À prova de terremotos

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Saiba como é possível permanecer de pé diante dos abalos da vida
Socorristas tentam resgatar sobreviventes do terremoto na Itália. Créditos da imagem: Divulgação Croce Rossa Italiana
Equipes de resgate buscam sobreviventes do terremoto na Itália. Créditos da imagem: Divulgação Croce Rossa Italiana

Dor, perda, incerteza, vidas radicalmente afetadas e um país consternado. Esse é o saldo de uma nova tragédia sísmica que atingiu a região central da Itália recentemente. Como é comum nessas situações, iniciativas de ajuda humanitária estão sendo vistas por todas as partes, a exemplo de um “grupo de refugiados que resolveu doar seu próprio vale-diário ou voucher para as vítimas da tragédia”, segundo noticiou o site G1, demonstrando que nem tudo neste mundo está perdido: ainda existe muita bondade e altruísmo, apesar de toda a maldade que circunda o planeta.

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Por outro lado, o terremoto que ceifou a vida de quase trezentas pessoas também trouxe uma série de preocupações: não há uma política eficaz para evitar que tragédias desse tipo voltem a ocorrer; não há uma cultura de prevenção; não há proteção anti-sísmica. “O que aconteceu não pode ser considerado apenas destino”, declarou Giuseppe Saieva, promotor responsável pela investigação. “Se estes edifícios tivessem sido construídos como os do Japão, eles não teriam entrado em colapso”, acrescentou.

Isso me fez lembrar uma das histórias contadas por Jesus: a parábola dos dois fundamentos, registrada nos evangelhos de Mateus (7:24-27) e Lucas (6:46-49). Essa parábola é apresentada como parte final do primeiro e mais longo dos cinco discursos de Jesus encontrados no livro de Mateus: o sermão da montanha.

Os limites da condição humana são demarcados em vários pontos desse sermão e podem ser identificados logo na primeira seção. Há uma bênção proferida para os pobres de espírito, os que choram, os mansos, os que têm fome e sede de justiça e os perseguidos. Essas expressões deixam transparecer a fragilidade da existência humana. Mais ou menos no meio do sermão encontramos a inquietante pergunta: “Qual de vós, por ansioso que esteja, pode acrescentar um côvado ao curso da sua vida?” (Mt 6:27). E então cada ouvinte se compenetra de que o controle da vida não está em suas mãos.

A vida não dura quanto tempo queremos que ela dure. Em sua profunda análise da experiência humana, Jesus não deixa de fora a ansiedade, uma emoção com a qual nos deparamos com uma frequência muito maior do que desejamos. “Não andeis ansiosos pela vida” (Mt 6:25), Ele diz, consciente de que a tarefa é mais árdua do que supomos, mas também passando o dever de casa sem o qual não podemos avançar no processo: “Buscai, pois, em primeiro lugar, o seu reino e a sua justiça, e todas estas coisas vos serão acrescentadas” (Mt 6:33). Ao utilizar exemplos de como Deus cuida de Sua criação, Jesus tenta demonstrar que reconhecer que não somos capazes de compreender a maneira como Deus dirige o universo pode nos poupar uma dose elevada de tensão.

Conforme tentei demonstrar em um livro que publiquei em 2012 sob o título O Evangelho de Tiago: Sabedoria e Piedade em Favor dos Pobres (Academia Cristã), o sermão da montanha possui uma forte correspondência com os chamados livros de Sabedoria do Antigo Testamento: Jó, Provérbios e Eclesiastes. Por essa razão, não precisamos ficar surpresos ao observar que a conclusão do sermão da montanha apresenta uma profunda semelhança temática, por exemplo, com a conclusão do livro de Eclesiastes: “De tudo o que se tem ouvido, a suma é: Teme a Deus e guarda os seus mandamentos; porque isto é o dever de todo homem” (Ec 12:13). Ao concluir o seu sermão, Jesus procura convencer seus ouvintes de que viver a vida é mais simples do que parece. Ele já havia feito advertências contra o assassinato (Mt 5:21-26), o adultério (Mt 5:27-32), a necessidade de amar os inimigos (Mt 5:43-48), etc. Agora, é como se Ele quisesse dizer: “De tudo o que se tem ouvido, a suma é: aquele que ouve estas minhas palavras e as pratica será comparado a um homem prudente que edificou a sua casa sobre a rocha” (Mt 7:24).

Um ensinamento que podemos extrair dessa parábola é que todos nós somos construtores: construímos casas, família, negócios, relacionamentos, a vida! Podemos erigir edifícios bons ou maus, pequenos ou grandes, seguros ou inseguros, mas nunca deixamos de construir. Como em Eclesiastes, o sermão da montanha também toca na questão da busca por significado. Em ambos os textos, o sentido da vida está relacionado ao temor do Senhor, e, portanto, à observância dos mandamentos, redundando no amor a Deus e ao próximo.

Ao nos depararmos com essa parábola, deveríamos fazer duas importantes perguntas: Que edifício estamos construindo e qual seu alicerce? Há pessoas que consomem tempo e energia construindo uma vida que está fadada à ruína. Afastados de Deus e de Sua Palavra, elas buscam nas coisas materiais uma forma de preencher o vazio da alma. Para usar as palavras de Spence-Jones, fazer isso é “indigno de nossa humanidade, é desonrar a nós mesmos, é degradar nossas vidas; é exaurir nossa força sobre um miserável casebre quando poderíamos usá-la no erguimento de uma nobre mansão”. Se construirmos nossa existência sobre a Palavra de Deus, os “terremotos” da vida não poderão sacudi-la. A chuva cairá, os rios transbordarão, os ventos soprarão em sua impetuosa força, mas a casa permanecerá firme, porque foi erigida sobre um sólido fundamento.

NILTON AGUIAR, mestre em Ciências da Religião, é professor de grego e Novo Testamento na Faculdade Adventista da Bahia e está cursando o doutorado em Novo Testamento na Universidade Andrews (EUA)

Última atualização em 16 de outubro de 2017 por Márcio Tonetti.