A última moda

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Em meio à generalizada falta de pudor, representantes das novas gerações redescobrem a modéstia
Fernando Dias
Foto: Adobe Stock

A leitura de uma reportagem sobre jovens tradicionalistas católicos chamou-me a atenção sobre a ­recuperação de um valor que eu imaginava em estado de coma há tempos: a modéstia. Numa rápida pesquisa na internet, dando especial atenção às mídias sociais (onde se pode verificar as tendências mais recentes), descobri centenas de vídeos e textos dedicados à modéstia, a maioria produzida por moças da chamada geração Z (nascidas um pouco antes ou depois do ano 2000). Escolhi a esmo uma das postagens, cliquei, e eis que surge na tela uma adolescente sugerindo como transformar as “roupas antigas”, como ela especificou os vestidos e blusas de alças e as saias acima dos joelhos, em modelos mais recatados. Depois visitei a página virtual de uma livraria religiosa. Em destaque entre os mais vendidos aparecia uma coletânea de textos sobre a modéstia na aparência. Pelo menos entre esse segmento, parece que se vestir com decoro tornou-se a última moda.

A tendência de trajar-se com recato está associada com a valorização da castidade, que é levada a sério por esses jovens. Ainda na mesma matéria que me despertou para o assunto, uma das adeptas do novo conservadorismo, com 20 anos de idade, revelou que seus pais “acham um pouco exagerada a questão da castidade”. Espantei-me com a informação. Acostumados com a imensa permissividade da cultura contemporânea, a pureza parece escandalosa. Surge então uma garotada que, enfastiada com a promiscuidade, a vulgaridade e a falta de pudor da geração de seus pais, vai em busca de algo radicalmente diferente e a encontra na virtude cristã da decência.

Falar sobre modéstia na aparência é extremamente complicado. O tema suscita confusão e discussão desnecessárias. A modéstia é um valor essencialmente cristão, mas há motivos pouco cristãos para se insistir nela, como legalismo, moralismo, hipocrisia e até mesmo, ironicamente, vaidade e lascívia, justamente os pecados antagônicos à virtude em questão. Para muitos, a modéstia é uma força de opressão religiosa, com base em normas arbitrárias para controlar pessoas. Para outros, seus preceitos são tradições que seguem costumes infundados, futilidades diante da grandeza da revelação do evangelho. Apesar de as normas de um vestuário decente variarem com o tempo e a cultura, a modéstia continua sendo um princípio cristão permanente.

TRÊS VIRTUDES

O vestuário e os adereços que nos cobrem precisam ser determinados pela força de pelo menos três outros valores cristãos essenciais para a santidade de vida. A modéstia autêntica não é legalista nem moralista, mas é a expressão exterior das virtudes interiores da pureza, da simplicidade e do desprendimento.

Jesus Cristo ensinou um alto padrão de pureza moral. Em Sua época, havia a opinião de que a transgressão do sétimo mandamento, o “não adulterarás” (Êx 20:14), se restringia à relação sexual entre duas pessoas que não fossem casadas entre si. O Mestre pontuou que a imoralidade não se resume a um ato, mas expressa o que está no coração (Mt 15:19; Mc 7:21). O pecado da lascívia acontece também em pensamentos, sentimentos, palavras, olhares e insinuações. Contemplar uma pessoa para alimentar desejos indecentes com a imagem de seu corpo é pecado (Mt 5:27-30).

Obviamente, sugerir pensamentos sensuais em outros com a apresentação da própria imagem corporal também é pecado (Pv 7:10). O princípio da pureza na área da modéstia cristã estabelece que o cristão deve se vestir de modo a inibir pensamentos impuros naqueles que o veem. Apesar de não sermos responsáveis pelos desejos pecaminosos daqueles que nos enxergam, é nosso dever, por meio de nosso vestuário, tornar mais difícil para todos sentirem luxúria ao nos contemplarem.

O outro princípio da modéstia é a simplicidade. A roupa não é apenas um abrigo para preservar o corpo (no aspecto físico e moral); ela demonstra também o gosto, o estado de espírito e os valores. Independentemente da moda, o importante é que a roupa do cristão jamais transmita a impressão de vaidade, ostentação e extravagância. Essas obras da carne não combinam com o desejo de exaltar a Deus. Investir tempo, energia e dinheiro desproporcionais ao cuidado com a aparência constitui o pecado da vaidade.

Finalmente, o desprendimento também se manifesta na nossa maneira de revestir nosso corpo. Quando o patriarca Jacó conclamou sua família e agregados para uma reconsagração a Deus, eles se desfizeram de brincos e mudaram o vestuário, atitude que resultou em proteção divina (Gn 35:1-5). Apesar de, nos tempos bíblicos, o uso de joias ser comum, e de algumas passagens descreverem personagens bíblicos usando adornos, o ensinamento bíblico condena o ato de cobrir o corpo com adereços (Êx 33:3-6; Is 3:18-23; 1Tm 2:9, 10; 1Pe 3:3, 4). Entende-se, portanto, que é sinal de obediência a Deus abrir mão de usar brincos, colares, correntinhas, anéis, pulseiras, braceletes, tornozeleiras e piercings.

Da mesma forma, não há motivo para um cristão fazer tatuagens (Lv 19:28) ou encher o corpo de pinturas. As tatuagens estão ligadas a certos grupos e expressam uma ideologia. Em Levítico 19:28, Deus proíbe colocar marca sobre o corpo. Na época, os egípcios costumavam tatuar os corpos das mulheres em associação com cultos da fertilidade, enquanto os cananeus marcavam/cortavam o corpo com finalidade ritual. Até mesmo a maquiagem exagerada, sempre mencionada na Bíblia sendo usada por pessoas que desagradavam a Deus (2Rs 9:30; Jr 4:30; Ez 23:40-43), pode se transformar num problema. Isso bastaria para desestimular a pintura do corpo entre aqueles que desejam honrar a Deus.

Nosso corpo é destinado a ser santuário para a habitação do Espírito Santo (1Co 6:19). A santidade deve começar em nosso interior e alcançar nosso exterior (Mt 23:26). Diante do espelho, “revistam-se do Senhor Jesus Cristo e não façam nada que venha a satisfazer os desejos da carne” (Rm 13:14, NAA). Por isso, sem pender para o moralismo e o legalismo, é importante cuidar do vestuário.

FERNANDO DIAS, pastor e mestrando em Teologia, é editor associado de livros na Casa Publicadora Brasileira

(Artigo publicado originalmente na edição de janeiro de 2020 da Revista Adventista)

Última atualização em 6 de fevereiro de 2020 por Márcio Tonetti.