Equilíbrio emocional

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Como amadurecer em meio às dificuldades da vida

Thaís Souza

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Certa ocasião conversava com uma pessoa que compartilhava comigo algumas dificuldades pelas quais estava passando. Enquanto eu ouvia e concordava com o quanto aquelas experiências eram realmente desconfortáveis, ela me perguntou: “Quer dizer que não existe mesmo uma fórmula mágica para fazer desaparecer tudo isso?” Rimos juntas e senti muito em informá-la de que, infelizmente, não havia algo que nos tirasse do sofrimento na velocidade de que gostaríamos. Por outro lado, começamos a refletir sobre maneiras de lidar consigo mesma e com as situações desafiadoras enquanto o problema não passasse.

A vida não nos poupa de momentos que mexam com nossas emoções, e muitas vezes podemos experimentar tristeza, ansiedade, raiva, culpa, medo, decepção ou desesperança. Por isso, aprender a lidar com elas é uma estratégia que previne o surgimento e a intensificação de transtornos psicológicos.

O aumento global da incidência de doenças emocionais nos últimos anos indica nossa crescente falta de habilidade em lidar com as emoções e situações de conflito. Transtornos de ansiedade ou de humor, dificuldade em administrar a raiva e a impulsividade, assim como sentimento profundo de angústia têm sido cada vez mais comuns entre adultos, adolescentes e crianças. Em alguns casos, as pessoas chegam a se mutilar como expressão de sofrimentos que não conseguem demonstrar de outras formas. Temos gente expert em tecnologia, mas carente quanto à aprendizagem emocional.

Ensinar às crianças e aos adolescentes como lidar com as emoções envolve nosso próprio aprendizado. Mais do que ouvirem de nós teorias a respeito de como devem se comportar diante da tristeza ou decepção, eles precisam ver em nós a prática de nossos discursos, a fim de que tenham referências de comportamentos saudáveis quando atravessarem momentos complicados.

VARIEDADE EMOCIONAL

Aparentemente, não temos problemas em lidar com emoções confortáveis como a alegria e a satisfação, apesar de algumas pessoas se sentirem culpadas quando as coisas vão bem. Nossa dificuldade, frequentemente, está em administrar as emoções popularmente chamadas de “negativas”.

O conceito de emoções “positivas” e “negativas” pode atrapalhar nossa maneira de lidar com aquilo que sentimos. É como se estivesse tudo bem experimentar alegria, contentamento e gratidão, mas fosse errado sentir tristeza, raiva, medo ou decepção. Assim, muitas pessoas consideram essas emoções como sendo anormais, evitando senti-las. Evidentemente, não é agradável experimentar tristeza, raiva, ansiedade ou decepção. No entanto, apesar de serem emoções desconfortáveis, elas têm seu propósito.

Quando alguém nos machuca, física ou emocionalmente, podemos sentir raiva. Esse sentimento tem uma função: colocar-nos em alerta a fim de não permitirmos que a agressão ocorra novamente. O que aconteceria se fôssemos machucados propositalmente e não sentíssemos raiva de quem nos feriu? Provavelmente não nos afastaríamos ou não nos defenderíamos. Como consequência, ficaríamos vulneráveis a novas atitudes rudes.

Da mesma maneira, quando estamos fazendo uma trilha na mata e temos a sensação de que algo se mexeu à nossa frente, desaceleramos o passo ou paramos, porque o medo de que seja um animal nos faz ter uma atitude preventiva. Se não tivéssemos temor algum ficaríamos expostos a situações perigosas desnecessariamente.

A ansiedade, apesar de causar desconforto, desempenha um papel importante ao nos preparar para situações e apontar possíveis sobrecargas, preocupações excessivas ou comportamentos inflexíveis que adotamos. Dessa forma, ela atua como um sinal que nos direciona para ajustarmos nossas respostas diante dessas circunstâncias ou em relação a nós mesmos.

Como abordar a questão da tristeza? Ao lidar frequentemente com indivíduos que enfrentam depressão, em certos casos, é perceptível que eles negligenciaram suas próprias necessidades ao longo dos anos ou enfrentaram perdas sem se permitirem vivenciar o processo natural de luto. Como resultado, uma tristeza mais profunda emerge, por vezes sem que a pessoa compreenda claramente a razão por trás desse surgimento repentino. Ainda que desconfortável, essa situação pode representar uma oportunidade para o paciente interromper padrões automáticos de funcionamento e contemplar aspectos que necessitam de ajustes em sua vida.

APROVEITE A OPORTUNIDADE QUE A ADVERSIDADE OFERECE PARA PROGREDIR EM DESAFIOS EMOCIONAIS, SOCIAIS, INTERPESSOAIS E ATÉ MESMO ESPIRITUAIS

Então, assim como sintomas físicos nos levam a entender o que está acontecendo com nosso corpo, levando-nos a adotar as medidas necessárias para restaurar a saúde, cada sentimento tem uma função e pode indicar as necessidades emocionais que temos e que precisam de atenção para, a partir delas, desenvolvermos estratégias que nos ajudem a ter mais saúde mental.

ABORDAGENS EXTREMAS

Frente a essas emoções desconfortáveis que emergem, é frequente adotarmos um dos extremos: cair em desespero, permitindo que a emoção nos domine e nos conduza a ações inadequadas ou excessivamente dolorosas; ou, então, optar por ignorar a situação, buscando evitar a consciência do que estamos realmente sentindo.

Podemos minimizar o sofrimento que seria natural em alguma situação ao nos compararmos com outras pessoas. Imagine que alguém tenha recebido uma crítica e ficado profundamente chateado com isso. Em lugar de validar seus sentimentos, ou seja, compreender que é normal que alguns reajam de forma mais intensa a determinadas situações, essa pessoa pode acabar se comparando com outras que não se sentiriam da mesma maneira. Isso leva a minimizar seus sentimentos e a esperar de si mesma reações emocionais mais “apropriadas”, em vez de explorar como pode ajudar-se nesse contexto.

Outras pessoas, quando não se sentem bem, podem minimizar o sofrimento com expressões do tipo: “Ah, não era para tanto”, “O que aconteceu não foi tão importante assim”, quando, em realidade, a situação pode ter sido dolorosa. Contudo, como muitas vezes a minimização das dores emocionais podem estar relacionadas com crenças disfuncionais a respeito das emoções como: “Quem chora é fraco”, “Quem sente raiva não é cristão”, “Sentir tristeza é sinal de falta de fé”, “Decepção é coisa de criança”, podemos encontrar na racionalização do sofrimento um caminho alternativo para não senti-lo e experimentá-lo.

Manter a serenidade durante períodos difíceis não implica que a emoção desapareça. Às vezes, podemos erroneamente pensar que, ao ignorar um sentimento desconfortável, ele se dissolverá espontaneamente. No entanto, esse sentimento permanecerá encoberto, esperando uma oportunidade para emergir. Essa oportunidade pode se manifestar como a “gota d’água”, uma situação que, talvez, não justificasse tamanha tristeza, raiva, ansiedade, medo ou outras emoções desconfortáveis. Ainda assim, provoca o sofrimento e confronta nossas fragilidades. Mesmo que a conexão entre nossas emoções e determinados eventos em nossa vida possa parecer desproporcional, é fundamental examinarmos não somente o que realmente ocorreu, mas também as semanas, meses ou anos anteriores, considerando a carga emocional que acumulamos ao longo do tempo.

Por outro lado, existem pessoas que tendem a reter emoções dolorosas em excesso, revivendo por um longo período os eventos passados. Elas frequentemente constroem diálogos internos imaginários sobre o que poderia ou deveria ter sido dito e, por vezes, alimentam ressentimentos como uma maneira de punir aqueles que as magoaram. O resultado é geralmente um dano emocional para elas próprias, já que podem ter dificuldade em abrir mão do desejo de mudar o comportamento alheio e até mesmo em conceder perdão. Pessoas assim podem abrigar crenças disfuncionais, tais como “a vida é injusta”, “não sou competente para lidar com o sofrimento”, “as outras pessoas estão sempre contra mim”. Essas crenças as levam a repetir, ao longo da vida, o papel de vítima ou de extrema fragilidade, o que as afasta de adotar atitudes que promovam a cura emocional, o perdão e o bem-estar.

LIDANDO COM AS EMOÇÕES

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Apesar da tendência que temos de evitar o sofrimento ou nos afundar nele, é possível aprendermos a enfrentar situações difíceis sem cair em nenhum desses extremos. O processo de lidar com emoções desconfortáveis de maneira saudável, e assim prevenir o desenvolvimento de transtornos psicológicos, envolve aceitar essas emoções, expressá-las, vivenciá-las com consciência, reconhecer necessidades específicas e proporcionar aprendizados valiosos sobre a vida, sobre nós mesmos e sobre as outras pessoas que estão envolvidas nessas situações.

Aceitar não implica gostar do que está ocorrendo ou concordar com os aspectos negativos da situação, mas reconhecer que, independentemente de nossos desejos, o sofrimento está presente. A aceitação envolve reconhecer internamente que estamos tristes, desconfortáveis, ansiosos, desesperançados, com raiva ou deprimidos, e enfrentar essa realidade. Esse processo pode ser acompanhado por autojulgamentos automáticos (“Que ridículo estar me sentindo assim”) ou por uma abordagem empática, compassiva e paciente, como aquela que normalmente dispensaríamos a um amigo (“Lamento que esteja passando por isso. Estou aqui para apoiá-lo no que precisar”). Essa abordagem amigável nos aproxima da recuperação emocional que desejamos.

Expressar o sofrimento é uma forma adequada de exteriorizar o que estamos vivenciando. Isso pode ocorrer por meio do choro, de uma oração sincera, ao compartilhar nossos sentimentos com alguém de confiança e ao permitir que nosso estado emocional seja autêntico, sem forçar um sorriso quando não estamos realmente bem. Ao expressar nossas emoções, encontramos alívio. É comum sentir esse alívio após chorar, por exemplo, ou depois de compartilharmos nossas dificuldades com alguém.

Experimentar a dor emocional é um exercício que envolve um diálogo interno compassivo conosco sobre o que estamos experimentando (“É realmente desafiador enfrentar esse luto”, “Esta perda está me afetando profundamente”, “Lidar com a ansiedade mais uma vez é exaustivo”), e esse processo não deve ser evitado. Quando machucamos um dedo em uma quina, para que a dor vá embora, inevitavelmente precisamos senti-la. De forma semelhante, é necessário sentir a dor emocional para que encontremos alívio.

Buscar reconhecer as necessidades emocionais ou práticas que podem surgir durante momentos difíceis – desde ter a companhia e o abraço de alguém até contar com o auxílio de um amigo que nos apoie enquanto enfrentamos uma depressão – também pode ser uma maneira de enfrentar situações desafiadoras sem impor a nós mesmos as demandas que normalmente cumpriríamos de forma independente em períodos mais tranquilos.

Além do suporte que podemos receber de outras pessoas, é importante nos dedicarmos ao autocuidado. Em meio ao sofrimento, é benéfico incorporarmos atividades saudáveis que nos proporcionem relaxamento, alegria ou conforto. Isso pode envolver reservar um momento para descansar, sair para pedalar, desfrutar de um banho prolongado e cultivar a paciência para aguardar o tempo necessário até que finalmente possamos experimentar a serenidade novamente.

Refletir sobre o que podemos extrair de nossa própria jornada, sobre a vida ou a respeito daqueles ao nosso redor, também contribui de maneira significativa para nosso amadurecimento pessoal. Assim, a pergunta “O que posso aprender com isso?” pode nos ajudar a descobrir um sentido nas adversidades. Essa perspectiva é um componente essencial da resiliência, que não apenas nos capacita a atravessar momentos de sofrimento sem sermos dominados por eles, mas também a crescer por meio dessas experiências.

Talvez, por meio do sofrimento, seja possível aprender a respeitar os próprios limites, a gerenciar impulsos, a renunciar o controle sobre outras pessoas e sobre os eventos da vida, a reconhecer a dependência de Deus e a ver a alegria que pode advir desse reconhecimento. Cada pessoa descobrirá, em sua própria jornada, uma resposta para essa questão. Portanto, não relegue essa reflexão ao esquecimento. Aproveite a oportunidade que a adversidade oferece para progredir em desafios emocionais, sociais, interpessoais e até mesmo espirituais.

Ao observarmos Jesus, nosso modelo em tudo, inclusive de equilíbrio emocional, podemos aprender a:

• Adotar práticas benéficas à saúde emocional: “Tendo-Se levantado de madrugada, quando ainda estava escuro, Jesus saiu e foi para um lugar deserto, e ali orava” (Mc 1:35); “E Ele lhes disse: Venham repousar um pouco, à parte, num lugar deserto. Isto porque eles não tinham tempo nem para comer, visto serem muitos os que iam e vinham” (Mc 6:31).

• Aceitar a dor: “A Minha alma está profundamente triste até a morte” (Mt 26:38).

• Reconhecer necessidades emocionais: “Fiquem aqui e vigiem Comigo” (Mt 26:38).

• Expressar o sofrimento: “Meu Pai, se é possível, que passe de Mim este cálice! Contudo, não seja como Eu quero, e sim como Tu queres” (Mt 26:39).

• Experimentar agonia: “E, estando em agonia, orava mais intensamente. E aconteceu que o suor Dele se tornou como gotas de sangue caindo sobre a terra” (Lc 22:44).

• Manter em mente o propósito da vida: “Pai, a Minha vontade é que, onde Eu estou, também estejam Comigo os que Me deste, para que vejam a Minha glória que Me conferiste, porque Me amaste antes da fundação do mundo” (Jo 17:24).

De fato, enfrentar as aflições da vida não é uma tarefa simples. Às vezes elas não desaparecem ou se resolvem tão rapidamente quanto desejamos. No entanto, com o tempo e o esforço, podemos encontrar alívio genuíno ao aprender a enfrentá-las e a lidar com nós mesmos. Que Deus nos ajude a adotar atitudes que contribuam para o crescimento e a preservação de nossa saúde emocional.

THAÍS SOUZA é psicóloga clínica

(Artigo publicado na Revista Adventista de setembro/2023)

Última atualização em 11 de setembro de 2023 por Márcio Tonetti.