Edição comemorativa

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Ao completar 125 anos, best-seller de Ellen White ganha versão comentada por teólogo adventista
Márcio Tonetti
Edição especial foi comentada por Denis Fortin, um dos editores da Ellen G. White Encyclopedia. Foto: Andrews University

No ano em que o mundo cristão lembra o 500º aniversário da Reforma Protestante, o livro Caminho a Cristo, um dos principais legados da escritora norte-americana Ellen White para o tema da justificação pela fé, completa 125 anos. O contexto duplamente oportuno motivou a publicação de uma edição especial do clássico cristão, um dos mais traduzidos da história da literatura.

Além de uma introdução histórica, a nova versão comentada por Denis Fortin, professor do seminário teológico da Universidade Andrews (EUA), traz seção de abertura em cada capítulo, bem como notas e referências ao longo do texto.

Em entrevista à Revista Adventista, o teólogo adventista explicou como a doutrina da salvação foi apresentada por Ellen White e em que aspectos sua compreensão se distanciou da tradição reformada. Ele também falou sobre a ênfase prática do livro e o impacto que o best-seller exerceu em sua caminhada cristã.

Qual é a contribuição dessa obra para o tema da justificação pela fé?

De todas as obras de Ellen White, esta é a que aborda de maneira mais específica a salvação. Ela se preocupou em apresentar o tema de maneira simples, a fim de que todos o entendam. Embora a autora não tenha usado a expressão “justificação pela fé” neste livro, o tema foi explorado nos capítulos 6 e 7. Por isso, ao preparar a edição especial eu tinha em mente a oportunidade de aproveitar essas duas datas (os 500 anos da Reforma Protestante e os 125 anos da publicação original do livro) para compartilhar um material que apresenta a visão adventista do tema que motivou a Reforma nos dias de Lutero.

Ellen White apresentou uma visão equilibrada sobre questões como graça, lei, obediência e santificação? Em que aspectos ela se distanciou da visão calvinista e da tradição reformada?

Esse equilíbrio é notável. Nesse pequeno livro, a compreensão de Ellen White sobre a salvação se aproximou mais da teologia wesleyana arminiana e da perspectiva calvinista reformada. Ela acreditava que Deus prepara o coração das pessoas para receber a salvação, mas cabe a cada uma aceitar ou não esse convite. Ou seja, embora Deus dê os primeiros passos, ninguém é forçado a ser salvo. Em contraste com a perspectiva calvinista reformada, Ellen White não acreditava na predestinação. Por outro lado, em harmonia com a teologia reformada, ela defendia que aqueles que aceitam o plano de salvação devem obedecer à lei de Deus e, pela Sua graça, ter uma vida dedicada ao evangelho. Para ela, o Espírito Santo concede aos que experimentaram o novo nascimento poder para obedecer a vontade de Deus.

Contudo, é pertinente observar que Caminho a Cristo não foi preparado como um tratado teológico sobre a salvação. Por sugestão de alguns pastores, ele nasceu com um propósito evangelístico e apresentou uma introdução à doutrina da salvação, mostrando como as pessoas podem desenvolver sua fé em Cristo.

Alguns afirmam que o livro traz uma forte herança metodista.

Sim, a começar pelo título. Em muitos de seus sermões, John Wesley discutiu os passos para a salvação. Muitas expressões e conceitos que ele usava são encontrados no livro Caminho a Cristo. Sua compreensão da salvação é muito semelhante à de Wesley no que diz respeito à graça de Deus, à obra do Espírito Santo no coração das pessoas antes da conversão, à experiência do novo nascimento, ao arrependimento, à fé, à confissão, à justificação e à santificação. No entanto, também há diferenças. Ellen White e Wesley discordaram, por exemplo, no entendimento da perfeição, mas esse tópico não é totalmente abordado no Caminho a Cristo.

Edição comemorativa publicada pela editora da Universidade Andrews traz introdução histórica, seção de abertura em cada capítulo, bem como notas e referências ao longo do texto. Foto: Divulgação

Curiosamente, o primeiro capítulo do livro, que trata do amor de Deus, foi adicionado posteriormente. Essa inserção reflete uma mudança na concepção teológica da autora?

Como eu abordei na introdução histórica da edição anotada, a primeira edição publicada pela Fleming Revell (importante editora evangélica de Chicago), tinha apenas doze capítulos. Mais tarde, em 1892, Ellen White preparou outro capítulo a pedido da editora adventista da Inglaterra. A intenção era ter uma versão diferenciada da publicada nos EUA, para garantir os direitos autorais na Grã-Bretanha. Não acredito que esse capítulo sobre o amor de Deus, que passou a ser o primeiro das edições seguintes, reflita uma mudança em sua teologia, mas, sem dúvida, ele imprimiu um tom e foco teológico diferentes ao livro. A versão original começava discutindo o impacto do pecado na humanidade e a necessidade que temos de Cristo como nosso único Salvador. Por sua vez, a segunda edição começava explicando que Deus é o único que pode salvar a humanidade e que Ele deu início ao plano da salvação em Jesus Cristo. Esses conceitos já estavam presentes na teologia de Ellen White antes da publicação de Steps to Christ pela Revell. No entanto, a adição desse capítulo certamente alterou o tom teológico e o foco do livro.

Além de apresentar conceitos teológicos profundos, como o livro explora a religião prática?

Caminho a Cristo nasceu com o objetivo de ser um guia prático que pudesse ajudar no trabalho dos pastores e evangelistas. Por isso, Ellen White explicou o conceito de salvação de maneira tão simples. Muitas partes desse livro foram extraídas de seus artigos publicados na Review and Herald e na Signs of the Times. Algumas dessas publicações compiladas pela assistente editorial de Ellen White tinham sido adaptadas de sermões da profetisa, o que explica por que o tom do livro é muitas vezes conversacional e atraente para os leitores. Os últimos capítulos do livro são mais práticos do que os primeiros, abordando a santificação, a oração, como ser um cristão fiel na vida diária e no trabalho, como estudar a Bíblia para conhecer a vontade de Deus e como lidar com as dúvidas.

Que impacto esse clássico cristão teve em sua experiência?

Caminho a Cristo foi o primeiro livro adventista que eu li na adolescência. Um pastor me presenteou com o exemplar ao visitar minha casa. Inicialmente, não entendi muitos conceitos, mas os capítulos posteriores, de natureza mais pragmática, foram muito importantes para mim na época. Ao longo dos últimos 40 anos, li o livro muitas vezes e, a cada nova leitura, sou abençoado com novas percepções da salvação que Cristo oferece. Há muitos anos recito todos os dias a oração que Ellen White sugere: “Toma-me, ó Senhor, para ser Teu inteiramente. Deponho todos os meus planos a Teus pés. Usa-me hoje para o Teu serviço” (p. 45). Esta prece tem me motivado a dedicar a vida a Deus a cada manhã.

Caminho a Cristo traz frases brilhantes do início ao fim. Qual é a sua citação predileta?

Há muitas passagens nas quais encontrei significado para minha experiência espiritual. Uma das que mais gosto é a seguinte: “Ao entregar-se a Ele, aceitando-O como seu Salvador, você, por causa Dele, será considerado justo, não importa quão pecaminosa possa ter sido sua vida. O caráter de Cristo substituirá o seu caráter, e você será aceito diante de Deus como se não houvesse pecado” (p. 40).

Como podemos aproveitar os 125 anos do livro Caminho a Cristo?

Uma das maneiras de aproveitar a data comemorativa é ler o livro novamente. Historicamente, essa obra foi uma grande benção para os adventistas do sétimo dia e continua exercendo influência na vida dos novos membros. Além disso, tendo em vista que ele apresenta uma boa introdução à compreensão adventista da salvação, deveríamos pensar em compartilhá-lo. Muitos não sabem que temos diversos conceitos em comum com outros cristãos. Preparei essa nova edição com esse objetivo em mente e espero que seja um bom livro para testemunharmos de nossa fé. Não podemos esquecer que o propósito original desse livro foi evangelístico.

MÁRCIO TONETTI é editor associado da Revista Adventista

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Última atualização em 16 de outubro de 2017 por Márcio Tonetti.