Vida impecável

3 minutos de leitura
É possível o cristão viver sem pecar?

Para responder a essa pergunta, é necessário saber que existem dois tipos de pecados: intencional e involuntário. O pecado intencional é deliberado, resultado da escolha consciente de contrariar a vontade de Deus e seguir os ditames da própria inclinação pecaminosa. Trata-se do pecado da rebelião, muito bem descrito no hebraico como o pecado “da mão levantada” (Nm 15:30). A ideia talvez seja a do braço levantado e pulso cerrado em atitude de total desafio e afronta a Deus. Em português, a tradução ficou assim: “A pessoa que fizer alguma coisa atrevidamente”.

Já o pecado involuntário, ou acidental, é aquele que resulta da fraqueza da nossa natureza pecaminosa, e não de uma vontade deliberada de se opor a Deus. Aqui entra a questão mais fundamental quanto ao pecado: todos nós temos uma natureza pecaminosa, descrita por Paulo como a habitação interior do pecado (Rm 7:14, 17, 18, 20, 21), ou como a “lei do pecado” que existe em nós (Rm 7:23, 25; 8:2). Essa natureza é inteiramente oposta a Deus (Rm 8:7; Gl 5:17). Hereditária (Rm 5:12, 19; Ef 2:3), é como se, no momento em que Adão pecou, sua corrente sanguínea se tornasse envenenada, e nós sofremos desse envenenamento de sangue desde o momento em que nascemos.

LEIA TAMBÉM: As faces do perfeccionismo

Outra característica da natureza pecaminosa é sua universalidade. Nenhum dos descendentes de Adão, excetuando-se Cristo (Rm 8:3; 1 Co 15:45-49), está isento dela, o que explica o fato de que todos, novamente à exceção de Cristo (Jo 8:46; Hb 4:15; 1Pe 2:22), “pecaram e carecem da glória de Deus” (Rm 3:23; cf. v. 10-12).

Essa natureza tem um caráter definitivo nesta vida. Paulo é claro ao afirmar que é somente por ocasião da segunda vinda de Cristo que os justos serão transformados, que a natureza pecaminosa será erradicada e o corpo finalmente redimido do cativeiro da corrupção (Rm 8:19-23; 1Co 15:20-23, 50-58).

Por ser tão contrária à vontade de Deus, a natureza pecaminosa impede perfeita obediência à lei divina. Talvez a passagem bíblica mais clara a esse respeito seja Romanos 7:14-25. Lendo-a com atenção, percebemos por que Paulo – ou o cristão convertido – é incapaz de satisfazer plenamente a justiça da lei. O tipo de pecado ali descrito não é o pecado intencional, mas o pecado que não queremos cometer e que acabamos cometendo por causa do pecado que habita em nós.

Outros textos bíblicos que falam do pecado involuntário são 1 João 5:17, 18 e 3:9. Sobre pecados intencionais, veja também Hebreus 10:26, 27 e 1 João 5:16, 17. Em 1 João 1:6-9, o apóstolo fala dos dois tipos de pecados, intencionais e involuntários.

Voltando à pergunta inicial, é possível viver sem pecado? A resposta é sim e não. Depende de qual pecado estamos falando. Se for do pecado intencional, a resposta é sim. Se for do pecado involuntário, a resposta é não. Pelo poder de Cristo, a pessoa pode ter sua vontade santificada ao ponto de que o pecado não mais será uma escolha, uma atitude deliberada de se opor à vontade de Deus, de se rebelar contra Ele.

Naturalmente, isso é um processo. Ninguém da noite para o dia será forte o bastante para nunca mais escolher pecar. É por isso que precisamos de arrependimento e confissão (1 Jo 1:9), bem como da intercessão de Cristo no santuário celestial (1 Jo 2:1). Porém, pela operação santificadora do Espírito Santo, podemos escolher não pecar mais, ou não permitir que nossa vontade nos leve a contrariar deliberadamente a vontade de Deus. Quando se encerrar o tempo de graça, os justos terão feito sua escolha definitiva ao lado de Deus e não vão mais mudá-la. O mesmo acontecerá com os ímpios: sua rejeição da oferta salvífica de Deus será definitiva e irrevogável (Ap 22:11).

Quanto aos pecados involuntários, que não são resultado da escolha, mas sim da natureza pecaminosa, a vitória completa só será obtida por ocasião da glorificação. Há poder em Jesus para sermos transformados, e santificação não é outra coisa senão o processo de regeneração do caráter operado pelo Espírito Santo, a transformação da natureza interior para que ela volte a refletir a imagem perfeita de Deus com a qual fomos criados (Rm 8:11). Tal transformação não se completa nesta vida, nem é inevitável. Mesmo que tenhamos nascidos de novo, ela pode ser comprometida por nossa negligência em manter comunhão com Deus e permitir que Ele continue operando em nós (Rm 6:12, 13; 8:13; 1Co 9:27; Gl 5:16).

Um dia, felizmente, o pecado será eliminado em todas as suas dimensões.

WILSON PAROSCHI, doutor em Teologia, com especialização em Novo Testamento, é professor no Unasp, campus Engenheiro Coelho (SP)

Envie sua pergunta para ra@cpb.com.br

(Texto publicado originalmente na edição de abril de 2016 da Revista Adventista)

Última atualização em 16 de outubro de 2017 por Márcio Tonetti.