Balanço da pandemia

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Líder fala sobre os reflexos da crise sanitária no adventismo sul-americano

Marcos Blanco
Crédito: DSA

Liderar uma estrutura com centenas de instituições, milhares de funcionários e milhões de membros já não é fácil em tempos normais. Imagine durante uma pandemia! A atual crise sanitária exigiu da organização adventista respostas rápidas, protocolos de segurança, cortes no orçamento e outras medidas para se manter saudável e relevante. Na verdade, a pandemia não parou completamente o mundo nem a igreja, mas fez com que ambos se reinventassem em muitos aspectos. Nesta entrevista, o pastor Erton Köhler, líder da denominação para oito países do nosso continente, conta em detalhes qual foi o impacto da crise sanitária na igreja e como esse momento de turbulência ajudou a prepará-la para desafios futuros.

Como a pandemia afetou a marcha da igreja na América do Sul?

A igreja enfrentou mudanças radicais e inesperadas, como toda a sociedade. A principal delas foi ajustar nossas atividades do modelo presencial para o virtual. Em seguida tivemos que ajustar o trabalho de nossos hospitais com suas equipes de saúde, funcionamento dos escritórios, gestão financeira, distribuição de literatura, programação da TV e rádio Novo Tempo e, principalmente, nossos projetos evangelísticos. Mudanças complexas ainda aconteceram na rede educacional, colportagem e projetos de voluntariado. Outra área bastante afetada foi o ministério pastoral. Além disso, ampliamos os projetos de solidariedade, arrecadando e distribuindo 3,5 milhões de quilos de alimentos, e promovemos projetos missionários alternativos. Apesar de tudo, a obra continua viva e Deus nos deu uma grande colheita. Nossos pastores respeitaram as regras de segurança, mas não deixaram de batizar. Levaram a Jesus 7.317 pessoas em abril e 6.581 em maio.

Quais estratégias impulsionaram a sede sul-americana nesse contexto?

Quando a quarentena começou, trabalhamos diariamente com nosso comitê de crises. Por meio de diálogo, análise técnica e oração, procuramos levar segurança à igreja, agir rapidamente e elaborar protolocos para o funcionamento seguro das diferentes áreas e instituições. Destaco cinco movimentos especiais: “Compartilhe Esperança”, com arrecadação e distribuição de alimentos; “Vida por Vidas”, incentivando a doação de sangue; “Ouvido Amigo”, oferecendo atendimento psicológico; “Se Meu Povo Orar”, levantando um movimento de oração; e “Multiplique Esperança”, unindo nossos diferentes projetos missionários. 

Há algum dado sobre o número de adventistas afetados pela Covid-19?

 Infelizmente, o efeito da pandemia também foi forte dentro da igreja. Até metade do mês de julho, 23.927 adventistas foram contaminados e 1.296 irmãos faleceram na América do Sul. Mais que números, foram famílias que sofreram e choraram a perda de seus queridos. Muitos membros e líderes descansaram na “bendita esperança”, e alguns pastores e profissionais de saúde morreram no “campo de batalha”. Oramos para que o Senhor renove as forças dos que ficaram e fortaleça a certeza do breve reencontro.

Além da saúde, o tema econômico é chave para todos. Que medidas a Divisão tomou para reduzir gastos?

A igreja é o resultado do contexto social. Como o momento é de forte retração financeira, nós também sentimos o impacto e estamos reduzindo despesas. Emergencialmente, começamos a agir em três áreas: despesas com pessoal, reduzindo 18,3% dos custos com salários; despesas administrativas, com redução de 31,34%; e despesas com eventos e materiais, com 83,56% de redução. Entendendo que a crise financeira será mais prolongada que a sanitária, seguiremos fazendo redução de pessoal e priorizando os que têm condições de aposentadoria e provocarão menor impacto social. Estamos avaliando áreas de trabalho que possam ser reduzidas ou integradas a outros setores. Intensificamos também a automação de processos técnicos.

Em relação a dízimos e ofertas, qual tem sido a resposta dos membros?

 É impressionante observar a fidelidade de nossos irmãos e os milagres de Deus. De janeiro a maio de 2020, em comparação com o mesmo período de 2019, tivemos um crescimento de 1,07% nos dízimos e 0,19% nas ofertas. Essa foi a média. Há regiões que tiveram fortes reduções e outras que alcançaram um marcante crescimento. Vejo a mão de Deus sustentando Seus filhos e tenho profunda gratidão a cada adventista fiel que, com sacrifício pessoal, tem devolvido a Deus o que Lhe pertence. Isso fortalece ainda mais nosso compromisso de cuidar dos recursos do Senhor de maneira responsável e investi-los no cumprimento da missão.

Sabemos que a pandemia não é o fim. Porém, muitos acreditam que sim. Como evitar o sensacionalismo alarmista e manter o senso de preparo?

As crises podem ser alimento ou veneno para nossa esperança. Se dermos espaço ao sensacionalismo, estaremos sufocando a mesma esperança que desejamos alimentar. ­Preocupo-me com as pessoas que não têm uma vida espiritual estável e dependem de textos escondidos, vídeos alarmantes, pregadores carismáticos ou eventos espetaculares para manter sua esperança viva. Ninguém vai para o Céu por medo, nem resistirá a um preparo mais longo se depender de estímulos fortes, pois será derrotado pela rotina e dominado pela incredulidade. Nosso foco não está nos sinais, mas no Senhor. Os sinais servem apenas para nos indicar a altura da jornada em que estamos e intensificar nossa comunhão, busca pelo poder do Espírito Santo e envolvimento nos grandes movimentos missionários do tempo do fim.

O contexto atual seria um sinal de alerta para que estejamos preparados para a crise final?

A pandemia está nos preparando para situações que enfrentaremos nos momentos finais da história. Precisamos encará-la de maneira positiva e pedagógica, apesar de todas as consequências negativas. Ela tem nos ensinado a ser fiéis diante da incerteza, a depender mais do Senhor e menos de programas, a ser mais generosos, a reavaliar as verdadeiras prioridades, a cumprir a missão em situações adversas e a desejar mais intensamente a volta de Jesus. Ela tem servido como termômetro de nossa fé, lembrando que o mundo é frágil, os líderes são limitados, a vida é um sopro. Para a igreja, a crise tem sido um chamado para reajustar estruturas, aumentar a profundidade bíblica e investir mais no cumprimento da missão e nas pessoas.

Qual é a importância de voltarmos a nos congregar, construir comunidades e, sobretudo, cumprir a missão de pregar o evangelho?

Durante a fase mais difícil de isolamento social, a internet foi uma grande aliada da igreja, mas apenas como um remédio temporário. Não pode ser nosso alimento definitvo, senão teremos muito espetáculo e pouca consistência. A igreja não é o edifício, mas as pessoas. Criamos um protocolo geral para o retorno aos cultos presenciais, buscando seguir as orientações legais a fim de tornar nossos templos lugares de esperança e de segurança.

Não está havendo uma “infoxicação”, palavra criada por Alvin Toffler para se referir ao excesso de informação? Não precisamos de menos sermões pela internet e mais estudo pessoal da Bíblia?

Usada com equilíbrio, a internet pode ser uma grande fonte de bênçãos espirituais e oportunidades missionárias. Mas, sem filtros, ela domina a mente e controla o tempo, tornando-se um meio de confusão, engano e pecado. Durante a pandemia, ela tem sido importante para o atendimento espiritual, manutenção de nossa unidade e envolvimento dos membros em projetos missionários. Contudo, ela também se tornou um terreno fértil para todo o tipo de novidade, interpretações teológicas perigosas, ministérios independentes, pregadores sensacionalistas, teorias conspiratórias e muitas outras formas de intoxicação que podem envenear a mente de irmãos sinceros. A única fonte infalível é a Bíblia. Por isso, precisamos ter mais interesse no “assim diz o Senhor” e menos no “assim diz o influenciador”. O uso excessivo dos recursos virtuais pode acabar desestimulando o estudo pessoal da Bíblia, alimentando uma religião terceirizada e dependente de sons, imagens, carisma e espetáculos.

Como o adiamento da assembleia da Associação Geral afetou os programas da igreja?

A mudança de data provocou um ajuste no modelo da assembleia, tornando-a mais curta, com menos participantes e redução de ­custos. Com isso, a Associação Geral antecipou o lançamento oficial do projeto “Eu Irei”, o novo foco quinquenal da igreja. Mas também tivemos muitas mudanças locais. Adotando o tema “Uma Voz de Esperança” para identificar nosso compromisso de continuar sendo uma voz bíblica, profética e positiva para a sociedade, temos três prioridades especiais: visitação, destacando o atendimento aos membros; adoração, fortalecendo a qualidade da mensagem; e mobilização, desenvolvendo projetos missionários e solidários por meio de pequenos grupos e unidades da Escola Sabatina.

Sua mensagem final para os leitores…

Tenho um verso bíblico preferido que serve de grande apoio para a vida pessoal, familiar, profissional e espiritual neste tempo de incertezas: “Buscai, pois, em primeiro lugar, o Seu reino e a Sua justiça, e todas estas coisas vos serão acrescentadas” (Mt 6:33). Precisamos aprofundar nosso relacionamento diário com o Senhor. Só Ele nos dará forças para enfrentar tantas turbulências, equilíbrio para não cairmos em extremos, fidelidade para não sermos seduzidos pelo inimigo, poder para cumprir a missão e esperança renovada na volta de Jesus.

(Entrevista publicada originalmente na edição de agosto de 2020 da Revista Adventista)