A morte do conhecimento

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As pessoas querem sentir, mas não estão dispostas a pagar o preço para saber

A-morte-do-conhecimento---creditos-fotoliaNa edição do dia 23 de abril, o site do jornal O Correio da Manhã, de Lisboa, Portugal, relembrou que abril é o mês do livro. Sob o título “Editores e livreiros realçam importância do dia mundial do livro para vendas do setor”, o artigo enfatiza duas datas de destaque: o dia 2, instituído como dia mundial do livro infantil desde 1967; e o dia 23, que comemora o dia mundial do livro e dos direitos autorais desde 1996. Sendo amante dos livros e da boa leitura, tive a curiosidade de fazer uma pesquisa rápida na internet a fim de verificar como essas datas foram comemoradas no Brasil e no mundo. Para minha surpresa (ou não), elas ficaram relegadas quase a um completo esquecimento, sobretudo se comparadas com as notícias de outros acontecimentos que marcaram o mês de abril.

Coisas desse tipo deixam ecoar o superficialismo que acomete nossa geração. Como afirma Richard Foster, em seu livro A Celebração da Disciplina, “o superficialismo é o mal do nosso tempo”. Numa época em que as informações podem ser obtidas em questão de segundos, com a digitação de uma, duas ou três palavras no Google e um clique no botão enter, refletir com profundidade sobre os principais dilemas humanos é algo que vem perdendo prioridade.

O poeta Eric Donald Hirsch, em seu livro Cultural Literacy: What Every American Needs to Know [Alfabetização Cultural: o que todo americano precisa saber], observa que “boa parte dos estudantes universitários norte-americanos não tem o conhecimento básico necessário para compreender sequer a primeira página de um jornal, ou para agir responsavelmente como cidadãos”. Como frisou o escritor Philip Yancey, “num país que publica mais de 50 mil títulos por ano, é fácil perder a aura quase sagrada que no passado envolvia os livros”.

Será que isso é diferente do que acontece em outras partes do mundo, por exemplo, no Brasil? Creio que não. A propósito, o filósofo Allan Bloom, no livro O Declínio da Cultura Ocidental, argumentou que “por trás desse mal-estar educacional subjaz a convicção universal dos estudantes de que toda verdade é relativa e que, portanto, a verdade não é digna de ser buscada”.

Vivemos num momento em que presenciamos um divórcio entre conhecimento e espiritualidade. As pessoas querem sentir, mas não estão dispostas a pagar o preço para saber. A bem da verdade, isso não melhorou a qualidade de nosso cristianismo. Como acertadamente enfatizou o teólogo alemão Dietrich Bonhoeffer, nosso mundo se tornou palco de um cristianismo sem Cristo, um evangelho sem cruz e uma graça barata. Como Maria no jardim do sepulcro e os discípulos na estrada de Emaús, muitos cristãos falam com o Cristo vivo como se Ele estivesse morto. Porém, diferentemente deles, falta-lhes o mesmo anseio para estar em Sua presença: “Fica conosco”, disseram os dois peregrinos de Emaús. “Mestre!”, exclamou Maria, abraçando-o efusivamente, repleta de incontida emoção. Nas duas histórias, o evangelista destacou o papel das Escrituras como revelador da pessoa e missão de Jesus (Lc 24:25-27; Jo 20:9). O conhecimento de Cristo não está desvinculado de Sua Palavra!

A Bíblia faz uma solene advertência contra o superficialismo: “O meu povo está sendo destruído porque lhe falta conhecimento” (Os 4:6). Por mais estranho que possa parecer, a Bíblia está apresentando uma espécie de atestado de óbito cuja causa da morte é a falta de conhecimento. Quando o conhecimento “morre”, em certo sentido nós também morremos. Para usar as palavras da romancista americana Joan Didion, no livro O Ano do Pensamento Mágico, “informação é controle”. No caso da afirmação bíblica acima, o contexto indica que a passagem se refere especificamente ao conhecimento de Deus. No entanto, é justamente o conhecimento de Deus que dá sentido a todas as outras formas de conhecimento. Talvez, seja esse o pensamento do autor de Hebreus ao citar o texto que se encontra em Jeremias 31:34: “Conhece ao Senhor, porque todos me conhecerão, desde o menor até ao maior deles, diz o Senhor” (Comparar com Hebreus 8:11).

Como disse Philip Yancey, “através dos tempos e gerações, os livros [e eu acrescento, os bons livros] levam pensamentos e sentimentos, a essência do espírito humano”. Jamais percamos essa essência! [Créditos da imagem: Fotolia]

NILTON AGUIAR, mestre em Ciências da Religião, é professor de grego e Novo Testamento na Faculdade Adventista da Bahia e está cursando o doutorado em Novo Testamento na Universidade Andrews (EUA)

Última atualização em 16 de outubro de 2017 por Márcio Tonetti.