Distraídos

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Como as telas estão moldando e limitando as novas gerações

Neila D. Oliveira

Imagem generativa: Renan Martin

Vivemos uma era em que a tecnologia digital está em toda parte. Ela transformou profundamente nossa forma de comunicar, trabalhar e aprender, mas também de educar e cuidar das crianças. A internet, antes privilégio de poucos, está presente em quase todos os lares, principalmente na palma da mão, por meio de celulares e outros dispositivos móveis. O mais surpreendente é que esse acesso começa cada vez mais cedo.

Segundo as pesquisas TIC Domicílios e TIC Kids On-line Brasil (2015 a 2024), o uso da internet por crianças cresceu de forma alarmante:

  • De 9% para 44% na faixa etária de até 2 anos;
  • De 26% para 71% entre 3 e 5 anos;

Ou seja, as novas gerações estão imersas no mundo digital muito antes do que imaginávamos há apenas uma década.

É inegável que a tecnologia trouxe avanços: facilitou rotinas, encurtou distâncias e ampliou possibilidades. No entanto, os alertas sobre os riscos da exposição excessiva já existiam desde os tempos da televisão e do videocassete. Atualmente, eles se tornaram ainda mais reais e preocupantes. Em 2018, por exemplo, o vício em internet foi oficialmente reconhecido como problema de saúde. Em países como a Coreia do Sul, essa dependência já é tratada como uma crise de saúde pública. Não por acaso: o uso excessivo de telas – seja na TV, no celular ou nos jogos on-line – impacta profundamente nossos hábitos, vínculos e até a percepção da realidade, nem sempre de maneira positiva.

Entre crianças e adolescentes, os efeitos podem ser ainda mais graves. Estudos mostram que o uso descontrolado da tecnologia compromete o desempenho escolar, enfraquece relações sociais e afeta diretamente a saúde emocional e espiritual. Embora a tecnologia tenha seu valor, abriu portas perigosas, especialmente para quem ainda está em formação. O cérebro de crianças e adolescentes não possui o autocontrole necessário para um uso equilibrado. Mesmo com o contato precoce, é na adolescência que os riscos se intensificam, quando os jovens ganham mais autonomia e se afastam da supervisão dos pais, professores e líderes espirituais.

Além disso, o tempo dedicado às telas muitas vezes substitui as relações presenciais, comprometendo o desenvolvimento de habilidades essenciais como empatia, escuta ativa e construção de vínculos reais. A capacidade de amar, cuidar e se conectar com profundidade, com o próximo e com Deus, nasce justamente na convivência direta, nas conversas olho no olho, nos momentos de presença e partilha. Quando esses espaços são tomados pelo virtual, a formação humana e espiritual enfraquece.

O celular não é apenas uma ferramenta de comunicação, mas uma porta aberta para um vasto universo de entretenimento, muitas vezes inadequado para crianças e adolescentes. Temos presenciado uma antecipação de temas que não pertencem à infância: músicas, desenhos, séries, filmes e redes sociais promovem conceitos deturpados, trocando a inocência natural dessa fase por ideias confusas e desorientadoras.

Um exemplo é a trama apresentada na série Adolescência, que surpreendeu muitos pais ao se identificarem com a situação retratada: o filho, aparentemente seguro dentro do quarto, vivia uma realidade completamente desconhecida pela família. Enquanto acreditavam que ele apenas navegava ou se divertia, o garoto enfrentava conflitos internos e se expunha a conteúdos e relações inadequadas, sem o acompanhamento ou a orientação dos responsáveis.

Essa situação tem sido amplamente analisada por especialistas em desenvolvimento infantojuvenil, que classificam a atual geração como “os filhos do quarto” – jovens que passam horas isolados, conectados virtualmente, mas cada vez mais distantes emocionalmente de suas famílias. Esse fenômeno levanta um alerta: o espaço que antes simbolizava segurança e privacidade agora pode se tornar um ambiente de exposição precoce, vulnerabilidade emocional e acesso irrestrito a conteúdos impróprios.

Por isso, é fundamental que pais e educadores compreendam que não basta apenas restringir ou vigiar: é preciso compreender o fenômeno, dialogar, orientar e estabelecer vínculos sólidos, para que crianças e adolescentes possam fazer escolhas conscientes e seguras nesse universo digital tão sedutor, mas também repleto de riscos.

Conectividade e saúde

Nos últimos anos, o uso excessivo das mídias sociais gerou uma preocupação tão grande que especialistas da área da saúde já propõem classificá-lo como um transtorno clínico, com critérios diagnósticos semelhantes aos do alcoolismo ou da dependência química.

O uso descontrolado da tecnologia compromete o desempenho escolar, enfraquece relações sociais e afeta diretamente a saúde emocional e espiritual

O pediatra e pesquisador Dimitri Christakis, da Universidade de Washington, defende a criação de uma escala para medir esse uso problemático, destacando a necessidade urgente de reconhecer oficialmente esse transtorno nos documentos que oferecem diretrizes aos médicos, como o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais e a Classificação Internacional de Doenças (link.cpb.com.br/032be1).

Mas como chegamos a esse ponto?

Tudo mudou rapidamente. Em 2010, o iPhone 4 popularizou a câmera frontal, permitindo a captura de autorretratos ou vídeos. No mesmo ano, nasceu o Instagram, criado para ser usado exclusivamente em smartphones. A verdadeira explosão aconteceu em 2012, quando a plataforma foi comprada pelo Facebook. Dois anos depois, o termo “selfie” já estava nos dicionários.

O que parecia uma diversão virou um novo modo de viver e se comparar. Especialmente entre adolescentes, consolidou-se a ideia de que todos precisavam ter um celular, um perfil on-line e uma versão “aperfeiçoada” de si mesmos nas redes. Vieram os filtros, os aplicativos de edição e a comparação constante com rostos e corpos perfeitos na tela. A autoestima passou a depender do número de curtidas, afetando, sobretudo, as meninas.

Enquanto isso, os meninos seguiram por outras trilhas digitais: jogos on-line, vídeos no YouTube, fóruns como o Reddit e, muitas vezes, o consumo precoce e excessivo de pornografia, tudo disponível e a um clique de distância. O resultado? A vida social migrou para o ambiente virtual.

O problema, que muitos pais só percebem quando os danos já são visíveis, é que as redes sociais foram projetadas justamente para prender a atenção, moldar comportamentos e influenciar identidades. E fazem isso com maestria.

Assim, muitos adolescentes deixam de seguir os valores ensinados em casa e passam a imitar estilos de vida completamente distantes, e até opostos, àqueles que acreditamos e buscamos transmitir como pais e educadores cristãos.

Esse processo começa cedo, mas tem um período crítico: dos 9 aos 15 anos, justamente quando muitos jovens ganham seu primeiro smartphone e começam a viver mais on-line do que off-line.

Mas quais são os impactos concretos?

Ansiedade e depressão. A comparação constante alimenta sentimentos de inadequação e baixa autoestima, levando a quadros cada vez mais frequentes de ansiedade e depressão entre jovens e adultos.

Isolamento social. Paradoxalmente, as redes aproximam quem está longe, mas afastam quem está perto. As interações virtuais vão substituindo os encontros reais, e os laços profundos se enfraquecem.

Procrastinação e falta de foco. As redes nos distraem com facilidade. Rolamos o feed, assistimos a vídeos, perdemos a noção do tempo, e o que era para ser uma tarefa rápida vira uma tarde inteira desperdiçada.

Queda no desempenho escolar e profissional. A exposição constante afeta o rendimento e prejudica hábitos importantes como a leitura, a disciplina e o pensamento crítico.

O neurocientista Jonathan Haidt, em seu livro A Geração Ansiosa (Companhia das Letras, 2024), faz um alerta que merece ser ouvido com atenção por pais, educadores e líderes cristãos: estamos diante de uma epidemia global de transtornos mentais entre os jovens. Desde o início da década de 2010, os casos de depressão, ansiedade, automutilação e até suicídio entre adolescentes aumentaram de forma expressiva. Segundo Haidt, esse colapso coincide com a popularização dos smartphones e a ascensão das mídias sociais.

As crianças estão crescendo de forma completamente nova e radical: menos interação social real, mais sedentarismo; menos foco, mais dependência digital. Como resume Haidt: “A infância antes era sinônimo de brincar na rua, de encontros com amigos. Agora, ela se tornou solitária. Cada criança vai para casa com sua própria tela”.

Os números confirmam essa mudança. Já em 2015, um relatório da Common Sense Media mostrava que adolescentes com perfis nas redes sociais passavam cerca de duas horas por dia conectados a essas plataformas. Somando o consumo de vídeos, jogos e outros conteúdos, o tempo de tela chegava a quase sete horas diárias, sem contar o tempo gasto na escola ou com a lição de casa (link.cpb.com.br/50af33). Outro estudo, do Pew Research Center, revelou que, em 2015, um em cada quatro adolescentes dizia estar on-line “quase o tempo todo”; em 2022, esse número saltou para 46% (link.cpb.com.br/865181).

Estar conectado o tempo inteiro não é apenas um dado estatístico – é um sinal de alerta. Muitos adolescentes estão fisicamente presentes, mas emocionalmente ausentes, com o olhar perdido, imersos em notificações, curtidas e comparações. A vida real vai sendo substituída por um “metaverso social”, onde a ansiedade e o medo de ficar de fora (síndrome de FOMO) se tornam companheiros constantes.

Estar conectado o tempo inteiro não é apenas um dado estatístico – é um sinal de alerta

As plataformas digitais são estrategicamente projetadas para manter os usuários conectados por longos períodos. Notificações, conteúdos personalizados e recompensas instantâneas formam um ciclo vicioso que se intensifica com o tempo.

Além disso, o uso prolongado de telas pode interferir no desenvolvimento cerebral, especialmente na infância. Já foram observadas alterações na substância branca do cérebro, responsável por habilidades como linguagem e cognição, em crianças expostas por muito tempo a dispositivos digitais. Também preocupa o impacto nas habilidades morais e sociais: o aumento do cyberbullying e da agressividade virtual revela como a empatia e o respeito se enfraquecem em ambientes onde as consequências parecem distantes ou irreais.

O sono também sofre: a luz azul emitida pelas telas altera o ritmo biológico, prejudica a produção de melatonina e compromete a qualidade do descanso. Como o sono é essencial para o equilíbrio emocional e o bom funcionamento do cérebro, o impacto desses dispositivos na saúde pode ser profundo.

Outro fator preocupante é o desequilíbrio neuroquímico causado pelo uso constante das telas. O estímulo frequente à dopamina, o “hormônio do prazer”, combinado ao aumento do cortisol, associado ao estresse, cria um ciclo de compulsão e vício. Isso é especialmente perigoso em cérebros adolescentes, ainda em formação.

Por fim, a espiritualidade também é impactada. O tempo consumido por dispositivos digitais frequentemente ocupa o espaço da oração, da leitura bíblica, da comunhão e até das refeições em família. A vida interior vai sendo silenciada pelo barulho incessante do mundo on-line – e, com isso, valores como fé, gratidão e propósito correm o risco de se enfraquecer.

Educação com propósito

A infância é um tempo precioso e passageiro. Deus confiou aos pais e responsáveis o privilégio e a responsabilidade de formar corações, orientar mentes e preparar a próxima geração para viver com sabedoria e propósito.

Não fomos chamados apenas para proteger nossos filhos dos perigos do mundo digital, mas para conduzi-los a Cristo e ajudá­los a discernir Sua vontade para a vida deles.

Em um mundo barulhento e cheio de distrações, cabe a nós cultivarmos espaços de silêncio, escuta e comunhão, onde nossos filhos possam ouvir a voz de Deus e crescer emocional, moral e espiritualmente.

O clássico texto de Provérbios 22:6 continua atual: “Ensina a criança no caminho em que deve andar, e ainda quando for velho não se desviará dele.” Esse ensino começa no lar. Começa com presença. Com limites saudáveis. Com amor firme. Com o exemplo vivo de pais que não apenas falam sobre Deus, mas andam com Ele.

Como pais, precisamos vigiar. A distração pode parecer inofensiva, mas ela nos afasta do propósito. Enquanto o mundo disputa o coração de nossos filhos, não podemos nos calar nem nos acomodar.

O tempo de agir é agora. Vamos devolver a infância às crianças. Vamos devolver o coração dos filhos aos pais (Ml 4:6). Acima de tudo, vamos ajudar essa geração a crescer forte, livre e preparada para cumprir o chamado de Deus na vida dela. 

SAIBA +

NEILA D. OLIVEIRA é editora na CPB de livros infantojuvenis e do guia de estudos Roteiro Teen

(Matéria de capa da Revista Adventista de julho/2025)

Última atualização em 29 de julho de 2025 por Márcio Tonetti.