Os extremos de Paris

2 minutos de leitura
O dia em que a intolerância suplantou os ideais de liberdade, igualdade e fraternidade
Foto: Sébastien Amietl
Foto: Sébastien Amietl

O atentado ocorrido em 7 de janeiro contra o jornal satírico Charlie Hebdo, em Paris, deixando 12 mortos, confirma que toda ação provoca uma reação. O detalhe é que, nesse caso, a reação não foi risonha como propõe o cartum, mas repleta de extremismo, violência e morte. A ação terrorista deixou a França em alerta total, numa busca desenfreada dos assassinos, que culminou com a morte de ambos e mais quatro reféns.

Em resposta ao extremismo dos radicais islâmicos, no domingo, 11 de janeiro, aproximadamente 4 milhões de pessoas foram às ruas de Paris e de outras cidades numa caminhada denominada a “Marcha da República” para protestar contra esse atentado à liberdade. Entre eles estavam importantes líderes mundiais, como o presidente francês François Hollande, a chanceler alemã Angela Merkel, o primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, e o presidente da Autoridade Palestina, Mahmoud Abbas. “Paris é hoje a capital do mundo”, afirmou Hollande ao receber os chefes de Estado no Palácio Eliseu.

Sem dúvida, qualquer reação violenta deve ser condenada. As provocações e debates precisam ficar no campo das ideias. Mas como esperar reação civilizada de extremistas islâmicos que praticam atrocidades em nome da religião? Talvez a melhor estratégia de quem provoca seja agir com mais cautela para evitar tragédias como essa. Até porque as tentativas de retaliações já haviam ocorrido antes.

Em 2005, quando o jornal dinamarquês Jyllands-Posten publicou 12 charges de Maomé, os extremistas mostraram sua ira. Uma delas retratava o profeta com um turbante em forma de bomba. Em 2010, um terrorista somali tentou assassinar o autor dessa charge, Kurt Westergaard. “Agora, de certa forma, sou um fugitivo em meu país”, diz o cartunista de 79 anos.

Há também o outro lado. Com o surgimento do Iluminismo e a culminação da Revolução Francesa, o racionalismo queria enterrar de vez a religião e mostrar que o homem dotado de racionalidade era capaz de viver livre e sem Deus. No entanto, a racionalidade humana mostrou-se ineficaz em meio aos multifacetários problemas causados por ela mesma. Se antes a religião carregava a culpa pelas perseguições e intolerâncias, o movimento racionalista provocou tremendas decepções, como as duas grandes guerras.

Atualmente, a razão já não tem tanta importância como nos seus primórdios. O movimento pós-moderno, com suas ações fundamentadas na emoção, leva o indivíduo a fazer o que bem entender. Mas até onde vai a liberdade? Numa sociedade plural, o indivíduo pode viver de qualquer maneira, sem se importar com o outro? Será que somente há liberdade para os que pensam e agem de modo igual?
Agindo em nome da liberdade, os intelectuais do racionalismo têm provocado milhares de pessoas ao desrespeitar seus símbolos, seus princípios e sua fé. Por isso, tanto o racionalismo quanto o fundamentalismo precisam entender que “os fins não justificam os meios”, pois é preciso a real compreensão da liberdade e da responsabilidade. Afinal, a liberdade tem um preço.

As coisas poderiam ser diferentes se os cartunistas se lembrassem das três palavras da Revolução Francesa: Liberdade, Igualdade e Fraternidade. Se eles não se ativessem somente à primeira, entenderiam que, para ser fraterno e igual, é preciso amizade e respeito, algo que não se consegue ridicularizando e humilhando o próximo. Ao mesmo tempo, os extremistas precisam entender que matar em nome da religião é desvirtuar a essência da fé.

O mundo será muito melhor se aprendermos com Jesus, o autor da liberdade, a arte da convivência. Ele soube respeitar e valorizar todos. Brincou saudavelmente com os amigos, mas sem desrespeitá-los. Com os inimigos e radicais, manteve o diálogo. Ele era a verdade, mas não obrigou ninguém a segui-lo. Procurou salvar todos, para que vivessem em liberdade, fraternidade e igualdade.

Que esse triste episódio traga a conscientização de que os extremismos são caminhos da morte! Viva a liberdade! Viva o respeito! Viva a tolerância!

Célio Barcellos é pastor em Serra (ES)

Última atualização em 16 de outubro de 2017 por Márcio Tonetti.