A música contra a morte

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Se a música está tão ligada a momentos de celebração e alegria, por que as pessoas cantam nos funerais?
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No ranking das dez músicas mais tocadas em funerais, a canção que aparece no topo da lista é My Way, cantada por Frank Sinatra. Esse foi o resultado de uma pesquisa realizada junto a funerárias de Londres, que também mostrou que hinos ainda são solicitados, como Abide With Me (Comigo Habita, no título do Hinário Adventista) e All Things Bright and Beautiful (Tudo o que Há em Terra e Mar), mesmo que em número inferior às solicitações de música popular.

A letra de My Way é sobre alguém que faz um retrospecto das dores, dos arrependimentos, das batalhas que travou na vida e dos planos que traçou para si mesmo, e no fim diz que o importante é que fez tudo do seu jeito. O sujeito da canção não está dizendo que o importante é que emoções ele viveu. Ele está assumindo as responsabilidades pela vida que levou e não se importa com o saldo final, pois esse foi o seu jeito de viver. É claro que, pensando em termos de uma vida cristã, alguém poderia dizer que o importante é que viveu de acordo com a maneira que Deus pediu que vivesse.

Se a música está tão ligada a momentos de celebração e alegria, por que as pessoas cantam nos funerais? Hinos e canções podem servir como lembrança daqueles que se foram, mas também ajudam a trazer certo conforto em meio à tristeza. Na recente homenagem realizada no estádio do Atlético Nacional para as 71 vítimas da tragédia que envolveu a equipe da Chapecoense, o povo colombiano chorava e cantava. A música não chorava os mortos, e sim transmitia uma mensagem de solidariedade e força.

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A compreensão adventista sobre a morte corrobora a noção bíblica de que os mortos não têm consciência e despertarão para o juízo divino num abrir e fechar de olhos. É como se estivessem dormindo, sem sonhos, pesadelos ou consciência. No século 19, a poetisa Annie R. Smith já descrevia a interpretação adventista a respeito do estado dos mortos no hino He Sleeps in Jesus [Ele dorme em Jesus], escrito em memória do irmão mais velho de Ellen White, Robert F. Harmon, que morreu de tuberculose aos 27 anos de idade.

Naquela época, também já se cantava um hino de despedida em funerais: Never Part Again (Oh! Nunca Separar), cujo refrão diz: “Iremos com Jesus morar / E nunca mais nos separar”. Esses cânticos trazem o lamento da dolorida separação entre parentes, amigos e irmãos de fé na vida terrena, e também reiteram a esperança de que a morte não é o ponto final, e por isso seguem cantando com fé na ressurreição e no reencontro futuro.

A morte é a única adversária de todos os seres humanos, e as letras das músicas cristãs são frontalmente contra a morte e a favor da esperança da ressurreição. Nesse sentido, do mesmo modo que não separamos a morte de Cristo de Sua ressurreição, nossas músicas que choram os mortos em Cristo também mencionam a esperança escatológica na promessa da ressurreição. Nossa música não pode ser unicamente triunfalista, falando somente do Céu e esquecendo a Cruz. Mas não pode ser derrotista abordando a morte sem a fé naquele que é a fonte da vida, pois “quem crê em Mim, ainda que morra, viverá” (Jo 11:25).

Frank Belden, um dos mais prolíficos compositores adventistas, foi o autor dos versos de Sweet be thy rest, and peaceful thy sleeping (Doce seja teu descanso, e tranquilo o teu sono):

Teu trabalho terminou, teu semear e colher

Tua coroa está ganha, e breve é o pranto

Doce seja teu descanso; não mais vamos te saudar

Até que com os abençoados no Céu nós te encontremos

Em 1 Tessalonicenses 4:13-18, o apóstolo Paulo descreve a chamada bendita esperança do retorno de Cristo e da ressurreição. Ele conclui dizendo: “Consolai-vos uns aos outros com estas palavras”. Em momentos de dor e infelicidade, em que abraços falam mais que palavras, a música às vezes pode trazer um pouco de paz. Principalmente aquelas músicas que nos lembram da promessa de vida.

JOÊZER MENDONÇA, doutor em Musicologia (Unesp) com ênfase na relação entre teologia e música na história do adventismo. É professor na PUC-PR e autor do livro Música e Religião na Era do Pop

Última atualização em 16 de outubro de 2017 por Márcio Tonetti.