Influência adventista

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A contribuição daqueles que ajudaram a moldar a igreja e seu tempo

Elder Hosokawa

No relato bíblico, encontramos narrativas sobre visionários, homens e mulheres dotados de espírito empreendedor e propagadores de novas ideias, como Noé, Abraão, Josué, Calebe, Rute, João Batista e Paulo, entre outros. No Antigo Testamento, vemos essa atuação na conquista de Canaã. Nos tempos apostólicos, encontramos inspiração em Paulo, que foi um dos primeiros a difundir o cristianismo além das fronteiras judaicas, levando a mensagem de Jesus aos gentios. A galeria da fé em Hebreus 11 destaca a visão dos empreendedores espirituais repletos de “convicção de fatos que não se veem” (Hb 11:1). O mesmo verso pode ser aplicado aos primórdios do adventismo nos Estados Unidos, no Brasil e em várias regiões do mundo.

A história do adventismo, embora frequentemente recontada e bem divulgada, às vezes omite informações acerca de seu pioneirismo em áreas que muitos nem imaginam. Retornar ao passado, explorando a vida de pessoas e as circunstâncias nas quais o adventismo foi moldado, permite-nos compreender a força da Igreja Adventista e o seu papel relevante na sociedade contemporânea, ao seguir os passos de Jesus na pregação, cura e no ensino.

Neste artigo, vamos conhecer algumas dessas figuras que desempenharam papel crucial na formação da igreja e na influência que exerceram sobre a sociedade.

ARAUTOS DA LONGEVIDADE

A tríade adventista de pioneiros mais lembrada é composta por José Bates, Tiago White e Ellen G. White. Em comum, os três viveram a era das reformas sociais nos Estados Unidos em meados do século 19 e deixaram um legado espiritual e material que perdura até o século 21.

José Bates foi um reformador e promotor do adventismo sabatista. Antes de sua adesão ao milerismo, em 1839, viajou pela costa do Brasil. Curiosamente, converteu-se em Santa Catarina dois anos após a independência do Brasil, depois de ler um exemplar do Novo Testamento colocado pela noiva, Prudence, em seu baú de viagem. Navegou quatro vezes pela costa da América do Sul entre 1821 e 1828. Preocupado com questões de saúde e bem-­estar social, Bates abandonou o hábito de mascar fumo em 1823; deixou as bebidas alcoólicas em 1824; o café em 1831; e em 1843 aderiu ao vegetarianismo. Além disso, era um crítico da escravidão. Em 1845, começou a observar o sábado. Faleceu aos 79 anos, quando a expectativa de vida nos Estados Unidos não chegava a 40 anos.

Já Ellen White foi uma figura feminina de destaque no desenvolvimento inicial do adventismo, recebendo do Senhor o dom profético e influenciando a jovem denominação em vários aspectos. Seu esposo, Tiago, foi um destacado escritor, pregador e administrador. Ellen acompanhou José Bates e outros reformadores, sendo defensora dos princípios de saúde e temperança. Em 1848, ela alertou sobre os efeitos maléficos do fumo, combateu o alcoolismo e desencorajou o consumo de chá preto e café. Em uma visão recebida em 1863, defendeu a mensagem de saúde e estabeleceu prioridades institucionais que colocaram os adventistas do sétimo dia na vanguarda do estilo de vida saudável.

Quanto a isso, um dos registros mais impactantes na mídia internacional e nas publicações médico­científicas tem sido o destaque à longevidade dos adventistas vegetarianos de Loma Linda, nos Estados Unidos. Desde a década de 1940, estudos sobre nutrição na perspectiva da saúde pública foram conduzidos pelo médico adventista John Scharffenberger que, aos cem anos, é uma prova viva do que tem pregado. Outro pesquisador, Gary Fraser, foi além da constatação da vantagem adventista de cerca de seis anos a mais de vida, registrando a correlação entre nutrição, qualidade de vida e menor risco de câncer.

Em 2008, o jornalista norte­- americano Dan Buettner lançou o livro Blue Zones, que aborda os hábitos saudáveis promotores da longevidade praticados em diversas partes do mundo, incluindo o exemplo dos adventistas californianos que adotaram uma vida cristã equilibrada. Além dessa obra, o autor lançou mais sete best-sellers a respeito do tema, que inspiraram a série da Netflix intitulada Live to 100: Secrets of the Blue Zones, lançada no ano passado.

Os adventistas também lideraram iniciativas mundiais antitabagistas por meio do curso “Como Deixar de Fumar em Cinco Dias”, criado em 1960 pelos médicos J. Wayne McFarland e J. Elman Folkenberg, nos Estados Unidos. No Brasil, o projeto foi realizado pela primeira vez em 1962. Entretanto, ações públicas de promoção da saúde já eram promovidas pela igreja em nosso território. Por exemplo, no programa de rádio A Voz da Profecia, inaugurado em 1943, Roberto Rabello apresentava palestras sobre o tema, e no programa televisivo Fé Para Hoje, iniciado em 1962, Alcides Campolongo mostrava dramatizações alusivas ao assunto. Em seu ministério, o pastor Campolongo contava com o apoio dos médicos adventistas Ajax da Silveira e Tércio Tosta que, em seu período como vereador, apresentou os primeiros projetos de lei antitabagismo da cidade de São Paulo.

RETORNAR AO PASSADO, EXPLORANDO A VIDA DE PESSOAS E AS CIRCUNSTÂNCIAS NAS QUAIS O ADVENTISMO FOI MOLDADO, PERMITE-NOS COMPREENDER A FORÇA DA IGREJA ADVENTISTA E O SEU PAPEL RELEVANTE NA SOCIEDADE CONTEMPORÂNEA

Além da vanguarda nas ações de saúde, esses programas religiosos, juntamente com os cursos bíblicos radiopostais e telepostais desenvolvidos pela Igreja Adventista, são considerados iniciativas pioneiras no uso das telecomunicações para o evangelismo e na educação a distância no país.

SAÚDE COM SABOR

Os irmãos adventistas John e William Kellogg são mundialmente conhecidos na área da saúde e alimentação. Em 1876, John Kellogg se tornou diretor do Sanatório de Battle Creek e, além de desenvolver técnicas cirúrgicas e aperfeiçoar a mesa de cirurgia, criou aparelhos para tratamento fisioterápico, inventou dispositivos para academias e formulou 75 novos produtos alimentícios, incluindo flocos de milho, pasta de amendoim, granola, leite de soja, carne vegetal e bebidas com grãos tostados para substituir o café. Em 1906, Will fundou a Companhia Kellogg.

Nesse contexto, os adventistas implementaram pequenas fábricas em colégios que deram origem a indústrias pioneiras de produtos alimentícios saudáveis em diferentes países. Na Austrália, isso resultou na Sanitarium; na Argentina, na Granix; e no Brasil, na Superbom, que teve origem como um departamento industrial do Seminário Adventista em 1925, graças aos esforços dos irmãos Adolfo e Ernesto Bergold.

Aliás, o nome de nossa indústria alimentícia teve inspiração em uma circunstância curiosa. Certa ocasião, Getúlio Vargas foi presenteado com produtos do Colégio Adventista Brasileiro (CAB) ao ser visitado por lideranças denominacionais. Quando foi questionado por Domingos Peixoto da Silva, diretor da instituição, sobre o que achava do suco de uva produzido na escola, Vargas afirmou: “Não é bom! É superbom!” A resposta espontânea teria dado origem ao nome da Superbom, em 1942. Em 7 de novembro de 1943, a empresa foi premiada na 4ª Feira Nacional de Indústrias com a medalha de ouro para o suco de uva e o mel. Em 1944, a fábrica foi construída nas instalações do CAB. A Superbom emergiu como a principal promotora do mel como produto alimentício na década de 1950, alcançando, nos anos 1980, a liderança na distribuição de mel no Brasil. Em reconhecimento à qualidade de seu produto, a empresa conquistou a medalha de prata na Feira Mundial de Bruxelas, na Bélgica, em 1958.

Aliás, a ligação dos adventistas brasileiros com o mel remonta ao fim do século 19. Emil Schenk veio da Alemanha para divulgar a apicultura no Brasil e conheceu o pastor Huldreich F. Graf, que o evangelizou em 1896. Schenk tornou-se o primeiro diretor da Escola Missionária Adventista de Taquari (RS). Entre 1910 e 1915, ele foi contratado pelo Ministério da Agricultura para atuar no treinamento e na difusão da apicultura no Brasil. Com entusiasmo, promoveu a criação de abelhas na região Sudeste e Sul e criou uma oferta para um baixo consumo, que a Superbom capitaneou, liderando a distribuição de mel no país. Combinando mel e produtos integrais, vários adventistas fundaram empresas importantes para o segmento. Essas iniciativas nutriram, embelezaram e adoçaram um nicho econômico saudável, que se encontra em expansão atualmente.

FORÇA NO CAMPO

A história da pecuária leiteira no Brasil também possui significativo envolvimento dos adventistas em seus primórdios. Para atender ao consumo de leite dos cerca de 200 estudantes do Seminário Adventista, em 1923, a instituição iniciou um departamento agropecuário que importou um touro da raça holandesa da fazenda Carnation, nos Estados Unidos. A iniciativa dos irmãos Bergold conferiu visibilidade e resultou em ganhos de produtividade, além de premiações nas exposições de gado na capital paulista. A fazenda modelo adventista tornou­se um centro de atração para a elite da pecuária no estado.

A tradição do departamento agropecuário do colégio resultou em profissionais que se destacaram na pecuária em outras localidades. Joaquim Leme, por exemplo, trabalhou no antigo IAE; Paulo Oliveira, doutor em Ciência Animal e Pastagens pela Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq), foi o fundador do curso de Medicina Veterinária do Unasp, campus Engenheiro Coelho; Cezenil Silva atuou no IAE; seu filho, Aliomar G. Silva, doutor pela Universidade do Estado do Michigan, dedicou-se à pesquisa em nutrição de bovinos leiteiros e ocupou o cargo de diretor na Embrapa Pecuária Sudeste; Ary Cândido, que trabalhou no Instituto Adventista Paranaense, atuou nos primeiros anos da introdução da raça holandesa no noroeste do Paraná, implementou a produção de leite tipo A no país e foi um dos fundadores da Sociedade Rural de Maringá.

O historiador João Castanho Dias, pesquisador e autor do livro Leite na Pauliceia (Calandra Editorial, 2004), informou que Fidelis Alves Neto, da Faculdade de Medicina Veterinária da USP, iniciou o controle leiteiro no Brasil em 1945, utilizando a vaca Fortaleza, do CAB, registrando quase 20 litros de leite. Aos poucos, a imprensa paulista e nacional passou a dar visibilidade ao ensino agroindustrial do Colégio Adventista, que se tornou referência na cidade de São Paulo. 

EXCELÊNCIA EDITORIAL

A página impressa foi a primeira tecnologia que os pioneiros vislumbraram usar para pregar a mensagem do advento em várias línguas. A editora Review and Herald foi destaque nessa iniciativa e, na segunda metade do século 19, tornou-se líder na comercialização e exportação de impressos no estado norte-americano do Michigan.

Por sua vez, a Adventist Review é um dos dez mais longevos periódicos religiosos do mundo e está entre os cinco mais antigos dos Estados Unidos. No Brasil, a Revista Adventista, lançada em 1906 com o nome de Revista Trimensal, também está entre os cinco periódicos religiosos mais antigos e não sofreu descontinuidade como a maioria dos demais.

Por ocasião da Proclamação da República, em 1889, aproximadamente 80% da população brasileira era analfabeta. Foi imenso o desafio enfrentado pelos colportores ao iniciar, em 1893, a disseminação da literatura adventista no país. No começo, eles trabalhavam com materiais em língua alemã e inglesa.

Em 1895, a Sociedade Internacional de Tratados, ligada à editora Review and Herald, começou a imprimir livros em português em Battle Creek, sendo Passos a Christo, de Ellen White, o primeiro a ser produzido. A cartilha Gospel Primer (1893), elaborada por Edson White, representou uma brilhante iniciativa pioneira de alfabetização de afro­-americanos nos Estados Unidos. Esse foi um dos primeiros livros de colportagem no Brasil e obteve ampla aceitação entre os imigrantes devido às ilustrações e frases curtas, escritas em letra cursiva e de imprensa, contemplando todas as letras do alfabeto em uma progressão contínua de textos bíblicos e doutrinas adventistas. A obra vendeu um milhão de exemplares nos Estados Unidos e foi traduzida para o português em 1896, sob o título Cartilha Evangélica.

Quatro anos depois, a obra editorial teve início no Brasil, no Rio de Janeiro. Depois de um breve período em Taquari (RS), a Casa Publicadora Brasileira foi transferida para Santo André, em 1907. É importante frisar que a CPB foi uma das empresas pioneiras na industrialização da região do ABCD paulista.

ENQUANTO CUMPREM A MISSÃO DESDE A SEGUNDA METADE DO SÉCULO 19, OS ADVENTISTAS DEIXAM UM RASTRO DE LUZ ONDE PASSAM

A editora foi reconhecida em duas feiras industriais comemorativas. A primeira, em 1932, na Grande Exposição de São Paulo, que celebrava o 4º Centenário de São Vicente. Nessa ocasião, nove livros foram finalistas, com destaque para as obras Guia Prático da Saúde e Vida de Jesus. A segunda, na Exposição do Centenário da Revolução Farroupilha, realizada em Porto Alegre, em 1935, na qual sete livros foram premiados, entre eles O Grande Conflito e Vida de Jesus.

Em 1985, a editora foi transferida para Tatuí, no interior de São Paulo, sinalizando também a desindustrialização da região na qual permaneceu por quase oito décadas. A explosão das metrópoles na segunda metade do século 20 renovou os sábios conselhos de Ellen White, incentivando a busca por áreas mais distantes dos grandes centros para o estabelecimento das instituições adventistas.

FÉ E INICIATIVA

Poderíamos parafrasear Hebreus 11:32 citando outras personalidades adventistas: “E que mais direi? Certamente me faltará o tempo necessário para falar de…”

• Harry S. Miller, conhecido como “Doutor China”, fundador de mais de uma dezena de hospitais e clínicas adventistas na Ásia. Ele é reconhecido como o inventor da produção e comercialização em larga escala do leite de soja Soyalac e de produtos proteicos à base de soja em todo o mundo, especialmente nos Estados Unidos e no Leste Asiático. Miller, que atuou como consultor da Organização Mundial da Saúde e da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura, recebeu de Chiang Kai-shek, presidente da República da China, a mais alta honraria de sua nação, a medalha Estrela Azul, em reconhecimento aos serviços prestados na China e em Taiwan.

• Emma White, Edson White e Will Palmer, que idealizaram o projeto do barco Morning Star, em 1894, inspirando Hans Mayr, André Gedrath e Leo Halliwell a começar o trabalho com as lanchas médico-missionárias na Amazônia. Esse ministério começou com a Luzeiro e se espalhou em várias regiões do país, com as lanchas Luminar, Pioneira e Samaritana, entre outras.

• Martha D. Byington, que, em 1854, iniciou a primeira escola domiciliar adventista em Bucks Bridge, Nova York (EUA), apontando o caminho para o casal Tiago e Ellen White fundar a primeira escola primária (1872) e o primeiro colégio (1874) adventista em Battle Creek. Atualmente, a rede educacional adventista é uma das maiores redes confessionais cristãs do mundo.

• Horatio Lay e Phebe Lamson que, em 1867, lideraram o Instituto Ocidental de Reforma de Saúde, embrião da obra médica adventista. No Brasil, esse ministério teve início em 1902, com Abel L. Gregory, em Taquari (RS). As iniciativas se espalharam com personalidades como Chester Schneider, John Lipke, Edgar Rodrigues e Günter Hans. As instituições médicas adventistas no país foram pioneiras no tratamento do pênfigo foliáceo, ou fogo selvagem, em Campo Grande (MS), e no primeiro transplante mundial de pâncreas, realizado por Edison D. Teixeira em 1968, no Hospital Adventista Silvestre. Além disso, o primeiro transplante cardíaco na região Norte do Brasil ocorreu em 1999, no Hospital Adventista de Belém (PA). Vale destacar também que foi um médico adventista, Benjamin Carson, quem realizou a primeira bem-sucedida separação de gêmeas siamesas da história, em 1987, nos Estados Unidos.

• Everett Dick, que estabeleceu o treinamento de socorristas padioleiros como uma alternativa para jovens convocados para o serviço militar e influenciou Desmond Doss, que salvou 75 soldados em Okinawa, no Japão, em 1945. Doss recebeu das mãos do presidente Harry Truman a medalha do Congresso norte-americano por coragem e heroísmo. No Brasil, Everett Dick inspirou Domingos Peixoto da Silva a elaborar o decreto de criação do curso de Enfermeiros Socorristas, com aval do Ministro
da Guerra, general Góes Monteiro, e assinatura de Getúlio Vargas, em 1950. Essa iniciativa visava proporcionar uma atividade alternativa para objetores de consciência.

Certamente, a existência dessas e de outras personalidades reflete a riqueza da contribuição da Igreja Adventista do Sétimo Dia e de seus membros em favor da sociedade. Assim, enquanto cumprem a missão desde a segunda metade do século 19, eles deixam um rastro de luz onde passam.

Ao compreender a relevância da contribuição adventista, a confiança e a fé renovam-se com a convicção na direção de um Deus Criador que inspirou os primeiros começos e nos impele a prosseguir, utilizando todas as áreas do conhecimento para o cumprimento da missão final. 

ELDER HOSOKAWA é historiador, coordenador de curso universitário e professor do Unasp, campus Engenheiro Coelho

(Matéria de capa da Revista Adventista de março/2024)

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Última atualização em 14 de março de 2024 por Márcio Tonetti.