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No Dia Nacional do Idoso, conheça a senhora de 81 anos que decidiu voltar à sala de aula para cursar Nutrição

Acompanhada de colegas de classe no curso de Nutrição, dona Seetuko (ao centro) participa de uma aula de cozinha experimental no laboratório de técnicas dietéticas do Unasp, campus São Paulo. Créditos da imagem: Murilo Pereira
Acompanhada de colegas de classe do curso de Nutrição, dona Seetuko (ao centro) participa de uma aula de cozinha experimental no laboratório de técnicas dietéticas do Unasp, campus São Paulo. Créditos da imagem: Murilo Pereira

Quem a vê caminhando todos os dias pelas alamedas do campus do Unasp na capital paulista até pode imaginar que se trata de uma avó visitando a escola dos netos ou, quem sabe, uma senhora da comunidade fazendo sua caminhada matinal. Porém, quem conhece Seetuko de Andrade, ou a Rosa, como também é conhecida pelos mais próximos, sabe que ela não se limita aos hábitos considerados comuns para uma mulher idosa. Aos 81 anos, sua rotina inclui sala de aula, pesquisa, leitura e estudo de idiomas.

Apesar da idade e do título de doutorado em Serviço Social obtido na PUC de São Paulo, Seetuko está cursando a graduação em Nutrição. Para ela, estudar sempre foi uma grande paixão. “Sou uma eterna estudante. O que me motiva é continuar sempre aprendendo”, afirma. No entanto, frequentar a escola já foi um desafio bem maior para ela.

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Descendente de imigrantes japoneses, sua infância e adolescência no interior de São Paulo foi repleta de responsabilidades no ambiente doméstico, o que fez com que a educação fosse relegada ao segundo plano. Com a mudança da família para a capital do estado, em 1954, passou a auxiliar o pai numa farmácia no centro da cidade, da qual ele era proprietário.

Depois de uma longa interrupção nos estudos, Seetuko Kodowaki de Andrade voltou a cursar a educação básica no Unasp com 29 anos de idade. Créditos da imagem: arquivo pessoal
Depois de uma longa interrupção nos estudos, Seetuko de Andrade voltou a cursar a educação básica com 29 anos de idade. Créditos da imagem: arquivo pessoal

Embora tenha recebido o certificado de Oficial de Farmácia em 1955, foi somente depois de se casar com Sylvio Teixeira de Andrade, que também era farmacêutico, que ela conseguiu concluir a educação básica. O fato de passarem a morar em frente ao Instituto Adventista de Ensino (IAE), atual Unasp, campus São Paulo, reaproximou Seetuko de seu sonho estudantil. Na época, com 29 anos, matriculou-se no curso que era conhecido como Normal. Porém, seis meses depois, diante da necessidade de uma nova mudança de endereço, Seetuko teve que deixar o campus. Apesar disso, conseguiu concluir, em 1966, o curso na cidade de Guarulhos, onde também se graduou, em 1972, na faculdade de Serviço Social da PUC-SP. No ano seguinte, entrou no programa de mestrado da mesma universidade, apesar de concomitantemente ter que lidar com a perda do marido, vítima de enfarte agudo do miocárdio.

Depois de estagiar no Hospital das Clínicas da USP e no Hospital do Servidor do Estado de São Paulo, Seetuko trabalhou no Hospital do Mandaqui, principal unidade pública de saúde na Zona Norte da capital paulista, e no Ambulatório de Recuperação de Alcoólicos e Fumantes. Posteriormente, atuou como professora do curso de Serviço Social no campus da Unesp (Universidade Estadual Paulista) em Franca até se aposentar em 1998, com 63 anos de idade.

Após a jubilação, continuou fazendo cursos e ajudando outras pessoas, algo que também sempre fez parte de sua identidade. Como voluntária em ações e projetos sociais, ajudou muitas pessoas, especialmente alcoólatras, a adotar um estilo de vida saudável. Também liderou campanhas de saúde nas conferências evangelísticas ministradas pelo pastor Alcides Campolongo na região de Guarulhos. Além disso, ensinou sobre o uso da soja na alimentação em uma época em que a mídia pouco dizia a respeito de alimentação saudável.

De professora a aluna

Foi o ideal de ajudar outras pessoas a se alimentarem melhor que levou Seetuko a cursar a graduação em Nutrição quase vinte anos depois de se aposentar como professora universitária. Sua rotina acadêmica é intensa e começa bem cedo. Depois de estudar a Bíblia, a Lição da Escola Sabatina e ler os devocionais da Casa Publicadora Brasileira, livros de cabeceira, Seetuko faz o desjejum, realiza sua caminhada diária e se prepara para encarar a sala de aula. À tarde, também cursa algumas matérias. Já no período da noite tem se dedicado ao Trabalho de Conclusão de Curso (TCC), que precede o período de estágios. “Estou fazendo um estudo comparativo do custo da dieta onívora e a alimentação vegetariana”, conta.

O esforço foi grande para chegar até aqui, observa ela. Afinal, foi preciso se adaptar a um cenário educacional e tecnológico bem diferente do que ela viveu no início dos anos 1970, quando fez a primeira graduação; e mesmo do tempo em que cursou doutorado, na década de 1990, época em que só havia um computador na universidade na qual estudou.

Ao se aproximar do fim do curso, a professora aposentada fala sobre seus planos após a formatura: “Como já me realizei profissionalmente, meu objetivo agora é levar esse conhecimento para a comunidade. Creio que poderei ajudar tanto as igrejas quanto outras pessoas que me procurarem. Há muito desconhecimento nessa área e meu propósito é prover orientação”, afirma.

Lição de voluntariado

Idosa dedicou período de férias escolares para participar de projetos de voluntariado promovidos pelo Unasp.
Idosa dedicou período de férias escolares para participar de projetos de voluntariado promovidos pelo Unasp.

Com o retorno ao ambiente universitário, Seetuko de Andrade também encontrou novas oportunidades para nutrir o voluntariado. Os períodos de férias foram destinados para essa finalidade. Juntamente com outros estudantes do Unasp, ela já ajudou em projetos no interior do Piauí e na capital capixaba. Nessas iniciativas, uma de suas atribuições foi orientar pessoas em feiras de saúde. Na cidade de Vitória, por exemplo, ela também ensinou alguns moradores da capital a cultivar hortas dentro de casa. O incentivo à alimentação natural e orgânica também deu abertura para diálogos mais profundos sobre a esperança que ela encontrou ao conhecer a mensagem adventista há 60 anos.

“Eu sinto um prazer enorme em servir as pessoas. E sou grata a Deus por essas oportunidades que tive de fazer isso em companhia dos jovens, que têm uma vida toda pela frente e que podem fazer tanta diferença na sociedade e na igreja”, expressa.

Aos 81 anos de idade, mas com um espírito jovem, Seetuko conta que a cada sábado ela frequenta os cultos dos universitários e a classe de Escola Sabatina em inglês. Durante a semana, sua rotina é cheia, mas procura dormir cedo e não deixa de assistir aos noticiários.

“Se não fosse Deus, eu não teria feito tudo o que eu fiz. Se Deus está me concedendo saúde, eu não vou ficar dormindo em casa, não vou ficar parada. Se Ele abre caminho é para ir, não é verdade?”, conclui com um sorriso.

MURILO PEREIRA é assessor de comunicação do Unasp, campus São Paulo

Última atualização em 16 de outubro de 2017 por Márcio Tonetti.