Meu dízimo

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A ideia de que os recursos de Deus são nossos revela um problema espiritual mais profundo
ERTON KÖHLER
Foto: Adobe Stock

“Comprado com meu dízimo”. Essa foi a frase que encontrei escrita no vidro traseiro do meu carro num fim de sábado. Durante a manhã estive em um acampamento e à tarde fui participar em uma igreja. Cheguei com o carro tão empoeirado que nem estacionei em frente ao templo. No fim do programa, depois de atender várias pessoas, caminhei sozinho e cansado até o carro e me surpreendi com o que estava escrito. O carro, um dos primeiros que minha esposa e eu conseguimos comprar, era modesto. Pena que não pude explicar para o autor da frase como o automóvel fora comprado, quanto custara e de que maneira estava sendo pago!

Já se passaram muitos anos desde que isso aconteceu, mas ainda me incomoda pensar que alguns insistem em chamar de “meu dízimo” recursos que pertencem exclusivamente ao Senhor. Quando isso acontece, permitem que o inimigo transforme um poderoso remédio em um perigoso veneno. Afinal, o dízimo foi estabelecido não apenas para sustentar a obra do Senhor, mas especialmente como uma vacina contra o egoísmo. E como sublinhou Ellen White, o egoísmo é “a essência da depravação” (Mente, Caráter e Personalidade, v. 1, p. 30). Por isso, encarado de forma possessiva, o dízimo alimenta o egoísmo que deveria combater.

Dízimo não é recurso pessoal para ajudar a igreja ou sustentar pastores (Gn 14:18-20; 28:20-22; 2Cr 31:5, 6); é propriedade do Senhor para ser devolvido fiel e incondicionalmente a Ele (Nm 18:20, 21; Lv 27:32; Ml 3:8-10). Apesar desse conceito bíblico tão claro, alguns ainda encaram o dízimo apenas como um ato de generosidade pessoal. Por isso, perguntam “O que estão fazendo com meu dinheiro?”, insinuam que pastores e obreiros vivem às custas do sacrifício de membros fiéis, criticam a igreja quando os recursos não são usados da maneira que aprovam e ameaçam reter “seu” dízimo como forma de protesto.

Outras vezes, “meu dízimo” é usado para impor preferências particulares, tentando moldar nossa estrutura administrativa, líderes e pastores a uma visão pessoal. De um lado, alguns que têm uma situação financeira mais confortável buscam pastores e líderes que se identifiquem com seu nível social, financeiro e intelectual. De outro, irmãos que vivem com poucos recursos também querem pastores e líderes que tenham vida simples e experimentem as mesmas dificuldades. A igreja, porém, não é exclusividade dos mais pobres, nem propriedade dos mais ricos, mas um ambiente para todos. Líderes e pastores devem viver sem escandalizar os mais pobres, nem envergonhar os mais ricos, tornando-se sempre um ponto de equilíbrio. Por isso, a igreja oferece aos pastores um nível médio de vida, de modo que eles vivam com dignidade.

O assunto é sensível e deve ser avaliado com oração e responsabilidade. Assim como Deus espera visão correta e sólida fidelidade de cada membro da igreja, os pastores e líderes também precisam ser cuidadosos no uso dos recursos que o Senhor lhes confia, aperfeiçoando criteriosamente seus controles e priorizando os investimentos na missão. Devem se lembrar de que, além de relatórios apresentados à igreja, prestarão contas diretamente a Deus.

Dizimar não tem que ver com “o ato de deixar uma gorjeta sobre a mesa de Deus”, mas com “a confissão de uma dívida impagável contraída no Calvário”, como ilustrou o teólogo Paul S. Rees.

ERTON KÖHLER é presidente da Igreja Adventista para a América do Sul

(Artigo publicado na seção Bússola da edição de fevereiro de 2020 da Revista Adventista)

Última atualização em 18 de fevereiro de 2020 por Márcio Tonetti.