Voz que silencia

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Pioneiro do televangelismo no Brasil, pastor Alcides Campolongo descansa aos 94 anos
Alcides Campolongo viveu uma vida longeva e dedicada ao evangelismo especialmente através dos meios de comunicação. Foto: reprodução do YouTube

O ano de 2019 tem sido de grandes perdas para a igreja no Brasil. Pouco tempo depois da morte do conhecido pastor e jornalista Rubens Lessa, outro grande nome que fez história na comunicação adventista saiu de cena. A voz inconfundível do pastor Alcides Campolongo, que durante décadas pregou a mensagem adventista através dos púlpitos, dos microfones e das câmeras, silenciou na manhã deste domingo, 24 de fevereiro, por volta das 7h, em São Carlos, cidade do interior paulista em que ele morava. Ele havia sido hospitalizado por causa de complicações respiratórias. Seu corpo será velado na Igreja Adventista do Sétimo Dia da Vila Prado, em São Carlos, local em que será realizada a cerimônia fúnebre nesta segunda-feira, às 9h30. Na sequência, o corpo seguirá para o Cemitério Nossa Senhora do Carmo, onde será sepultado. O pastor Campolongo deixa a esposa, Neide, com quem foi casado durante quase 70 anos. Eles não tiveram filhos.

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LEGADO

“A maior preocupação do pastor Alcides Campolongo era evangelizar as pessoas para que Jesus voltasse logo.” Essa foi a principal imagem que ficou gravada na mente de Albertina Maciel de Moura, que atuou como sua secretária durante 27 anos.

Mesmo depois da aposentadoria, o pastor Campolongo continuou fazendo o que sempre foi sua grande paixão. Antes de mudar da capital paulista para São Carlos, ele chegou a comprar uma pequena sala, no bairro do Brooklin, que serviu de “escritório” do programa Fé Para Hoje, apresentado por ele ao longo de 47 anos. Ali o evangelista continuou atendendo pessoas interessadas em conhecer mais da Bíblia.

Além de apresentar Cristo a milhares de pessoas, Alcides Campolongo também fez discípulos. O atual evangelista da Divisão Sul-Americana foi um dos frutos do seu trabalho. Depois de batizar o pastor Luís Gonçalves durante uma campanha evangelística em Sorocaba (SP), o pastor Campolongo viu nele um pregador em potencial. Por isso, o convidou para ser obreiro bíblico. “Foi ele que me introduziu na obra evangelística. Trabalhei em sua equipe durante muitos anos. Como meu professor, ele treinou-me e discipulou-me muito bem. Hoje, além de ser evangelista, também apresento programas na TV, no rádio e na internet”, conta o pastor Gonçalves.

Para o pastor Edson Rosa, que o sucedeu como apresentador do programa Fé Para Hoje, o longevo ministério do pastor Campolongo também representou um marco na história da comunicação adventista, especialmente do evangelismo na televisão. “Com sua voz grave e um sorriso cativante, ele foi usado por Deus para levar a salvação a milhares de pessoas”, ressalta.

PIONERISMO NA TELINHA

Alcides Campolongo deixou o ofício de alfaiate em São Carlos, interior paulista, e migrou para a área pastoral. Estudou até arqueologia, mas parou na comunicação. Ele fez história como apresentador do primeiro programa religioso da televisão de que se tem notícia no país: o Fé Para Hoje.

ASSISTA AO PRIMEIRO EPISÓDIO DO PROGRAMA:

A estreia do programa na TV Tupi Canal 4 ficou guardada na memória em preto e branco. A primeira edição foi ao ar em 25 de novembro de 1962. A televisão, nesta época, era um experimento novo não só no Brasil, mas na América Latina. Aparelhos de TV não passavam de caixotes de madeira que projetavam imagens em baixa resolução. Os programas eram amadores e feitos em sua grande maioria por profissionais do rádio.

Campolongo também já havia atuado no rádio. A voz grave, típica dos locutores da época, ficou conhecida nas rádios Marconi, Difusora, Piratininga e Mulher, que veicularam o “Faith for Today”, nome do programa televisivo norte-americano que ganhou versões para o rádio e a TV no Brasil. Na rádio Mulher, por exemplo, o programa durou 20 anos.

Diante da dificuldade de conseguir recursos para manter programas em ambas as mídias, Campolongo teve que tomar a decisão de ficar apenas com a mídia televisiva. A despeito da facilidade de se expressar diante de grandes plateias, devido às séries de evangelismo público que ministrava, Campolongo precisou aprender como se portar diante das câmeras e também a conquistar a simpatia dos telespectadores, além de superar, é claro, o nervosismo por estar diante de uma nova mídia.

Na época, Geraldo Vietre, diretor artístico da TV Tupi, sugeriu que atores profissionais participassem de dramatizações a fim de aumentar a audiência do Fé Para Hoje. Vida Alves, Clenira Michel, João Monteiro e Tony Ramos, que iniciava a carreira artística, foram alguns dos nomes que chamaram a atenção do público do programa com encenações de histórias bíblicas e principalmente de temas relacionados à família. “O público gostava porque eles atuavam muito bem. Só que o trabalho desses atores não estava incluído na mensalidade. A emissora cobrava à parte o cachê deles, que era muito caro. Fizemos isso durante três anos”, contou o pastor Campolongo em uma pequena biografia publicada no e-book História da Comunicação Adventista no Brasil (Unaspress, 2009).

Com a cassação da TV Tupi pelo governo federal, em 1980, o apresentador se obrigou a buscar outras emissoras e patrocinadores a fim de manter o Fé Para Hoje no ar. Embora com abrangência menor – apenas para o interior paulista – as gravações passaram a ser transmitidas pela TV Morada do Sol, de Araraquara. Em 1984, o programa migrou para a Record, mas, paralelamente, Campolongo se apresentava também diariamente na Bandeirantes, de segunda à sexta durante um minuto. Pela TV Gazeta, o programa só foi veiculado a partir de 1987.

Nesse período, contudo, as filmagens não eram feitas em São Paulo. O “âncora” viajava toda semana para Curitiba, onde realizava as gravações juntamente com a equipe da Voz da Profecia. Durante cinco anos, Campolongo fez este trajeto de ônibus. Além disso, cerca de 40 edições do Fé Para Hoje chegaram a ser gravadas por ele em países como Israel, Síria, Líbano e Egito. Com isso, o programa ganhou corpo. “O povo foi vendo que a gente apresentava um material de primeira qualidade e de interesse público”, ele disse no mesmo relato biográfico. “A nossa audiência nunca baixou de um ponto no Ibope”, complementou.

Uma pesquisa publicada na edição número 95 da revista Imprensa classificou o Fé Para Hoje como o programa religioso mais assistido da TV Gazeta em meados da década de 1990. De acordo com o levantamento feito pelo Ibope, 24 mil aparelhos estavam sintonizados no programa.

O carisma e a boa comunicação do apresentador contribuíram para que se alcançasse este índice. Alcides Campolongo recebeu cartas até de autoridades judiciais, como foi o caso do desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo, Adriano Marrey: “Ouvi hoje, ocasionalmente, o programa Fé para Hoje, a cargo de um ministro religioso, que desde logo se percebe seja um espírito profundamente cristão, dotado de notável cultura, e que se tornou admirável pela maneira comovente com que se refere à figura de Jesus… Foi um momento feliz, este de estar ouvindo um desconhecido e simpático ministro religioso – não pregador, porque não estava fazendo sermão. Vou me tornar fã desse precioso programa. Terei, assim, a possibilidade de aproximar-me diretamente de Jesus. Muito obrigado pelo conforto que me proporcionou o programa Fé para Hoje”.

O gosto e, sobretudo, a habilidade como comunicador foi algo que Alcides Campolongo conquistou ao longo dos anos. Além de atuar no rádio e na TV, ele trabalhou em departamentos de comunicação da Igreja Adventista, quando o setor ainda era chamado de Relações Públicas, Temperança e Rádio e TV. Face ao bom relacionamento que manteve com a imprensa, a igreja virou notícia em muitas ocasiões.

Numa época em que a igreja ainda não possuía seus próprios meios de comunicação, Alcides Campolongo abriu portas para a mensagem adventista no meio secular e mostrou o potencial da TV para a pregação do evangelho através do audiovisual.

MÁRCIO TONETTI é jornalista e editor associado da Revista Adventista

Última atualização em 27 de fevereiro de 2019 por Márcio Tonetti.