Revelação divina ou impressão humana?

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O risco de buscar autoridade espiritual em experiências pessoais

Alberto R. Timm

Crédito: Adventist Review

Há alguns anos, uma mulher muito gentil e sincera visitou a sede da Associação Geral, em Silver Spring, Maryland, declarando ser uma profetisa verdadeira. Durante nossa conversa, disse-lhe que a palavra “profeta” possui diversos significados atualmente; porém, no contexto bíblico, refere-se a uma pessoa que recebe visões e sonhos sobrenaturais de Deus (Nm 12:6). Ela confirmou que esse era o seu caso. Depois, afirmei que, para um verdadeiro profeta, a mensagem tem mais relevância do que o fato de ser profeta; já para um falso profeta, o título é mais importante do que a mensagem em si. Aquela senhora também pareceu aceitar essa distinção.

Ao questioná-la sobre qual mensagem gostaria de transmitir, ela respondeu que o conteúdo estava relacionado à importância da unidade na igreja. Então, afirmei que essa era uma mensagem que já havíamos aprendido com os ensinamentos de Jesus (Jo 17:20-23) e Paulo (1Co 1:10; Ef 4:11-14). Ao notar que a mulher não iria muito além disso, mencionei que um dos assuntos que estavam dividindo a igreja era o tema da ordenação de mulheres. Ela me garantiu que havia recebido uma revelação a respeito disso, porém o Senhor não a autorizava a divulgá-­­la. “Nesse caso”, respondi, “a revelação não traz nenhum benefício para a igreja.”

Com o passar do tempo, conheci diversas pessoas que tentaram me persuadir de seu dom profético. Atualmente, porém, tem sido frequente que pregadores afirmem ter recebido uma mensagem específica do Senhor para transmitir. Esse fenômeno tem levado muitas pessoas a questionar se essas afirmações poderiam ser o cumprimento da promessa de que o Senhor derramaria Seu “Espírito sobre toda a humanidade” nos últimos dias (Jl 2:28). Assim, gostaria de ressaltar três princípios fundamentais que podem nos auxiliar na compreensão do cumprimento dessa significativa promessa.

Primazia da Bíblia

Ao lidar com qualquer revelação sobrenatural, o primeiro princípio a ser levado em conta é a primazia da Bíblia sobre todas as manifestações carismáticas. Infelizmente, muitos cristãos confiam nas experiências subjetivas sem verificar sua legitimidade com base nas Escrituras. Há quem acredite que aqueles que pretensamente recebem visões, sonhos ou qualquer tipo de impressão sobrenatural estão em um nível espiritual mais elevado do que os demais, que não as recebem.

Certamente, o Senhor pode e ainda Se revela de maneira sobrenatural na atualidade. No entanto, isso não deve ser interpretado como prova conclusiva de verdadeira espiritualidade. A Bíblia apresenta casos de pessoas ímpias que receberam revelações sem se tornarem profetas (Gn 40; 41:1-36; Dn 2:1-45; 4:1-27; etc.). Em realidade, a maior evidência de uma fé salvadora é acreditar na Palavra de Deus sem precisar de qualquer comprovação externa que a valide (Hb 11:1). Jesus disse a Tomé: “Você acreditou porque Me viu? Bem-aventurados são os que não viram e creram” (Jo 20:29).

Em seu comentário sobre Gênesis 40:16 a 19, Martinho Lutero declarou: “Afirmo com frequência que, no início da minha causa, sempre pedi ao Senhor que não me enviasse sonhos, visões ou anjos. Pois muitos espíritos fanáticos me atacaram, um deles se gabando de sonhos, outro de visões, e outro de revelações com as quais tentavam me instruir. Mas eu respondia que não buscava essas revelações e que, se alguma me fosse oferecida, eu não confiaria nela. E orava ardentemente a Deus para que me concedesse o verdadeiro significado e entendimento das Sagradas Escrituras. Pois, se tenho a Palavra, sei que estou seguindo o caminho certo e não posso me desviar ou ser facilmente enganado” (Luther’s Works [Concordia Publishing House, 1955-1976], v. 7, p. 119, 120).

Revelações proféticas

Outro princípio fundamental é a tarefa crucial de diferenciar entre a recepção de revelações sobrenaturais e o chamado para o ministério profético. É triste constatar que muitas pessoas pensam que, ao receberem um sonho profético ou outra revelação divina, tornam-se automaticamente profetas. A crença em um suposto chamado profético se intensifica quando a revelação sobrenatural revela aspectos ocultos e/ou envolve previsões que se concretizam. Contudo, é importante reconhecer que esse é um tema bastante complexo, no qual as pessoas costumam permitir que a experiência se sobreponha às Escrituras.

Uma análise cuidadosa da Bíblia demonstra que Deus concedeu revelações sobrenaturais não só a profetas verdadeiros (Nm 12:6), mas também a pessoas que não eram profetas, como Maria, mãe de Jesus (Lc 1:26-38), os sábios do Oriente (Mt 2:1-12), Balaão (Nm 22:7-25, 31-35), e até mesmo à sua jumenta (Nm 22:21-30). Os sonhos proféticos do copeiro e do padeiro do faraó (Gn 40), assim como os do próprio faraó (Gn 41:1-36) e de Nabucodonosor (Dn 2:1-45; 4:1-27), não os transformaram em profetas. Isso significa que receber revelações sobrenaturais não implica, obrigatoriamente, ser chamado para o ofício profético.

A profecia a respeito do derramamento do Espírito Santo “sobre toda a humanidade” (Jl 2:28) teve um cumprimento parcial no Pentecostes (At 2:16-21), mas terá um cumprimento muito mais amplo “antes que venha o grande e terrível Dia do Senhor” (Jl 2:31). Nessa profecia, “embora a aliança de Deus com Israel continue a ser o quadro de referência, o âmbito da mensagem profética transcende as fronteiras nacionais e étnicas para retratar um Dia do Senhor universal” (Elias Brasil de Souza, “Joel 2:28–3:21”, em Comentário Bíblico Andrews [CPB, 2024], v. 2, p. 786). Mas isso não significa que todos serão chamados para o ofício profético.

Ao preservar a “diversidade de dons”, na qual somente “alguns” são profetas (1Co 12:4-10; Ef 4:11), a promessa de Joel 2:28 a 32 enfatiza um derramamento mundial do Espírito Santo sem qualquer tipo de barreira ou discriminação étnica, de gênero ou idade. Desse modo, alguns “sonharão” e outros “terão visões” (Jl 2:28). No entanto, isso não implica que todos se tornarão profetas. Certamente, “há diversidade de dons”, e o Espírito Santo os concede “a cada um, individualmente, conforme Ele quer” (1Co 12:4, 11). Tampouco significa que todos os seres humanos serão salvos, como alguns defendem atualmente. O texto deixa claro que somente aqueles que invocarem o nome do Senhor serão salvos (Jl 2:32; cf. Is 56:1-7).

Humildade espiritual

O terceiro princípio fundamental diz respeito à exigência de que o agente humano permaneça oculto por trás da mensagem bíblica que está sendo transmitida. Apesar de a maioria desses pregadores não afirmar ter sido chamada para o ministério profético nem mencionar ter visões como os autênticos profetas, costumam apresentar essa experiência espiritual como o principal motivo para abordar determinado assunto. Não há como negar que o Senhor é capaz de impressionar a mente humana dessa forma. A questão não reside tanto no fenômeno em si, mas na maneira como ele é comumente empregado para obter autoridade espiritual. Portanto, se a mensagem foi transmitida diretamente por Deus, ela deve ser considerada quase infalível, e o pregador não pode ser questionado.

Os profetas bíblicos costumavam declarar que o Senhor havia Se manifestado a eles e até falado de maneira direta; porém, isso geralmente ocorria na presença de uma audiência hostil ou cética. Por que os não profetas agiriam da mesma forma diante de públicos receptivos? Em várias situações, esse tipo de “testemunho” pessoal contribui mais para a fama espiritual do pregador do que para a confiabilidade da mensagem. Assim como os reformadores protestantes do século 16, devemos fundamentar a autoridade de nossos pregadores atuais não em suas experiências carismáticas, mas “em sua fidelidade à Palavra de Deus” (Alister E. McGrath, Reformation Thought [Wiley-Blackwell, 2012], p. 99).

Há muitos anos, meu irmão Edgar, que era ancião de igreja, ficou convencido de que um anjo havia aparecido à noite, pedindo-lhe que pregasse sobre mordomia cristã em nossa congregação. Então, ele se colocou à disposição dos líderes da igreja e pregou sobre o assunto; contudo, sem mencionar a experiência com o anjo. Aquilo foi uma lição importante para mim. Edgar poderia ter chamado atenção do público com aquele incidente, atraindo muita atenção para si. No entanto, optou por deixar que a mensagem falasse por si mesma, evitando a impressão de estar em um patamar espiritual superior.

Infelizmente, a arrogância espiritual restringe a forma como Deus Se revela a nós. Se o Senhor nos concedesse visões ou sonhos proféticos, ou nos enviasse anjos de maneira visível, essas experiências poderiam facilmente alimentar nosso orgulho espiritual. Seríamos facilmente levados a nos ver como cristãos superiores, compartilhando “testemunhos” que exaltam mais a nós mesmos do que a Deus e Sua Palavra. Como consequência, muitas pessoas se sentiriam mais atraídas por nós do que por Deus.

Em um mundo repleto de “celebridades espirituais”, por que não nos humilharmos e permitirmos que o Espírito nos use poderosamente em Sua obra, sem nos orgulharmos de nossas experiências e vitórias espirituais? Ao reconhecermos a primazia da Bíblia sobre todas as experiências carismáticas, diferenciarmos a recepção de revelações sobrenaturais do chamado para o ofício profético e nos ocultarmos atrás da mensagem bíblica, estaremos em um terreno seguro. Dessa forma, o Espírito Santo poderá agir de maneira muito mais eficiente por nosso intermédio! 

ALBERTO R. TIMM foi diretor associado do Instituto de Pesquisa Bíblica na sede mundial da Igreja Adventista

(Artigo publicado na Revista Adventista / Adventist Review de outubro/2025)

Última atualização em 29 de outubro de 2025 por Márcio Tonetti.