Geração sem resiliência

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Por que a dificuldade de lidar com as frustrações tem tornado o mundo cada vez mais violento 
Claudio Chaves

Há muitos anos, num reino distante (mas não encantado), um dos filhos do rei, o mais bonito deles, cometeu uma falta gravíssima. Como punição, de acordo com as leis daquele reino, o jovem jamais poderia voltar a ver a face do rei, sob pena de ser condenado à morte. Por isso, foi exilado.

Ao terminar seu exílio, voltou para a corte e, depois de dois anos, decidiu que não ia mais esperar: iria até sua majestade, ainda que isso lhe custasse a vida. Mandou um servo chamar seu tio (primo do rei), comandante do exército real, para que este, usando de seu prestígio e influência, o fizesse adentrar à presença do monarca. Mas o tio influente ignorou o apelo do jovem sobrinho.

“Não tem problema. Já sei como ‘convencer’ meu tio a me levar à presença do rei”, raciocinou o jovem rebelde. Chamando seus servos, ordenou que eles fossem e ateassem fogo à plantação de cevada do tio, que, ao ficar sabendo do prejuízo, imediatamente foi ter com o sobrinho, e o atendeu em sua “petição”. E quem, bom do juízo, não o atenderia?! Principalmente se soubesse (como o tio sabia) que a última vez que se sentiu contrariado ou ofendido, o jovem assassinou o próprio irmão.

Essa história não é um conto medieval, nem a sinopse de alguma produção hollywoodiana. Ela está na Bíblia (2 Samuel 14: 28-33), e é, com o perdão do trocadilho, duplamente real. Refiro-me à Absalão. Segundo o cronista do livro citado, o galã mais bonito não só dentre os muitos filhos do rei Davi, mas de todo o Israel – o “Brad Pitt” hebreu da época.

O relato não deixa dúvida: Absalão não sabia ser contrariado, não admitia ouvir “não”. E seus pais e mestres, pelo visto, não souberam – ou não conseguiram – fazê-lo entender o significado prático da resiliência e, consequentemente, a importância capital desse fundamento para a formação do caráter humano.

Seus filhos ou seus alunos sabem o que é resiliência?

Parkland, Flórida (EUA), 14 de fevereiro de 2018. Os Estados Unidos e o mundo começaram o dia em estado de choque! Armado com um fuzil AR-15, o também jovem Nikolas Cruz, de 19 anos, entrou na escola da qual fora expulso por mau comportamento no ano anterior e matou 17 pessoas, entre alunos e professores.

Goiânia (GO), 20 de outubro de 2017. Um adolescente de 14 anos pegou a arma da mãe, que é policial militar, entrou na escola onde estudava e saiu atirando aleatoriamente, matando dois de seus colegas.

Várzea Paulista (SP), 18 de dezembro de 2017. Uma criança de 9 anos matou, a pauladas, um adolescente de 12.

Nos três casos, há um ponto em comum, além das tragédias: os agressores alegaram incômodos (ou sofrimentos) diante da rejeição, exclusão, menosprezo e desdenho de pessoas ao seu redor.

Imaginemos o que pode acontecer com nossa sociedade se cada adolescente que se sentir discriminado, excluído do grupo ou, de alguma forma, ofendido por alguém, conseguir uma arma e sair atirando em quem encontrar pela frente como forma de resolver o problema – que, de fato, existe, e não é pequeno!

Antes de prosseguir, abro parêntese para dizer do meu sincero e respeitoso sentimento de pesar por todos os atingidos por tais fatalidades, incluindo os agressores e seus familiares. Todos são vítimas de uma sociedade louca, acuada, amedrontada, histérica, paranoica, apavorada, sem esperança e refém do medo.

É claro que, em situações como esta, jamais se deve descartar os indícios claros de transtornos ou até mesmo possíveis doenças mentais. Porém, mesmo nos casos de mentes transtornadas ou desajustadas, uma formação educacional embasada no reconhecimento das limitações humanas e na necessidade do domínio próprio é fator determinante em momentos de fortes pressões de qualquer ordem.

Observe-se que, no caso do garoto de Goiânia, além dos pais, que são autoridades públicas, ele tinha à disposição professores, gestores, orientadores, amigos, conselho escolar, conselho tutelar, entre outras instâncias. No entanto, em sua angústia, não por conta do problema em si, mas por não saber como lidar com ele, só conseguiu vislumbrar uma saída: a violência. Você consegue ver, nos três casos, alguma semelhança com o comportamento de Absalão?

Diferentemente de José (filho de Jacó) e do próprio Jesus, Absalão (como Sansão e muitos de nossos adolescentes e jovens de hoje), provavelmente por não ter enfrentado frustrações na infância, tornou-se um adulto com corpo de gente grande, mas com cabeça de criança mimada; atingiu a maioridade, mas não a maturidade. Não aprendeu a lidar com as frustrações, não sabia ser contrariado, não sabia o que é resiliência.

“Por meio da omissão, continuamos mandando à sociedade filhos magoados, desajustados, ensandecidos e com o incontrolável desejo de ter (não importa o quê). Cuidado! Eles podem voltar para casa munidos de revólver e barra de ferro”, escreveu Leonardo Posternak, médico pediatra, em alusão ao famoso caso de Suzane Von Richthofen (revista Istoé, edição de novembro de 2002, p. 91).

Por sua vez, Ellen White, advertiu: É impossível descrever os males que resultam de deixar a criança entregue à sua própria vontade. Alguns que se extraviam porque são negligenciados na infância, mais tarde, incutindo-se-lhes lições práticas, voltarão a si, mas muitos se perdem para sempre porque na infância e juventude receberam apenas uma cultura parcial, unilateral. […] Todo o conhecimento que possam adquirir jamais desfará o mau resultado da disciplina frouxa na meninice” (Orientação da Criança, p. 274 e 202).

Embora tenhamos que reconhecer que não existe receita que garanta 100% de eficácia na prevenção de casos como os que aqui foram mencionados, todos (em especial pais, professores e líderes religiosos) que lidam diariamente com esse público precisam estar atentos não só aos alertas dos especialistas, mas sobretudo às instruções inspiradas, fonte mais segura de como ensinar as novas gerações diante das pressões desse mundo caótico.

Cristo é o exemplo máximo de resiliência. Da manjedoura à cruz, Ele foi constantemente insultado, desdenhado, zombado, provocado. Porém, ao longo de toda a sua jornada terrestre se manteve circunspecto, compenetrado, altivo, altruísta e inflexível ante qualquer tentação de se nivelar por baixo.

“Da amargura que cabe em sorte à humanidade, não houve quinhão que Jesus não provasse. Não faltou quem procurasse lançar sobre Ele desprezo por causa de Seu nascimento, e, mesmo na infância, teve de enfrentar olhares desdenhosos e murmurações. Se tivesse respondido com uma palavra ou olhar impaciente, se tivesse cedido aos irmãos em um único ato errado que fosse, teria fracassado em ser exemplo perfeito” (Ellen G. White, O Desejado de Todas as Nações, p. 88).

Que em qualquer circunstância possamos a Ele recorrer como “nosso refúgio e fortaleza; socorro bem presente nas tribulações” (Sl 46:1); como nossa maior fonte de inspiração e maior referência em altruísmo, tolerância, mansidão, firmeza e resiliência!

CLÁUDIO CHAVES, membro da Igreja Adventista de Prosperidade, em Laranjal do Jari (AP), é professor de História

Última atualização em 23 de fevereiro de 2018 por Márcio Tonetti.