Perguntar ofende?

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Aprenda a ler as perguntas por trás das perguntas
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Sim, perguntar ofende. Só não ofenderia se fosse algo sempre inocente. De vez em quando não é. Nenhuma pergunta surge do nada. Por trás sempre há um contexto, um motivo e às vezes até um pretexto. Perguntar pode ser tanto um gesto de submissão (de quem não ousa afirmar nada) como pode ser um ato desafiador, de coragem ou de atrevimento de quem quer se impor. Diferente do que parece, nem sempre é sinal de mera curiosidade. Ironia, sarcasmo, crítica, provocação, animosidade, cumplicidade… várias coisas podem ser expressas por meio de uma pergunta, a qual raramente é neutra, mesmo quando casual. É por isso que perguntar ofende. Não precisa, mas às vezes ofende sim.

O potencial ofensivo da pergunta, porém, nem sempre está na sua superfície. Uma pergunta pode ser ingênua na aparência e, na raiz, estar cheia de sagacidade e veneno. Uma mente atenta e disciplinada percebe isso. Tudo indica que esse foi o caso quando Jesus, certa vez, entrou na cidade de Cafarnaum. Um dos oficiais de plantão naquele dia fez uma pergunta curiosa, intrigante: “O mestre de vocês não paga o imposto do templo?” (Mt 17:24, NVI). Aquela pergunta incomodou. Pedro ficou furioso. O questionamento pareceu-lhe ofensivo, uma insinuação sórdida e infeliz. “Sim”, respondeu ele, curto e grosso, tomando para si as dores de seu Mestre.

Jesus percebeu tudo, mas ficou na Dele, imperturbável. Ele nunca ficava na defensiva. Pedro sim. Se alguém lhe armasse alguma, Pedro sabia dar o troco. Era meio esquentado e temperamental. Todo mundo já o conhecia, até mesmo os cobradores de impostos que foram diretamente a Pedro – justo a Pedro! – para tratar o assunto. Como bons oportunistas, tocaram, não sem malícia, nas fibras da alma daquele que, entre os doze, talvez fosse o mais sensível para essas coisas. Pedro caiu como um patinho! Com seu espírito protetor, saiu em defesa de Jesus. Apesar de ser um bom aluno, Pedro ainda tinha muito que aprender, e a principal lição naquele momento talvez fosse esta: Podia até não parecer, mas Jesus é que estava no controle da situação, não Pedro. Jesus era ativo, não reativo. Sereno, não afoito. Era escrupuloso e atento. Inteligentíssimo! Nunca passava batido. Pedro sim.

Jesus Se antecipou e foi a Pedro para conversar sobre o assunto (Mt 17:25). Fez Pedro perceber a superficialidade daquele “sim” que ele, por impulso, havia dito sem analisar bem as implicações que isso teria. O assunto ali, na verdade, não era dinheiro. Ninguém estava acusando Jesus de ser caloteiro. O problema era a pergunta por trás da pergunta, ou melhor, a insinuação por trás daquele questionamento “inocente e rotineiro” feito pelos cobradores de impostos. Ellen White explica em O Desejado de Todas as Nações (p. 305) que os mestres e rabinos em Israel eram isentos daquele tipo de imposto. Ora, Jesus era um mestre, logo estava desobrigado de pagar a quantia. A pergunta “O mestre de vocês não paga o imposto?” era ofensiva porque, na verdade, afirmava o seguinte: “Ele não é Mestre coisa nenhuma, portanto, pague!” A pergunta era uma acusação disfarçada, velada. Pedro não notou. Ficou na superfície do problema. Passou batido. Jesus não. Daí veio a resposta brilhante e contundente da parte de Cristo. Ele fez o milagre da aparição das moedas necessárias dentro da boca de um peixe que ainda nem tinha sido pescado! (Mt 17:27).

Tanto Pedro como os cobradores de impostos (e mesmo os peixes!) teriam que admitir que Jesus não era uma pessoa comum. Ele não era apenas um mestre. Era muito mais que isso. Era um profeta divino capaz de responder às perguntas mais difíceis e desvendar os mistérios mais insondáveis; alguém que vence a malícia com perspicácia, a ironia com honestidade, o desdém com assertividade, sabedoria e empatia, tudo ao mesmo tempo! Por isso Ele é o Mestre dos mestres.

Ele não só sabe responder perguntas como também sabe fazê-las. A que Ele fez a Pedro naquele dia abriu-lhe os olhos para a vida. “O que você acha, Simão? De quem os reis da terra cobram tributos e impostos: de seus próprios filhos ou dos outros?” (Mt 17:25). A pergunta aguçou sua inteligência de pescador. Com aquele Mestre, Pedro aprenderia a pensar de modo diferente, arguto, metódico, sistêmico, disciplinado e… brilhante! Ele aprenderia a ler nas entrelinhas, a sondar os corações, a perdoar as impertinências e alfinetadas gratuitas que, às vezes, sem merecer, recebemos. Aprenderia que ser impulsivo, dominador e controlador é o caminho mais curto para se perder o controle e a razão. Ele aprendeu com o Melhor.

Se me fosse possível viajar no tempo e no espaço, eu perguntaria pessoalmente a ele: “Pedro, como é que foi tudo isso?”. Será que ele se ofenderia com a pergunta?

JÚLIO LEAL é pastor, doutor em Educação e editor de livros didáticos na Casa Publicadora Brasileira

 

Última atualização em 16 de outubro de 2017 por Márcio Tonetti.