Fé e sofrimento

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Lições bíblicas para tempos difíceis

Eduardo Teixeira

Imagem generativa: Renan Martin

O telefone tocou. Ao atender, meu coração disparou com a notícia. Um jovem, que costumava cantar em uma das igrejas que eu pastoreava, havia falecido. Fui até a casa da família, e a cena da mãe dele, desolada na sala, chorando pela perda de seu filho mais velho, ficou gravada na minha memória.

Ela recebia cumprimentos e palavras de conforto de todos que vinham prestar condolências. Era visível a
aflição em seus olhos, como se nada pudesse aliviar a dor naquele momento. Mas, quando uma senhora chegou, tudo foi diferente. Aquela era uma irmã da mesma congregação que havia vivido a mesma dor alguns anos antes.

O abraço delas foi diferente dos demais. O ambiente na casa se silenciou, e foi então que ouvimos a senhora, após abraçar a jovem mãe, dizer: “Eu sei exatamente o que você está sentindo. Sua vida não será fácil a partir de agora, mas pode contar comigo.”

Esse momento me fez refletir sobre como as dores que enfrentamos não são apenas questões filosóficas ou abstratas, mas realidades que nos alcançam e ferem intensamente, com consequências que nos impactam de forma duradoura.

ESPERA E TESTEMUNHO

Mais de 2 mil anos se passaram desde a ressurreição de Cristo, e continuamos a esperar o retorno em glória do nosso Senhor e Salvador. Essa espera, em um mundo afetado pelo pecado, acarreta aflições a todos os seres humanos (Jo 16:33). Convivemos com sofrimentos, dores, tristezas e angústias que roubam os momentos felizes e tranquilos.

Na escola da vida, a dor, o sofrimento e a perda tendem a estar presentes em todas as etapas, servindo até mesmo como fatores que nos conduzem ao amadurecimento emocional e social. As palavras atribuídas ao poeta italiano Niccolò Tommaseo ilustram essa situação: “O homem que a dor não educou será sempre uma criança.”

Além dos poetas, a temática do sofrimento atrai a atenção de outros pensadores, como filósofos e teólogos. O filósofo alemão Arthur Schopenhauer enfatizou que, de tanto lidar com as dores do mundo, “o homem acabrunhado pela idade passeia cambaleando ou repousa a um canto, não sendo mais do que a sombra, o fantasma do seu ser passado” (As Dores do Mundo [Edipro, 2018], p. 39). Essa dura experiência de crescimento, com as aflições que desgastam as pessoas, alcança ateus e crentes, tornando o dia a dia um desafio constante.

O próprio Jesus, ferido pelas nossas transgressões e moído pelas nossas iniquidades (Is 53), é exemplo de Alguém que suportou as dores deste mundo e as expôs de maneira direta a Deus. Na crucificação, Ele bradou o Salmo 22: “Deus Meu, Deus Meu, por que Me desamparaste?” (v. 1). Nosso Salvador poderia ter escolhido qualquer outra parte das Escrituras, mas optou por essa, que expressava exatamente Seu sentimento de angústia. Ele não suavizou Sua conversa com o Pai, como poderia ter feito, citando, por exemplo, o Salmo 23, que fala do Pastor que conduz as ovelhas a pastos verdejantes.

Ao longo das histórias bíblicas, fica claro que a esperança não isenta a dor nem significa a negação das dificuldades cotidianas. De fato, à medida que os anos passam, constatamos que nossas condições pioram, a maldade se multiplica e o amor esfria (Mt 24:12). Esses dilemas acentuam as cicatrizes no coração humano.

A interpretação bíblica oferece ao cristão um caminho para manter a esperança, mesmo nas circunstâncias mais difíceis

Em tempos cada vez mais angustiantes, cabe a cada cristão continuar exercendo seu testemunho, sendo sal e luz (Mt 5), auxiliando, assim, aqueles que enfrentam perdas e adversidades. Além disso, o testemunho também impacta os outros em momentos nos quais o próprio fiel atravessa seus desertos.

Não é por acaso que, mesmo fora dos muros das igrejas, se reconhece que “a palavra [mensagem] evangélica é a única a problematizar realmente a violência humana” (René Girard, Eu Via Satanás Cair Como um Relâmpago [Paz & Terra, 2012], p. 259). De maneira significativa, a reflexão bíblica sobre a violência e o sofrimento revela algo mais profundo do que um simples problema estrutural das sociedades. Ela aponta para as consequências do pecado e da queda da humanidade (Gn 3), e essas questões devem ser interpretadas à luz da Bíblia, mesmo quando representem desafios à fé.

FOCO NAS ESCRITURAS

A interpretação bíblica oferece ao cristão um caminho para manter a esperança, mesmo nas
circunstâncias mais difíceis. Afinal, como escreveu C. S. Lewis, o sofrimento exige nossa atenção, bradando como um megafone de Deus (O Problema do Sofrimento [Vida, 2016], p. 105, 106). Somos levados ao limite e forçados a lidar com situações das quais certamente nos afastaríamos se pudéssemos escolher.

O apóstolo Paulo demonstrou que a correta perspectiva para lidar com as dores físicas e espirituais é fundamental. Em Romanos 8:18 a 25, ele tratou dos sofrimentos do presente em comparação com a glória futura. O texto apresenta o reconhecimento de que é necessário suportar as angústias (v. 22) e manter a esperança (v. 24, 25), pois os sofrimentos não são comparáveis com a glória que será revelada em nós (v. 18) nem com os direitos de adoção na família celestial e a redenção de nosso corpo (v. 23).

Por sua vez, em 2 Coríntios 1:3 a 7, o apóstolo reforçou o quão importante é manter a esperança e enfrentar as tribulações, para que o cristão desenvolva perseverança. Assim, como os sofrimentos de Cristo transbordam, o consolo por meio Dele também transbordará (v. 5). As aflições que suportamos, ao fortalecerem a perseverança, aproximam ainda mais o sofredor do Senhor, tornando-o capaz de ajudar aqueles que posteriormente passarem por tribulações semelhantes. Dessa maneira, na época de Paulo ou atualmente, a igreja pode atender ao próximo, sendo uma comunidade de consolações profundas, na qual recebemos um enorme apoio em sofrimento e onde as pessoas se veem transformadas (Timothy Keller, Caminhando com Deus em Meio à Dor e ao Sofrimento [Vida Nova, 2016], p. 212).

No Antigo Testamento, Jó é apresentado como exemplo máximo de que, mesmo perdendo bens, saúde e filhos, o ser humano pode continuar adorando a Deus com amor sincero. Não é por acaso que, após sua aflição, ele pôde testemunhar ao Universo que, por meio do consolo divino, viu Aquele que antes conhecia só de ouvir (Jó 42:5).

Elias, um dos maiores profetas de Israel, em sua dor, retirou­se para o deserto e pediu para morrer (1Rs 19). Jeremias expressou o sofrimento causado pelo pecado de um povo que rejeitou o Senhor e clamou por uma resposta após tanto tempo de abandono, pedindo o retorno da alegria e questionando se a rejeição divina seria definitiva (Lm 5:20-22).

A coletânea dos Salmos nas Escrituras também possui diversos trechos que abordam momentos dolorosos e inquietantes vividos pelos seres humanos. Enquanto algumas composições exaltam o júbilo dos filhos de Deus, outras expressam o desconforto de lidar com a dor, a tristeza e as lágrimas. Na maioria dos relatos há uma combinação de sofrimento e esperança que revela possíveis aprendizados para encontrar sentido nas adversidades, permitindo, assim, uma experiência de fé mais profunda.

CLAMOR EM POESIA

O Salmo 88 se destaca por retratar integralmente o clamor angustiado de uma pessoa que, imersa no sofrimento, não encontra respostas imediatas. Em sua narrativa, não encontramos uma reviravolta das trevas para a luz nem sequer nos deparamos com um final feliz. Escrito em um momento de profunda aflição e atribuído a Davi, esse salmo de lamento revela um clamor incessante em busca da confirmação de que Deus, ao menos, tivesse ouvido a súplica (Ellen White, Profetas e Reis [CPB, 2021], p. 199) .

Nossa espera neste mundo, marcado por lutas e sofrimento, é sustentada por uma sólida esperança

O salmo começa com um lampejo de esperança: “Ó Senhor, Deus da minha salvação” (v. 1). Apesar do desespero, a confiança no Salvador é professada. Nos versos seguintes, vemos um filho de Deus clamando (v. 2), farto de males e à beira da morte (v. 3), contado entre os que descem à cova (v. 4) e desamparado pelas mãos do Senhor (v. 5). Alguém que se encontra na escuridão (v. 6) devido à ira divina sobre si (v. 7), sendo considerado uma abominação até mesmo pelos seus conhecidos (v. 8), desfalecendo de aflição, mas ainda clamando pela intervenção divina (v. 9).

Nos versículos 10 a 12, o salmista intensifica sua argumentação, sugerindo que, se ele morresse, o Senhor perderia uma testemunha. Afinal, os mortos nada podem fazer, e tanto o louvor quanto o testemunho são expressos exclusivamente entre os vivos. Esse argumento é tanto sincero quanto corajoso. Sincero porque, de fato, os mortos não sabem de nada, sendo entregues ao esquecimento enquanto dormem (Ec 9:5; 1Ts 4:13); e corajoso, pois, ao clamar ao Senhor, o salmista se coloca como alguém que pode fazer a diferença na pregação do evangelho. Ele pede alívio para sua situação, desejando continuar a servir como estandarte do reino de Deus.

Na parte final do salmo, nos versículos 13 a 18, o autor continua demonstrando seu pesar, mantendo seu clamor (v. 13) e questionando a razão de ser rejeitado, sem conseguir um encontro face a face com o Eterno (v. 14). Segue desorientado (v. 15), sentindo a ira divina passar sobre si (v. 16), submerso por ela como águas prestes a afogá-lo (v. 17). Por fim, o último verso repete de maneira contundente a sensação de abandono, não apenas por Deus, mas também por aqueles a quem o salmista poderia recorrer em busca de ajuda e simpatia durante o sofrimento. O poema termina em escuridão (v. 18), um clímax sombrio para um texto profundamente melancólico.

O desfecho em escuridão parece refletir alguns acontecimentos de nossa jornada, como a notícia de uma doença terminal, o falecimento de entes queridos e tantas outras mazelas que pesam sobre os ombros de diferentes famílias ao redor do mundo.

Embora o Salmo 30:5 ofereça conforto em tempos difíceis ao dizer que “o choro pode durar uma noite, mas a alegria vem pela manhã”, o Salmo 88 se apresenta de maneira oposta, mostrando que há situações que, mesmo com orações contínuas ao amanhecer, podem não encontrar a resposta desejada (Sl 88:13, 14).

APRENDIZADOS

Nesse contexto, três lições podem ser aprendidas com o Salmo 88 quando nos deparamos com tristezas, angústias e perdas. A primeira delas é procurar insistentemente o Senhor com fé. Davi não se afastou de Deus; ele O reconheceu como Salvador (v. 1), fiel (v. 11) e justo (v. 12), e que pode operar prodígios (v. 10) e maravilhas (v. 12). Sua dor não abalou a confiança na soberania divina.

A sinceridade é outro ensinamento valioso desse salmo. O autor não escondeu sua dor e clamou de maneira respeitosa, verso após verso. O Senhor conhece nossas lutas e nossos segredos, e não espera uma conversa fria; Ele deseja que a oração seja, de fato, a respiração da alma (Ellen White, Mensagens aos Jovens [CPB, 2021], p. 188). Ao expressarmos nossas aflições com sinceridade, permitimos que nossa relação com o Eterno se fortaleça, pois Ele nos encontra em nossa vulnerabilidade e nos acolhe com Seu amor infinito.

O terceiro e talvez o mais difícil aprendizado que podemos extrair do Salmo 88 é o de aguardar. É interessante perceber que o poema nos apresenta uma espera com clamor contínuo, não um convite
à inatividade.

Devemos esperar pela resposta do Senhor, conversando sinceramente com Ele, expondo nossos medos, nossas preocupações e lágrimas. Contudo, essa espera é sustentada por uma sólida esperança, que encontra alento nas promessas de Apocalipse 21. Sabemos que Deus “enxugará dos olhos toda lágrima. E já não existirá mais morte, já não haverá luto, nem pranto, nem dor, porque as primeiras coisas passaram” (Ap 21:4). No entanto, enquanto as “primeiras coisas” ainda fazem parte de nossa vida, não podemos nos esquecer de que “o sofrimento é causado por Satanás, mas o Senhor predomina sobre ele para fins misericordiosos” (Ellen White, O Desejado de Todas as Nações [CPB, 2021], p. 378).

Em meio a essa realidade, contamos com a presença e a intervenção de Deus, tanto nos momentos felizes quanto nas situações desesperadoras. Não estamos sozinhos; temos a companhia do Espírito Santo, o Consolador (Jo 14:26). Ele nos auxilia a manter a esperança, reordenar sentimentos e enfrentar toda e qualquer escuridão. 

EDUARDO TEIXEIRA é editor associado da Revista Adventista

(Artigo publicado na Revista Adventista de abril/2025)

Última atualização em 22 de abril de 2025 por Márcio Tonetti.