Epidemia silenciosa

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Brasileira que integra o Conselho de Saúde Mental do governo norte-americano fala sobre formas de prevenção do suicídio e o trabalho que a igreja tem desenvolvido nessa área
 Por Márcio Tonetti
Membro do Conselho de Saúde Mental ligado ao governo dos Estados Unidos, Katia Reinert exerce a função de diretora associada do departamento de Saúde da igreja mundial. Créditos da imagem: General Conference
Membro do Conselho de Saúde Mental ligado ao governo dos Estados Unidos, Katia Reinert exerce a função de diretora associada do departamento de Saúde da igreja mundial. Créditos da imagem: General Conference

Considerado um problema de saúde pública global, o suicídio ainda é um tema pouco discutido não somente pelos governos, mas pela sociedade como um todo, inclusive pelas igrejas. No entanto, esse mal silencioso tem feito cada vez mais vítimas.

Segundo dados da Organização Mundial da Saúde (OMS), a cada 40 segundos uma pessoa decide tirar a própria vida. No Brasil, de acordo com números oficiais, são registradas 32 mortes por dia, o que faz do país o oitavo em número de suicídios. Em países de primeiro mundo, como os Estados Unidos, esse também é um problema crônico. Para se ter uma ideia, a chances de um norte-americano cometer suicídio é 2,5 vezes maior do que a de ele ser assassinado.

Membro do Conselho de Saúde Mental do governo dos Estados Unidos, a brasileira Kátia Reinert conversou com a Revista Adventista sobre algumas causas do fenômeno e a importância do trabalho de prevenção, tendo em vista que, segundo a OMS, nove em cada dez casos de suicídio poderiam ser evitados.

Doutora pela Escola de Enfermagem da Universidade Johns Hopkins, ela também atua como diretora associada do departamento de Saúde na sede mundial da Igreja Adventista. Natural de São Paulo, Katia tem participado da organização de eventos promovidos pela igreja com o objetivo de discutir questões relacionadas à saúde emocional. No mais recente, realizado no início deste ano em Orlando, na Flórida (EUA), o suicídio foi um dos temas abordados.

Nesta entrevista, ela dá um panorama das ações promovidas pela igreja tanto no sentido de conscientizar as pessoas sobre a realidade do problema quanto em auxiliar as que precisam de assistência médica e apoio espiritual. Katia ainda analisa alguns tabus que precisam ser quebrados em relação ao tema.

Qual é a dimensão desse problema?

Dados da Organização Mundial da Saúde (OMS) mostram que, anualmente, cerca de um milhão de pessoas cometem suicídio, o que equivale a uma morte a cada 40 segundos. Nos últimos 45 anos, o número de casos aumentou 60% ao redor do mundo. Em vários países, o suicídio está entre as três maiores causas de morte envolvendo pessoas entre 15 e 44 anos de idade.

Que fatores têm sido apontados pela comunidade científica para explicar as causas do suicídio?

Estima-se que 90% dos casos estejam relacionados com problemas de saúde mental e fatores comportamentais. Isso envolve a depressão e outras desordens de humor, que estão entre as causas principais. Mas o uso de álcool e drogas também está fortemente relacionado.

Quais são os principais “grupos de risco”?

Embora o suicídio vitime pessoas de todas as idades, gêneros, raças e etnias, alguns grupos parecem estar mais suscetíveis. No contexto norte-americano, por exemplo, há muitos casos de suicídio ou comportamento suicida entre militares e veteranos de guerra, indígenas, nativos do Alaska, jovens da comunidade LBGT e pessoas com doenças mentais.

Embora as pesquisas tenham mostrado que programas de prevenção e tratamento ajudam a diminuir os fatores de risco e, consequentemente, o número de vítimas, infelizmente poucas pessoas têm acesso a cuidados médicos na área de saúde mental nem conseguem ajuda para vencer os vícios e se recuperar. Em muitos países, mais da metade das pessoas que tentam o suicídio não tem uma intervenção médica para seu problema de saúde mental.

A OMS refere-se ao suicídio como uma “epidemia silenciosa”. No entanto, é possível perceber alguns sinais dados pela pessoa que está alimentando pensamentos suicidas a fim de oferecer ajuda a tempo?

Em muitos casos, a pessoa que está pensando em tirar a própria vida deixa, sim, alguns sinais. Entre esses indicativos podem estar expressões como “a vida não vale mais a pena”, “melhor morrer” ou ainda “queria desaparecer”. Colegas de trabalho, parentes e amigos, que convivem com essas pessoas, são os que mais podem perceber os sinais de alerta dados por alguém que está pensando em tirar a própria vida. Além disso, quando sintomas da depressão, como isolamento social, tristeza profunda, baixa autoestima e problemas para dormir, começam a ser notados, é importante tentar descobrir se a pessoa tem pensando em morrer ou tirar a vida. Isso pode ajudar a esclarecer com mais detalhes a necessidade de cuidado imediato. Pessoas nesse estado não devem ser deixadas sozinhas em nenhum momento, pois passam a representar um risco para elas mesmas. Cuidados médicos e psicológicos devem ser buscados imediatamente. Vale lembrar ainda que, às vezes, a rápida melhora provocada por agentes antidepressivos, aumentando momentaneamente as energias da pessoa, pode levar o paciente a criar coragem e cometer suicídio.

Em nível mais amplo, o que os governos, a sociedade e a igreja podem fazer para prevenir esse problema de saúde pública global?

Como faço parte do Conselho de Saúde Mental, ligado ao governo norte-americano, participo da avaliação de dezenas de programas de prevenção diretamente focados nos grupos de alto risco. Temos visto ótimos resultados quando o governo e a comunidade decidem fazer algo. Além disso, campanhas como a do Setembro Amarelo são um meio de levar essa discussão para a sociedade.

Como igreja podemos não somente conscientizar as pessoas sobre o problema do suicídio, mas também encaminhar aqueles que precisam de ajuda. Além disso, líderes religiosos podem fazer muito para quebrar tabus em relação ao tema e ajudar famílias a lidar com problemas de saúde mental. Creio que podemos incluir esse assunto em sermões, palestras, músicas, orações, e outros materiais educativos.

Numa pesquisa que realizei com pessoas que sofreram traumas, ficou claro que a fé, o perdão, a gratidão e uma vida de profundo relacionamento com Deus fazem com que as pessoas se tornem resilientes. Isso as leva a evitar o uso de substâncias nocivas e a ter melhor saúde mental. Portanto, precisamos continuar conectando as pessoas com um Deus amoroso, que entende os traumas e dores que passamos.

Outro ponto importante que tem sido reforçado por alguns estudos é que, quando as pessoas estão passando por algum problema emocional, tendem a buscar um líder religioso ou pessoas de fé antes mesmo de um terapeuta. Nessas circunstâncias, é muito importante saber dar uma resposta adequada, a fim de não agravar a situação, gerando, por exemplo, uma culpa desnecessária. O que precisamos fazer é abraçar essas pessoas em sua dor.

Você poderia citar exemplos de iniciativas promovidas pela igreja?

A igreja Adventista vem dando maior ênfase na área de saúde mental desde 2009, quando organizou o Congresso Mundial de Saúde em parceria com a OMS, em Genebra, na Suíça. Esse evento oportunizou discussões sobre aspectos como a saúde mental, depressão e prevenção de vícios. Quatro anos depois, em Loma Linda, na Califórnia (EUA), foi promovido o Congresso de Saúde Mental. Mais recentemente, em janeiro deste ano, a sede mundial adventista, em parceria com as Divisões Norte-Americana e Sul-Americana, organizou o Emotional Wellness Summit, em Orlando, na Flórida, que reuniu profissionais da saúde e leigos. Um dos objetivos do evento foi discutir como a igreja pode se tornar mais intencional e efetiva na tarefa de ajudar pessoas, famílias e comunidades a ter mais saúde mental/emocional, com base na filosofia cristã e visão integral adventista.

Como resultado, universidades, escolas secundárias, pastores e igrejas têm dado mais atenção ao assunto. Alguns também começaram a desenvolver programas terapêuticos e de aconselhamento na área. Um dos ministérios de apoio que tem ajudado especificamente pessoas com trauma, dor emocional e depressão, que recorrem a comportamentos ou substâncias para lidar com a situação, é o Adventist Recovery Ministries. Por meio dessa iniciativa, as igrejas formam grupos de apoio aos que lutam contra a dependência e abuso de substâncias prejudiciais. A igreja também está realizando uma parceria oficial com a OMS a fim de desenvolver programas na área da saúde mental. Acredito que em breve teremos mais informações e recursos para atuar nessa área.

Que tabus precisam ser quebrados ao falar sobre o suicídio?

No meio religioso em geral, é muito comum as pessoas sentenciarem aqueles que cometem suicídio dizendo que eles estão perdidos. A família pode sofrer muito por causa dessa concepção. O fato é que só Deus conhece o coração da pessoa que tirou a própria vida. Eu já conversei com várias pessoas fiéis a Deus, muito cristãs, que compartilharam experiências vividas em momentos de intensa dor emocional ou mental. Para muitas delas, a morte era algo atraente pelo fato de ser vista como a solução para retirar a dor que estavam sentindo. Elas afirmaram que foi somente por Deus que não desistiram da própria vida. No entanto, depois de passarem por tratamento, essa dor foi aliviada. A oração e o contato com Deus também as fortaleceram naqueles momentos críticos.

A Igreja Adventista tem uma posição oficial sobre o suicídio?

Não há uma declaração oficial tratando especificamente sobre o suicídio. O documento mais próximo é o que aborda a eutanásia (clique aqui para ler a versão em inglês), a partir do qual é possível extrair alguns princípios aplicados ao suicídio. Mas, evidentemente, o suicídio assistido é o foco principal dessa declaração. Assim como a questão do suicídio, esse também é um assunto complexo que exige discussão, avaliação, estudo e oração. Felizmente, de uns anos para cá temos refletido sobre alguns desses temas e, como resultado, emitido afirmações oficiais para servir de guia em alguns casos. Além disso, a igreja tem procurado reforçar sua posição sobre o valor que deve ser dado à preservação da vida.

Saiba +

Setembro AmareloNo Brasil, desde 2014, setembro é o mês “amarelo”: símbolo de alerta contra o suicídio. A campanha criada pelo Centro de Valorização da Vida, pelo Conselho Federal de Medicina e pela Associação Brasileira de Psiquiatria, é desenvolvida na mesma época do ano em que é lembrado o Dia Mundial da Prevenção do Suicídio.

Bate-papo virtual

Bate-papo-online-discute-ansiedade-depressao-e-suicidio3-730x733Nesta sexta-feira, 30 de setembro, a psicóloga comportamental Rísia Gois irá tirar dúvidas dos internautas sobre ansiedade, depressão e suicídio. O bate-papo com a especialista será transmitido por meio da página oficial da Igreja Adventista no Facebook, a partir das 10h. Promovida pela sede sul-americana da igreja, a iniciativa deve se repetir periodicamente a fim de esclarecer sobre outros temas.

Última atualização em 16 de outubro de 2017 por Márcio Tonetti.