A arte de aproveitar o tempo

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Um chamado à reflexão e ação na vida familiar

Henrique Gonçalves

Foto: Adobe Stock

O tempo é invisível, inaudível, intocável e insubstituível. Não é possível deixar de utilizá-lo, tampouco criar mais tempo ou reciclá-lo. Contínuo, ele simplesmente transcorre. Obstinado e incansável, constantemente empurra o presente para o passado. Assim, quando paramos para refletir sobre nossa trajetória, frequentemente exclamamos perplexos: “Como passou rápido!”

Alguns dias atrás, em meio a tantas demandas, minha filha de sete anos bateu à porta do meu escritório. Ao abrir, ouvi um eloquente e poderoso convite que despertou meus melhores sentimentos: “Papai, você gostaria de andar de bicicleta comigo?” Em poucos minutos, estávamos prontos em frente de casa. Suas mãozinhas seguravam firmemente o guidão, e um enorme sorriso iluminava seu rosto. Dei a ela o impulso inicial e comecei a correr ao lado para protegê-la de uma eventual queda. Enquanto corria pela rua, cruzei com uma querida senhora que foi tocada pelo desejo de nos proteger. Ela disse: “Aproveitem! Passa rápido!”

O tempo simplesmente passou e, em menos de 20 minutos, fui lembrado também de que com ele passam as oportunidades. Algumas delas nunca mais se repetirão. Por diversas vezes, visitei pessoas em suas últimas horas de vida. Muitas delas tinham consciência de que seu tempo estava se esgotando. Nessas ocasiões, nunca ouvi a frase: “Queria ter passado menos tempo com minha família”. Pelo contrário, reflexões opostas, infelizmente, são frequentes.

A preocupação com a administração correta do tempo não é algo recente. Ela remonta a épocas anteriores à revolução digital, globalização, revolução industrial ou a qualquer outro evento significativo na história. Naturalmente, esses marcos aceleraram a rotina e introduziram uma variedade sem precedentes de consumidores de horas, minutos e segundos. Elevar o nível de proteção contra os “ladrões do tempo” atuais é uma medida importante, porém insuficiente. A abordagem bíblica sobre a administração adequada do tempo vai além. Não se limita apenas a evitar seu desperdício, mas concentra-se principalmente em utilizá-lo de maneira significativa. Não estar ocioso é diferente de estar ocupado com aquilo que verdadeiramente importa.

Em sua carta aos Efésios, o apóstolo Paulo escreveu: “Portanto, tenham cuidado com a maneira como vocês vivem, e vivam não como tolos, mas como sábios, aproveitando bem o tempo, porque os dias são maus. Por esta razão, não sejam insensatos, mas procurem compreender qual é a vontade do Senhor” (Ef 5:15-17).

Nesse texto, encontramos um dos mais valiosos conselhos bíblicos sobre a correta administração do tempo. Antes de nos concentrar nesses versos, gostaria de destacar alguns pontos importantes sobre essa carta paulina e extrair um conceito fundamental para nossa reflexão.

O Centro de tudo

A carta de Paulo aos Efésios foi escrita no início da década de 60 d.C. Seu tema central é a unidade em Cristo: a unidade do ser humano com Deus em Cristo, a unidade da família em Cristo e a unidade da igreja em Cristo. Essa mensagem continua relevante para nossos dias, pois apresenta o fator determinante para todas as relações humanas: Cristo. Para cuidar adequadamente da família, devemos ter consciência de que todo relacionamento correto é precedido por nossa ligação com Jesus.

Podemos facilmente amenizar a consciência afirmando que não conseguimos priorizar nosso tempo em família devido à rotina pesada, ao trabalho que nos consome ou à necessidade de manter tudo em ordem em casa. De fato, muitas pessoas têm sua estrutura familiar comprometida pela dificuldade de suprir as necessidades materiais, pagando o alto preço do excesso de trabalho e da ausência no lar.

Se não estivermos dispostos a pagar o preço para recuperar o controle do tempo e das oportunidades, Satanás assumirá o controle de nossa agenda e ocupará o espaço que nossa ausência deixou vazio em nossa família

No entanto, ao acompanhar famílias nas mais diversas fases e dedicar tempo para auxiliá-las em momentos de crise, percebo que, muitas vezes, o excesso de atividades que impede a priorização e o cuidado da família não está relacionado com necessidades reais. O excesso tende a revelar escassez. Para alguns, em realidade, o excesso de atividades evidencia a escassez de recursos materiais. Para outros, o excesso de atividades profissionais, pessoais e até religiosas revela a escassez da presença de Cristo.

A ausência de Cristo na vida se manifesta na predominância de orgulho, ganância, cobiça, soberba e vaidade, entre outros sintomas pecaminosos que envolvem uma excessiva autovalorização. A busca insaciável por poder, riqueza ou reconhecimento pode levar à falta de consideração pelas pessoas ao redor, incluindo aquelas com quem temos os laços afetivos mais profundos. Essa ausência resulta em desejos não santificados que nos escravizam em uma infinidade de atividades, roubando nosso tempo e afastando-nos de nossa família. Longe da luz de Cristo, restam apenas trevas e aprisionamento.

É interessante observar que o capítulo no qual se encontra um dos principais textos da Bíblia sobre relacionamento familiar (Ef 5:22-33) dedica sua maior parte a falar sobre o relacionamento correto com Cristo. Paulo exortou os leitores a serem imitadores de Deus (v. 1) e a andarem conforme Jesus andou (v. 2). Ele advertiu contra a participação em práticas contrárias ao reino de Cristo (v. 3-7, 11-13) e os encorajou a serem luzes do Mestre, manifestando os frutos da luz (v. 8, 9, 14). O apóstolo também incentivou a constantemente discernir o que é agradável a Cristo (v. 10), a compreender Sua vontade (v. 17), a louvá-Lo (v. 19) e a dar graças a Deus em nome do Senhor Jesus (v. 20).

Por isso, Cristo encontra-Se no centro do conhecido texto sobre o padrão de relacionamento para cônjuges, pais e filhos (Ef 5:22–6:4). Assim, é importante repetir um conceito precioso identificado em Efésios 5: o relacionamento correto com Jesus antecede a relação adequada com a família. Compreender essa verdade fornece o contexto para estudar os versículos 15 a 17 e encontrar correlações adequadas entre “tempo” e “família”.

Sábio uso do tempo

Em Efésios 5:15-17, o apóstolo Paulo advertiu os cristãos a refletirem cuidadosamente sobre como estavam “andando”. Isso significa que deveriam ponderar seu padrão de vida, suas ações habituais e, por consequência, seu caráter e suas prioridades.

O contraste apresentado entre a luz e as trevas na primeira metade do capítulo 5 corresponde agora ao contraste entre sábios e insensatos. A sensatez das pessoas que vivem na luz é identificada por meio de dois aspectos: elas procuram conhecer a vontade de Deus (v. 17) e aproveitam bem o tempo (v. 16).

Uma grande diferença é destacada entre a vida dos insensatos e dos sábios. Os tolos vivem ao acaso, agindo como se Deus não existisse, desperdiçando seu tempo em práticas desagradáveis ao Senhor. Davi expressou isso no Salmo 14: “Diz o insensato no seu coração: ‘Não há Deus.’ São corruptos e praticam abominação; já não há quem faça o bem” (v. 1).

Por outro lado, os sábios diferem dos insensatos porque temem ao Senhor e procuram entender Sua vontade. Em Efésios 5:15-17, Paulo definiu a sabedoria como conhecer a vontade de Deus, ecoando ensinamentos de outros textos conhecidos do Antigo Testamento. Um exemplo é o Salmo 111, que afirma: “O temor do Senhor é o princípio da sabedoria; revelam prudência todos os que o praticam. O seu louvor permanece para sempre” (v. 10).

Um cristão sábio deve fazer o melhor uso do seu tempo, procurando as melhores oportunidades para realizar a vontade de Deus em todas as áreas da vida, incluindo a convivência familiar

Certamente, não há nada mais importante do que compreender a vontade de Deus e obedecer-Lhe. Nisso está a verdadeira sabedoria, que nos leva a um comportamento correto e ao uso cuidadoso do tempo.

Paulo exortou os efésios a andarem com sabedoria e a aproveitarem o tempo, pois os dias eram maus (Ef 5:15, 16). O verbo “aproveitar” (exagorazo, em grego) é utilizado apenas duas vezes no Novo Testamento (ver também Cl 4:5). Em ambas as ocorrências, está associado à sabedoria que possibilita o uso cuidadoso do tempo e das oportunidades por meio de uma conduta correta. O verbo pode ser traduzido ainda como “resgatar” ou “libertar” e significa livrar do poder de outro ou de um cativeiro por meio do pagamento de um preço.

Esse era um termo comercial nos dias em que Paulo viveu. Aproveitar o tempo significava ser intencional, diligente e cuidadoso no uso do tempo disponível, buscando as melhores oportunidades e explorando todas as possibilidades existentes. Isso carrega a ideia de alguém que negocia com habilidade, em vez de esperar passivamente por uma oferta imperdível. O apóstolo não estava se referindo exclusivamente à responsabilidade missionária. Pelo contrário, um cristão sábio deve fazer o melhor uso do seu tempo, procurando as melhores oportunidades para realizar a vontade de Deus em todas as áreas da vida, incluindo a convivência familiar.

O conselho apostólico para aproveitar o tempo tinha por base a realidade de dias desafiadores (v. 16). Essa justificativa tem uma aplicação tanto no primeiro quanto no século 21. Vivemos em um mundo marcado pelo pecado, no qual as circunstâncias para administrar o tempo são desfavoráveis. Todos os aspectos da vida estão sujeitos à corrupção e desordem. Satanás, consciente de que seu tempo é limitado (Ap 12:12), age com grande fúria para impor uma rotina descontrolada, tornando desafiador dedicar com sabedoria tempo a Deus e à família.

Não podemos esperar que as oportunidades simplesmente apareçam. Devemos nos esforçar diariamente para adquiri-las, não importando o preço a ser pago. Certamente, sacrifícios serão necessários. Mas devemos nos lembrar de que não haverá vitória, sucesso ou reconhecimento humano que compense ou justifique a ausência de um relacionamento com Deus e, consequentemente, o fracasso na família. Se não estivermos dispostos a pagar o preço para recuperar o controle do tempo e das oportunidades, Satanás assumirá o controle de nossa agenda e ocupará o espaço que nossa ausência deixou vazio em nossa família.

Ellen White expressou essa preocupação ao escrever: “Os pais podem pensar que não têm tempo para fazer tudo isso, mas devem tirar tempo para fazer sua obra na família, pois, do contrário, Satanás suprirá essa falta. Tiremos de nossa vida tudo que impede a execução dessa obra e eduquemos nossos filhos segundo a ordem de Deus. Podemos até negligenciar algo de natureza material, ficar satisfeitos tendo que viver de maneira econômica, restringindo algumas necessidades; mas, pelo amor de Cristo, jamais negligenciemos a educação religiosa, nossa e de nossos filhos” (O Lar Adventista [CPB, 2021], p. 264).

Conclusão

Por amor, Cristo pagou um sacrifício infinito para nos resgatar, e agora pede que paguemos o preço necessário para resgatar o tempo com Ele e com nossa família, a fim de experimentarmos verdadeira felicidade. Se os dias em que vivemos são difíceis, não devemos perder tempo com lamentos ou distrações, mas usá-lo sabiamente, aproveitando todas as oportunidades para que os propósitos divinos se realizem por intermédio de nossa vida e de nossa família. É durante esse período limitado que vivemos que tomamos decisões com consequências eternas.

Conhecendo a vontade do Senhor, planeje com sua família como utilizar de forma sábia o tempo, a fim de que todos tenham suas necessidades supridas e possam servir a Deus até que Cristo venha. Embora não possamos prever tudo o que acontecerá conosco (Tg 4:13-15), uma família que programa o uso do tempo de acordo com a vontade divina estará mais preparada para lidar com eventos inesperados, superar perigos e distrações e usar intencionalmente a estrutura familiar para honrar e glorificar a Deus. 

HENRIQUE GONÇALVES é pastor da igreja do Unasp, campus Engenheiro Coelho

(Matéria de capa da Revista Adventista de agosto/2024)

Última atualização em 13 de agosto de 2024 por Márcio Tonetti.