Mordomos do planeta

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Entenda o papel dos cristãos na preservação do meio ambiente

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Os uivos dos lobos eram inconfundíveis. Na noite de lua cheia, a matilha estava à espreita. Dentro de uma cabana, um grupo de pesquisadores se agrupava ansiosamente em um canto. Estranhamente, eles não estavam nem um pouco preocupados com a caçada do lado de fora. Em vez disso, sua atenção estava concentrada numa tela de computador que mostrava os resultados de anos de meticulosa pesquisa. A história contada pelos gráficos e estatísticas era tão fascinante quanto os uivos que ecoavam pela noite.

Esses pesquisadores estudavam o ecossistema do Parque Nacional de Yellowstone, nos Estados Unidos, onde os lobos foram reintroduzidos em 1995, depois de serem dizimados quase 70 anos antes. Admiravelmente, os resultados sugerem que a presença ou ausência de apenas uma espécie – o lobo – poderia afetar um ecossistema inteiro (leia mais sobre a pesquisa clicando aqui).

Pouco depois da reintrodução dos animais na reserva ambiental, os alces mudaram seu comportamento e se afastaram de suas áreas favoritas de pastagem. As florestas de álamo e a vegetação ciliar começaram a crescer novamente, já que as mudas não mais eram consumidas pelos alces. Em seguida, anfíbios, répteis, castores e pássaros começaram a retornar conforme a vegetação crescia. As raízes das árvores estabilizaram os leitos dos riachos e a erosão foi reduzida. A ação dos castores contribuiu para o aumento do lençol freático. Portanto, a presença dos lobos em Yellowstone não apenas melhorou a ecologia e a riqueza do ecossistema, como também alterou indiretamente a geografia.

Então, o que aprendemos com o caso dos lobos de Yellowstone? Existe uma complexa relação entre as plantas, animais e seu ambiente abiótico. Quando se altera apenas um componente, podemos impactar esse ambiente de maneiras imprevistas. A lição é clara: devemos refletir cuidadosamente sobre nossa maneira de cuidar da criação.

O lobo é um exemplo perfeito da relação da humanidade com a natureza. Nossa necessidade de subjugar a natureza e alterá-la ao nosso gosto é caracterizada pela expressão “um lobo bom é um lobo morto”. Os primeiros americanos declararam guerra aos lobos e procuraram exterminá-los oferecendo recompensas. Isso resultou na morte de milhões desses animais.

Hoje as coisas mudaram drasticamente. Como os americanos se tornaram mais conscientes, a preservação do lobo virou um grito de guerra. Mesmo assim, alguns ainda lamentam essas políticas de conservação em Yellowstone.

Não por culpa própria, o canino peludo, outrora temido, encontra-se no centro de uma controvérsia entre os que apoiam e os que se opõem abertamente à preservação da criação.

Cuidado com a criação ou alarme falso?

Vivemos em um planeta que se deteriora rapidamente. O impacto da humanidade tem sido devastador e evidente. Conforme mostram William e Floyd Hayes num dos capítulos do livro Entrusted: Christians and Environmental Care (2013, p. 183-197), aproximadamente um quarto da área terrestre do planeta foi convertida para uso humano. Quase metade das florestas tropicais e temperadas foi cortada ou demolida. A poluição do ar, terra e água tornou-se global. Por causa da exploração excessiva e negligente, plantas e animais estão desaparecendo em um ritmo sem precedentes. Milhares de espécies são extintas a cada ano. Ao transportar micróbios, plantas e animais para novos lugares, temos inadvertidamente disseminado doenças e acelerado a destruição de espécies nativas.

Será que o Criador, que declarou que todas as formas de vida são “muito boas” (Gn 1:31), que amorosamente alimenta e sacia todas as criaturas (Sl 104:24-27; Is 43:20; Mt 6:26), e que vê os pardais que caem dos céus (Mt 10:29), percebeu no que se tornou Sua criação? Será que Ele vê que “toda a criação geme” (Rm 8:22)? É claro que sim!

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Alguns cristãos expressam mais preocupação com a criação de Deus do que outros. Muitos veem nas Escrituras um mandamento claro ordenando a preservação da criação, mas outros enxergam a permissão implícita para saqueá-la. Curiosamente, várias pesquisas publicadas revelam que os cristãos e os de outros grupos religiosos são consideravelmente menos preocupados com questões ambientais que o público em geral (leia mais aqui). Por que isso acontece?

Pelo menos três razões explicam a indiferença ou até mesmo os sentimentos antiambientalistas de alguns cristãos.

Em primeiro lugar, alguns argumentam, com base na teologia do domínio (Gn 1:26, 28), que Deus permite que os seres humanos explorem os recursos naturais sem preocupação com as consequências.

Além disso, nossas visões escatológicas levam alguns a insistir que não precisamos nos preocupar com nosso lar terrestre nem com suas criaturas porque este mundo será destruído e recriado na segunda vinda de Jesus.

Por último, os referidos estudos mostram que a conscientização ambiental pode ser fortemente influenciada por tendências políticas e exposição à mídia (veja mais aqui).

Muitos cristãos se ofendem com a visão secular de que a criação surgiu por processos naturais ao longo de milhões ou bilhões de anos. No entanto, alguns deles se irritam com os que acreditam que devemos nos preocupar com o que resta da criação. Eles criticam os esforços do governo para conter os danos ambientais, além de acreditarem que muitas preocupações ambientais sejam grosseiramente distorcidas e mascararem planos sigilosos. Eles insistem que os cientistas e os políticos, bem como aqueles cristãos que compartilham do mesmo pensamento, são alarmistas.

Por que devemos nos importar

Então, como os adventistas do sétimo dia e outros cristãos devem se relacionar com a criação? Aqui estão quatro razões pelas quais devemos adotar a mordomia ambiental.

1. Ele espera que nos importemos

As Escrituras defendem a mordomia ambiental. Devidamente compreendida, a “autoridade” dada os seres humanos para “dominar” sobre todas as coisas vivas e “subjugar” a terra (Gn 1:26, 28) refere-se ao desejo de Deus de que cuidemos da terra (Êx 23:10, 11; Lv 25:2-7, 23, 24) e tratemos os animais de forma humana, fornecendo-lhes comida e descanso suficientes (Êx 23: 5, 12; Dt 25: 4), resgatando-os do perigo (Mt 12:11) e jamais torturando-os (Nm 22: 23-33). O planeta pertence a Deus, não a nós (Lv 25:23; Sl 24:1; 1Co 6: 15-20, 10:26). Foi Deus quem sancionou a primeira “lei de proteção ambiental” (Gn 2:15) e o primeiro “ato de proteção a espécies ameaçadas” (Gn 6:19).

Nitidamente, Deus espera que os governantes nomeados para gerenciar Sua criação exerçam a mordomia benevolente e altruísta (Sl 72: 8-14; Ez 34: 2-4; Mt 20:26, 27).

2. Preservar nos leva à comunhão com o Criador

Os cristãos que procuram preservar a criação reconhecem a clara relação entre nossa compreensão da natureza e Deus: “Pergunte, porém, aos animais, e eles o ensinarão, ou às aves do céu, e elas lhe contarão; fale com a terra, e ela o instruirá, deixe que os peixes do mar o informem” (Jó 12: 7, 8).

Ellen White insistiu sobre a importância de estudar e preservar a criação de Deus. “Deus tem nos cercado de belas paisagens da natureza para cativar e ocupar a mente. É Seu desígnio que associemos as glórias da natureza com Seu caráter. Se fielmente estudarmos o livro da natureza, vamos vê-lo como um frutífero campo à contemplação do infinito amor e poder de Deus” (My Life Today, p. 294).

Na verdade, vamos estudar a natureza, aprender com ela e preservá-la para que para as futuras gerações façam o mesmo.

3. Devemos preservar por razões econômicas

Deus nos legou extraordinários recursos naturais que tornam a vida confortável e produtiva. Porém, esses recursos são finitos.

Podemos caracterizar os recursos naturais como serviços do ecossistema, dos quais depende nossa própria existência. Eles incluem o fornecimento de alimentos e água; polinização de plantas silvestres e agrícolas; reposição de nutrientes; moderação de climas extremos, incluindo atenuação de inundações e secas; proteção contra a erosão; regulação de pragas em plantas e organismos causadores de doenças; decomposição e desintoxicação de resíduos; purificação de ar e água; e manutenção da biodiversidade. Esses serviços, fornecidos gratuitamente para nós, foram avaliados globalmente em 125 trilhões de dólares por ano (para ter acesso à pesquisa, clique aqui). Obviamente, eles são insubstituíveis.

Sem esses serviços, que estamos degradando rapidamente, nossa qualidade de vida e a de gerações futuras, seria drasticamente reduzida.

4. Devemos cuidar por razões de saúde e justiça social

Seres humanos sadios precisam de ambientes saudáveis que forneçam recursos e processos naturais que sustentem a vida humana. Ambientes degradados fornecem recursos precários e promovem doenças, tensão, conflitos e desigualdade. Infelizmente, são os pobres que normalmente suportam o peso dos problemas que surgem a partir de ambientes degradados. Pessoas e corporações egoístas exploram o ambiente e diminuem sua capacidade de sustentar a população local. As nações ricas, muitas vezes, se beneficiam às custas dos países em desenvolvimento.

Normas ambientais inconsistentes, a corrupção e o desrespeito às leis ambientais ameaçam a saúde e a subsistência de milhões de pessoas. Estima-se que uma em cada sete mortes em 2012 resultou da exposição ao solo e água contaminados, e/ou poluição do ar, e 93% dessas 9 milhões de mortes ocorreram em países em desenvolvimento (clique aqui para ler o relatório completo). Sendo cristãos, devemos estar à frente da defesa das vítimas de injustiça ambiental, que incluem não apenas os seres humanos, mas também outras formas de vida.

Créditos: Adventist Review
Créditos: Adventist Review

Pensamento crítico

Sendo seguidores de Jesus, temos a obrigação de preservar a criação e aliviar o sofrimento humano sempre que possível. No entanto, a compreensão de como devemos agir se torna mais difícil pelas opiniões polarizadas que ouvimos. Quando se trata de questões ambientais, devemos buscar nos manter informados pelas fontes mais confiáveis. Devemos reconhecer a linguagem da propaganda com a qual nos deparamos diariamente nos meios de comunicação e blogs, pois há muitos especialistas que entendem pouco sobre as interações complexas do mundo natural. Precisamos ter a mente aberta, aplicar pensamento crítico com o melhor de nossas habilidades e tratar com respeito as opiniões dos outros, mesmo quando acreditamos que estão errados.

Por exemplo, um estudo mais aprofundado questionou o papel dos lobos na restauração do ecossistema do parque de Yellowstone. Embora os lobos certamente contribuam caçando os alces, a questão parece ser mais complicada do que se pensava originalmente, uma vez que também envolve interações entre bisões, castores, caça humana, padrões de chuva e mudanças de temperatura. Como uma iniciativa humana, a ciência tem suas imperfeições, mas quando usada corretamente para testar hipóteses alternativas, ela, eventualmente, se corrige. A ciência fornece uma forma de obter conhecimento e discernimento sobre a criação. Ela é um dom de Deus para auxiliar nossa compreensão.

Testemunhando por meio da mordomia ambiental

A indiferença de muitos cristãos para com as questões ambientais levou o renomado biólogo de Harvard, E. O. Wilson, a publicar em 2006 seu livro The Creation: An Appeal to Save Life on Earth. Elaborado na forma de uma série de cartas a um pastor batista fictício, Wilson pediu que os cristãos se unissem no esforço, em grande parte secular, para salvar o que resta da criação. Em suas palavras: “A ciência e a religião são duas das forças mais potentes na Terra, e elas devem se unir para salvar a Criação”.

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Parece irônico, com base na forma com a qual nossa igreja vê o ato original da Criação, que algum de nós permaneça indiferente à sua preservação. No entanto, grande parte dos adventistas e de outros cristãos tem se omitido, enquanto os não-crentes têm tomado a iniciativa de cuidar da criação. Se trabalhássemos juntos, imagine as oportunidades que haveria para testemunhar, especialmente para aqueles que mais necessitam conhecer Cristo!

Pessoalmente, tenho orgulho de pertencer a uma igreja que leva a sério o estudo do segundo livro de Deus, a natureza. A Igreja Adventista tem abraçado a mordomia ambiental com várias declarações oficiais (clique para ler as declarações da igreja). Com essas declarações, a denominação reconhece que “a crise ecológica está enraizada na ganância e recusa da humanidade a praticar a boa e fiel mordomia dentro dos limites divinos da criação”. Porém, apesar dessas declarações de apoio, as instituições da igreja atualmente destinam recursos insignificantes para o que poderia ser um poderoso testemunho através da preservação da Criação.

A Criação totalmente restaurada

Embora o pecado tenha manchado a criação original de Deus, ainda podemos ver Sua obra. Fomos encarregados de assegurar que a assinatura da obra de Deus permaneça para que todos possam vê-la e aproveitá-la. É um dom de Deus. Mostramos nossa gratidão ao apreciá-la. Também podemos contrastar a presente criação com a original, que um dia será restaurada. Foi-nos dado um breve vislumbre de como as coisas serão diferentes um dia para o predador icônico de Yellowstone: “E morará o lobo com o cordeiro, e o leopardo com o cabrito se deitará, e o bezerro, e o filho de leão e o animal cevado andarão juntos, e um menino pequeno os guiará” (Is 11: 6).

Isso é um ecossistema que todos nós esperamos conhecer, e é ele que eu quero estudar um dia!

WILLIAM K. HAYES é professor de biologia e diretor do Centro de Biodiversidade e Estudos de Conservação da Universidade Loma Linda

[Artigo publicado originalmente no site da Adventist Review / Tradução: Thiago Juliani / Fotos: Adventist Review e Fotolia]

Última atualização em 16 de outubro de 2017 por Márcio Tonetti.