Verdade inegociável

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A centralidade de Cristo diante das reivindicações da cultura contemporânea

Wilson Paroschi

Ilustração: Jairo Ostemberg

William Temple, arcebispo da Igreja da Inglaterra, afirmou certa vez: “O evangelho é verdadeiro em qualquer época e em qualquer lugar, ou ele não é um evangelho, muito menos verdadeiro” (Towards the Conversion of England [Press and Publications Board of the Church Assembly, 1946], p. 17). Sua declaração levanta uma pergunta crucial para nossa reflexão: O evangelho de Jesus Cristo ainda se aplica aos dias atuais e a todas as pessoas? Em seus dias, Temple concluiu que a igreja estava se tornando cada vez mais confusa e insegura em sua proclamação da mensagem de Cristo.

Em uma perspectiva semelhante, um monge budista, ao analisar a igreja cristã, disse que, para as religiões orientais, o cristianismo teria alcançado a fase de adolescência, na qual o filho sente vergonha do pai e se constrange em falar dele (citado por Douglas Webster em Yes to Mission [SCM, 1966], p. 7).

É difícil negar a veracidade dessas afirmações. Cristãos contemporâneos, especialmente os mais jovens, têm demonstrado uma crescente insegurança em relação à fé, sendo muitas vezes incapazes de afirmar abertamente que creem em Jesus como o Senhor de sua vida. Esse fenômeno pode ser explicado, em parte, pela falta de conhecimento pessoal do evangelho, mas também pela ausência de convicção quanto àquilo que o evangelho ensina.

Tempos difíceis

A verdade do evangelho é desafiada numa época em que se rejeita a própria noção de verdade. O pós-modernismo, corrente filosófica que vem dominando o pensamento ocidental há cerca de 60 anos, propõe que a realidade é uma construção mental e que, portanto, não há uma verdade objetiva ou universal. Como resultado, a noção de verdade passa a ser fluida, subjetiva e pessoal.

Nesse contexto, determinados assuntos, como aborto, eutanásia e sexualidade, entre outros, são discutidos sem um critério objetivo, com base nas perspectivas individuais, levando à ideia de que não há certo ou errado, apenas diferentes pontos de vista. Assim, aqueles que, por exemplo, opõem-se ao aborto ou ao casamento entre pessoas do mesmo sexo, passam a ser rotulados como intolerantes e preconceituosos. Para a cultura pós-moderna, portanto, nada deve ser imposto, e tudo é legítimo e aceitável, o que contribui para o caos existencial, social e moral do mundo contemporâneo.

Além disso, o pós-modernismo também representa um ataque direto aos próprios fundamentos da fé cristã. Se não há verdade absoluta, então as Escrituras, o evangelho e até mesmo Jesus Cristo, a personificação da verdade, deixam de ser reconhecidos como tal. O relativismo afirma que todas as religiões são igualmente válidas e que não há um caminho superior para Deus, o que tem feito com que alguns advoguem harmonizar e combinar diferentes religiões, numa espécie de religião universal.

O problema é ainda mais grave quando essas ideias começam a afetar a própria igreja. Uma pesquisa realizada em 2022 entre evangélicos norte-americanos revelou dados alarmantes, como o fato de 56% dos entrevistados acreditarem que Deus aceita a adoração de todas as religiões e 43% considerarem que Jesus era um grande mestre moral, mas não era Deus (thestateoftheology.com). Infelizmente, esse tipo de pensamento também está se espalhando pelo Brasil, mostrando que a confusão e a diluição da mensagem cristã são uma realidade global.

Exemplo apostólico

Ilustração: Jairo Ostemberg

O que se pode constatar por meio de pesquisas ou simples observação é que muitos cristãos estão cada vez mais distantes da Bíblia. Eles não leem nem estudam as Escrituras de maneira aprofundada, o que faz com que suas crenças sejam moldadas pela pressão da cultura contemporânea. Esse fenômeno é particularmente preocupante quando pessoas dentro da própria igreja começam a formar uma espécie de fé paralela, dominada por ideologias humanistas e preocupações com questões sociais e políticas, em vez de se fundamentar nos princípios do evangelho.

Nesse cenário, Jesus deixa de ser o centro da fé, e Sua morte e ressurreição são relegadas a um segundo plano. A ênfase passa a ser dada a questões como engajamento político, ecologia, racismo e desigualdade, que, embora importantes, não podem substituir a centralidade de Cristo na fé cristã. Esse processo leva a um cristianismo diluído, sem a clareza e a exclusividade proclamadas por Jesus e pelos apóstolos.

A igreja apostólica, no entanto, tinha uma compreensão clara e inabalável da verdade do evangelho. Em Atos 4, Pedro e João enfrentaram a oposição e as ameaças dos líderes religiosos judaicos com coragem e determinação. O motivo dessa intrepidez não era outro senão a ressurreição de Cristo, o evento mais significativo da história, que transformou a vida dos apóstolos e os capacitou a proclamar as boas-novas com firmeza, independentemente das ameaças.

Durante o ministério de Jesus, Ele nunca deixou margem para dúvidas sobre Sua divindade e Sua missão. Ele declarou, por exemplo: “Eu sou o pão da vida” (Jo 6:35); “Eu sou a luz do mundo” (8:12); “Eu sou o caminho, a verdade e a vida” (14:6). Essas afirmações não são ambíguas, mas atestam de modo claro e inequívoco a identidade e o papel de Jesus na salvação da humanidade.

Os apóstolos, que foram testemunhas diretas de Sua vida, morte e ressurreição, continuaram a proclamar com ousadia a exclusividade da salvação em Cristo. Paulo, por exemplo, escreveu a Timóteo que “há um só Deus e um só Mediador entre Deus e a humanidade, Cristo Jesus, homem” (1Tm 2:5). Pedro, por sua vez, afirmou que “não há salvação em nenhum outro, porque debaixo do céu não existe nenhum outro nome, dado entre os homens, pelo qual importa que sejamos salvos” (At 4:12). E João, o discípulo amado, declarou: “E o testemunho é este: que Deus nos deu a vida eterna, e esta vida está no Seu Filho. Quem tem o Filho tem a vida; quem não tem o Filho de Deus não tem a vida” (1Jo 5:11, 12). A mensagem da igreja apostólica era clara: há um só nome, um só mediador, uma só verdade e um só caminho para a salvação!

Em tempos de pluralismo religioso, como o que vivemos, é importante lembrar que o cristianismo não foi aceito facilmente no primeiro século. Os cristãos foram perseguidos e mortos porque insistiam que a adoração a Jesus era exclusiva, rejeitando a adoração a outros deuses e, também, ao imperador.

Por conta da singularidade das convicções cristãs, Plínio, governador da Bitínia, descreveu a igreja florescente como uma “superstição depravada e excessiva”. Em uma carta ao imperador Trajano (c. 111 d.C.), ele relatou que prendia, interrogava e executava os cristãos que se recusavam a invocar os deuses, oferecer preces com incenso e vinho à imagem do imperador e amaldiçoar o nome de Cristo. Em sua resposta, o imperador validou as ações de Plínio.

Os apóstolos, no entanto, mesmo diante da perseguição e do sofrimento, mantiveram firmes suas convicções. Conforme Paulo afirmou: “Para nós, porém, há um só Deus, o Pai, de quem são todas as coisas e para quem existimos, e um só Senhor, Jesus Cristo, por meio de quem todas as coisas existem e por meio de quem também nós existimos” (1Co 8:6).

Cristianismo sob pressão

A sociedade contemporânea está se tornando cada vez mais semelhante ao mundo greco-romano. O cristianismo enfrenta uma crescente pressão para rebaixar suas normas, relativizar seus ensinos, transigir com o espírito da época e se acomodar à cultura predominante – uma cultura que, ironicamente, deveria ser transformada pela mensagem do evangelho. Não é “politicamente correto” afirmar que a verdade do cristianismo é exclusiva; por isso, aqueles que defendem as reivindicações bíblicas são, com frequência, considerados intolerantes, radicais e fundamentalistas.

O CRISTIANISMO NÃO PODE SER NIVELADO COM OUTRAS RELIGIÕES E FILOSOFIAS HUMANAS. SUAS AFIRMAÇÕES SÃO EXCLUSIVAS E INEGOCIÁVEIS

Os que afirmam que há muitos caminhos para Deus insistem que todas as religiões e filosofias concordam nas questões centrais. Eles acreditam que as diferenças se limitam a detalhes periféricos, sem grande importância, e que, portanto, não deveriam separar as pessoas. Porém, essa visão revela um desconhecimento profundo.

Ao passo que o judaísmo, por exemplo, nega que Jesus seja o Messias, o cristianismo afirma exatamente o oposto. No hinduísmo, a ideia de que os deuses se tornam carne é comum e recorrente, enquanto o cristianismo vê a encarnação de Cristo como um evento histórico único. O islamismo acredita que a salvação depende das boas ações, enquanto o cristianismo ensina que as boas obras são ineficazes para superar a culpa e a condenação do pecado. Só Jesus pode fazer isso por nós. As diferenças entre essas religiões, portanto, não são periféricas, mas essenciais e de profundas implicações.

Uma característica comum às religiões humanas é o princípio do mérito, ou seja, as divindades devem ser satisfeitas por meio de boas obras, oferendas e até sacrifícios. O evangelho de Jesus, porém, apresenta algo radicalmente diferente. Ele ensina que a salvação é um dom gracioso de Deus, não resultado de obras humanas. O apóstolo Paulo afirmou: “Porque pela graça vocês são salvos, mediante a fé; e isto não vem de vocês, é dom de Deus; não de obras, para que ninguém se glorie” (Ef 2:8, 9). A cruz de Cristo é a expressão máxima dessa graça. Ele levou sobre Si os nossos pecados e sofreu o castigo que merecíamos, para que, pela fé Nele, tivéssemos vida!

Portanto, nada poderia ser mais distante da verdade do que afirmar que todas as religiões concordam nas questões fundamentais e que as diferenças se limitam a detalhes menores. Na realidade, o cristianismo não pode ser nivelado com as outras religiões e filosofias humanas. Suas afirmações são exclusivas e inegociáveis. Jesus é o único Filho de Deus e o único caminho para o Céu. Só Ele é um com Deus, só Ele veio de Deus e só Ele pode nos reconciliar com Deus. Ele é o caminho, a verdade e a vida. A história está repleta de exemplos de que, quando a igreja perde sua confiança em Cristo, nas Escrituras, na verdade e no poder do evangelho, ela acaba sendo absorvida pela cultura predominante, perdendo a capacidade de confrontar os desafios de sua época.

Coração do evangelho

Nesse contexto, é triste observar como a cruz, em particular, tem sido banalizada por alguns pregadores atuais. Na ânsia de acomodar a fé às pressões da cultura pós-moderna, já não se ouve mais, em alguns círculos, sermões sobre o pecado e como ele nos afeta. Por mais impopular que seja, contudo, o pecado é a triste realidade do coração humano e do mundo em que vivemos. “Todos pecaram e carecem da glória de Deus” (Rm 3:23). Quando apresentada de forma dissociada dessa realidade, a cruz perde sua essência e se torna, tão somente, uma mensagem de conforto e autoajuda. Ou seja, qualquer ênfase no amor de Deus, separada da condenação divina ao pecado, acaba se convertendo em uma mensagem que inspira, mas não produz arrependimento; que arrebata o coração, mas não transforma a vida.

O que os pregadores progressistas têm apresentado em sermões e publicações é que Jesus morreu para derrotar as forças do mal, ou como um exemplo de abnegação e autossacrifício, ou ainda para impressionar nosso coração com a grandeza do amor de Deus. Em certo sentido, há alguma verdade nessas afirmações (cf. 1Pe 3:18, 19; Fp 2:5-8; Rm 5:8). A morte de Jesus contemplou tudo isso, mas o coração do evangelho – aquilo que as Escrituras mais enfatizam – é que Cristo morreu em nosso lugar, o que chamamos de substituição penal.

Esse conceito ensina que a penalidade que nos cabe, devido às nossas transgressões (Rm 6:23), foi paga por um substituto, Jesus Cristo. O princípio remonta ao antigo sistema sacrifical, em que o pecador colocava as mãos sobre a cabeça de um animal sem mácula, num ato simbólico de transferência de culpa, e o animal era, então, morto em lugar do ofertante. Como o animal recebia a punição que pertencia ao pecador, este podia ser perdoado. Contudo, como “é impossível que o sangue de touros e de bodes remova pecados” (Hb 10:4), os antigos sacrifícios, na verdade, apenas simbolizavam o perfeito sacrifício de Cristo que, um dia, haveria de ser realizado. Jesus é o verdadeiro “Cordeiro de Deus, que tira o pecado do mundo” (Jo 1:29). Tanto o próprio Jesus quanto os apóstolos interpretaram Sua morte na cruz como um sacrifício substitutivo (Mt 26:28; Mc 10:45; 2Co 5:14, 19; Gl 3:13; 1Pe 2:24; 3:18; 1Jo 4:10; cf. Is 53:4, 5).

Não podemos errar nesse ponto. A justiça e a santidade de Deus não Lhe permitem ignorar ou minimizar o pecado, e o propósito ao enviar Seu Filho ao mundo não foi fazer com que nos sintamos bem. É verdade que a encarnação é uma expressão do insondável amor de Deus por nós; mas, enquanto não sentirmos o peso do pecado e da culpa que imperam sobre nós e não nos arrependermos com fé, o sacrifício de Cristo de nada nos aproveitará (Lc 13:3, 5). Essa mensagem pode não agradar àqueles que já perderam o senso de pecado diante de Deus. Pode não trazer popularidade ou aplauso, como não trouxe nos dias apostólicos. Pode não gerar engajamento nas mídias sociais ou impressionar por sua beleza ou ternura. Mas é a mensagem que o mundo precisa ouvir (At 2:38; 17:30) e à qual não podemos renunciar.

Cristo é o Senhor

A verdadeira essência do cristianismo não está nos ensinamentos morais de Cristo, por mais importantes que sejam, mas em quem Ele é e no que Ele fez por nossa salvação. A cruz, em toda sua ignomínia e crueldade, foi o propósito e o clímax de Sua vinda. Ela foi o instrumento pelo qual Deus reconciliou o ser humano e todo o Universo Consigo mesmo (Ef 1:10; Cl 1:20). Ninguém poderia ter realizado essa obra de salvação. Somente Jesus, o Filho de Deus, poderia redimir a humanidade. Como está escrito em João 3:16: “Porque Deus amou o mundo de tal maneira que deu o Seu Filho unigênito, para que todo o que Nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna.” Jesus é único, e por isso a nossa devoção a Ele deve ser exclusiva, autêntica e inegociável.

A história está se movendo para o dia em que todo joelho se dobrará e toda língua confessará que “Jesus Cristo é Senhor, para glória de Deus Pai” (Fp 2:11). Alguns o farão em jubilosa aclamação; outros, em trágico desespero. A decisão quanto ao lado em que nós estaremos depende de nossa atitude para com Cristo hoje. Portanto, devemos permanecer firmes na fé. A despeito da oposição e daqueles que tentam mudar o foco do evangelho, que jamais renunciemos nossa lealdade a Cristo ou percamos de vista Sua origem divina e Sua morte na cruz do Calvário. 

WILSON PAROSCHI é pastor, professor de Teologia e doutor em Novo Testamento

(Matéria de capa da Revista Adventista de abril/2025)

Última atualização em 8 de abril de 2025 por Márcio Tonetti.