos produtos que endossam, sendo criada uma espécie de ética da influência digital, segundo o jornal Meio e Mensagem.

Tal cenário começou a chamar a atenção de milhares de pessoas, que se jogam numa busca desenfreada de alcançar “viralidade” na internet para que, de alguma forma, consigam se tornar influenciadores digitais. A maioria é composta de jovens, que inventam os mais diversos tipos de conteúdo em busca de público, que às vezes responde e faz deles celebridades locais e até internacionais. Tornam-se “ídolos” de outros jovens, que se espelham neles para tentar conseguir espaço como influenciadores.

A BOA E A MÁ INFLUÊNCIA

A humanidade vive na chamada “economia da atenção”. O bem mais precioso que um ser humano dispõe é a atenção que ele dá a alguma coisa, seu engajamento diante de algum item ou pessoa (hoje, cada vez mais digitais) que chega à consciência do indivíduo e o faz agir em face do objeto desse engajamento (Thomas Davenport e John Beck, A Economia da Atenção [Elsevier, 2001]). Portanto, o desafio cada vez maior é conseguir a atenção das pessoas dentro de um mundo com tantas opções, inclusive de influenciadores.

Ao nos conectarmos às boas-novas do evangelho, somos chamados a influenciar as pessoas positivamente, seguindo o paradigma de Cristo, o maior influenciador de todos os tempos 

Ao definir um influenciador como alguém com um discurso relevante e importante, resta a pergunta: O que é essa relevância e o que ela significa? Diversos estudos têm sido feitos tentando entender o papel dos influenciadores na sociedade, haja vista seu poder cada vez maior de indicar caminhos. Um ponto que tem sobressaído é o da aderência ao influenciador ou a maneira de o público se ligar emocionalmente a ele (Lixia Hu e outros, “Understanding Followers’ Stickiness to Digital Influencers”, International Journal of Information Management 54 [2020]).

Essa ligação se dá em aspectos cada vez mais psicológicos e envolvem atitudes, valores, crenças e comportamentos que constroem uma base de influenciados que não é só de seguidores, mas quase discípulos. Nesse aspecto, a aderência é sinônimo de um vínculo emocional de comprometimento, em que há respostas psicológicas como o relacionamento parassocial e o desejo forte de identificação, com uso de recursos preciosos para que se efetive tal vínculo, como a doação de atenção e de tempo.

Veja que poder os influenciadores têm nas mãos! Se antes o poder da influência residia em líderes e membros com papéis importantes da sociedade, hoje tal poder advém da capacidade de se conseguir atenção e tempo das pessoas. Os influenciadores se tornam personagens centrais da vida dos indivíduos, fazendo com que sejam quase que “adorados”. Como em tudo, há oportunidades e ameaças nesse tipo de cenário. Um bom influenciador pode atrair público para causas importantes e fazer realmente a diferença por onde passa. No entanto, se o influenciador se baseia em temas triviais e banais, que não agregam nada, se torna um perigo para quem o acompanha.

Recentemente, assisti a uma live na plataforma digital Twitch com um dos maiores influenciadores brasileiros. O homem, no alto da sua meia-idade, comentou durante 2 horas e 54 minutos memes na internet e vídeos de jogos, acompanhado por quase 50 mil pessoas, ao vivo. O público ria e se divertia com as falas do influenciador e chegava a doar dinheiro para ele. Captou cerca de 2 mil reais com a live. Fiquei imaginando que ali (incluindo eu) perdemos horas preciosas de nossa vida em um evento que não agregou efetivamente nada ao meu conhecimento, vocabulário, ideais ou enlevo pessoal. Ficou mais compreensível para mim o tal do FOMO (Fear of Missing Out), um conceito que tem se arraigado cada vez mais na sociedade moderna e que significa o medo que temos de perder alguma coisa que esteja sendo apresentada na internet.

Cada vez que doamos nossa atenção e nosso tempo a esses pontos, mais comprovamos o poder que têm os influenciadores. E isso não nos deixa mais felizes e plenos. Ao contrário, ficamos mais tristes e menos produtivos do que nunca. A informação é da jornalista espanhola Marta Peirano, que publicou um livro importante sobre o assunto, resumindo nossa sociedade com a frase “O preço de qualquer coisa é a quantidade de vida que você oferece em troca” (Marta Peirano, El Enemigo Conoce el Sistema: Manipulación de Ideas, Personas e Influencias Después de la Economía de la Atención [Debate, 2019]).

Assim, restam-nos as perguntas: Que tipo de influência estamos recebendo? Nossa atenção e nosso tempo estão sendo doados para um influenciador que traz bom conteúdo ou simplesmente banalidades e trivialidades? Vale a pena ser influenciado por ele ou ela? Minha espiritualidade vai melhorar caso eu me exponha a esse tipo de influência? Ela agrega algo à missão da igreja? Para os influenciadores são outras questões: Que conteúdo estou levando? Melhoro a vida das pessoas? Estou auxiliando-as de alguma forma? Faço a diferença positivamente?

Vivemos numa época em que parecer ser é tão importante quanto ser realmente. E quando vemos pessoas que são “normais”, de carne e osso como nós, e não popstars inatingíveis, que conseguem transmitir conteúdos que nos interessam, isso nos encanta. E até nos motiva a também querer ter esse poder sobre alguém. Mas qual é a mensagem que os influenciadores estão levando ao mundo? Como estamos sendo atingidos por ela? Como poderíamos levar algo que o mundo precisa e exercer influência?

Como visto, ser influente é apresentar ao mundo uma mensagem relevante, para um público bem definido e que faça com que este crie um vínculo consigo. Quando penso em mensagem relevante, pergunto: Existe mensagem mais importante do que a nossa? Certo é que nestes tempos “Deus acrescentará às fileiras de Seu povo homens de habilidade e influência que hão de desempenhar sua parte em advertir o mundo” (Ellen White, Obreiros Evangélicos, p. 347). Tal influência não poderá ser negligenciada e “se tornará uma força de vasto alcance para o bem” (Ellen White, Review and Herald, 25 de novembro de 1890).

Podemos, portanto, ser bons influenciadores? Sim, temos uma mensagem relevante e contamos com Aquele que é o melhor exemplo para nos guiar: Jesus, que tinha o apreço das pessoas, com uma mensagem que tocava os corações, transmitida com amor e simpatia e que, principalmente, levava salvação a elas. “A vida de Cristo foi uma influência sempre crescente e ilimitada; influência que O ligava a Deus e a toda a família humana. Mediante Cristo, Deus conferiu ao homem uma influência que lhe torna impossível viver para si próprio”, comenta Ellen White (Parábolas de Jesus, p. 180). Ela continua ressaltando que precisamos usar esse dom para o bem (p. 181).

Jesus foi o maior influenciador de todos os tempos e influencia as pessoas até hoje. Nesta época, esse nobre trabalho foi colocado sob nossa responsabilidade. Ao nos conectarmos com as boas-novas do evangelho, somos chamados a influenciar pessoas positivamente, seguindo o paradigma de Cristo.

FÁBIO BÉRGAMO, doutor em Administração pela Universidade Federal da Bahia, é professor do Unasp

(Matéria de capa da edição de novembro de 2020 da Revista Adventista)

Última atualização em 28 de dezembro de 2020 por Márcio Tonetti.