Entenda a posição adventista sobre o partidarismo político
Divulgado no dia 11 de junho, um estudo feito por pesquisadores das universidades Yale e Harvard concluiu que os pastores adventistas nos Estados Unidos são os que estão mais uniformemente divididos entre democratas e republicanos quando se trata de política. A pesquisa também revelou que quase metade deles não está filiada a um dos dois partidos norte-americanos.
Com base nesses números, pode-se concluir que a divisão política que envolve a nação pode ter invadido as igrejas, mas, na realidade, os pastores adventistas há muito colocaram a política em segundo plano, concentrando-se na missão de evangelizar.
Os pesquisadores extraíram inferências de uma lista de 180 mil clérigos de muitos grupos religiosos nos Estados Unidos. Usando os métodos descritos no estudo, eles descobriram que cerca de 130 mil pastores se registraram para votar.
De acordo com a pesquisa, existem cerca de 5.330 pastores adventistas nos Estados Unidos. Desses, 51% se identificam com um dos partidos políticos e se distribuem quase que uniformemente entre democratas e republicanos. O restante não foi registrado em nenhuma das partes.
Outro estudo publicado em 2014 pelo Pew Research também constatou que a Igreja Adventista do Sétimo Dia era a denominação mais racial e etnicamente diversa nos Estados Unidos. No ano passado, a Igreja Adventista informou, com base em dados de 2015, que tinha 19.126.438 membros em todo o mundo, dos quais 1.218.397 vivem na América do Norte.
Ao contrário de muitas igrejas protestantes, a denominação não pode ser caracterizada como uma igreja “americana”, mas sim como uma igreja global, com congregações em quase todas as nações da Terra. A Universidade Andrews, em Michigan, que abriga o seminário adventista, é a quarta em diversidade cultural nos Estados Unidos. Para se ter uma ideia, 21,3% dos estudantes são de outros países.
Uma discussão sobre o envolvimento global adventista não envolve apenas o ministério religioso, mas também cuidados na área da saúde e educação, que exigem uma cooperação significativa com os governos locais em todo o mundo. A denominação administra milhares de outras instituições, como escolas, faculdades, universidades e instalações médicas, incluindo aproximadamente 175 hospitais e muitas clínicas locais.
Apesar de sua diversidade, os adventistas têm a sensação de que todos os membros ao redor do mundo estão unidos no mesmo propósito. Ao contrário da Igreja Católica, que também é global e administra milhares de instituições ao redor do mundo, não há “papa” que possa fazer declarações infalíveis, se necessário, para manter as coisas nos trilhos.
Em vez disso, a Igreja Adventista talvez seja a maior democracia representativa do mundo. As congregações locais enviam representantes para os encontros das Associações, e estas enviam seus representantes para as reuniões das Uniões (nacionais ou internacionais), Divisões e, finalmente, para as assembleias da Associação Geral, as quais elegem a liderança mundial da igreja. A cada cinco anos, a igreja adventista aluga um enorme estádio e suas sedes administrativas (Associações, Uniões e Divisões) enviam representantes para debater assuntos de interesse da igreja, ouvir relatórios das Divisões mundiais e votar sobre itens doutrinários e administrativos.
Algumas dessas decisões, como a votação sobre a ordenação de mulheres na assembleia mundial de 2015, realizada em San Antonio, no Texas, podem ser controversas e são debatidas ao longo de anos. A despeito das divergências de opinião, é notável o fato de mesmo representantes de nações em guerra se unirem como irmãos e irmãs em uma missão comum.
Política longe dos púlpitos
Um dos fatores que contribuem para manter a política fora dos púlpitos é a observância do sábado. Entre o pôr do sol da sexta-feira e o de sábado, a maioria dos fiéis evita discutir assuntos políticos, ler jornais ou assistir ao noticiário na TV, embora muitos se envolvam nas mídias sociais com outros tópicos. Isso significa que provavelmente você não encontrará uma discussão política partidária durante os cultos. Os pastores que querem abordar questões dessa natureza provavelmente irão fazê-lo em particular, fora do púlpito, em outro dia da semana.
Os adventistas de países que têm uma forte política externa, por exemplo, entendem que pressionar políticos a tomar medidas militares em outra parte do mundo não contribui para a missão da igreja. Embora os americanos sejam patriotas, tradicionalmente os membros da igreja nesse país evitaram se engajar em conflitos armados como combatentes. A dedicação a esses princípios é exemplificada por pessoas que fizeram sacrifícios significativos, como Desmond Doss, que lutou sem armas na II Guerra Mundial para salvar vidas e, por seu ato de heroísmo, recebeu a Medalha de Honra do Congresso, a mais importante condecoração militar atribuída pelo governo dos Estados Unidos.
De longa data, os adventistas enfatizam o valor da independência política e a separação entre Igreja e Estado. Ellen White, uma das pioneiras da denominação, observou que, embora votar fosse importante, “os que ensinam a Bíblia em nossas igrejas e escolas, não se acham na liberdade de se unir aos que manifestam seus preconceitos a favor ou contra homens e medidas políticos” (Obreiros Evangélicos, p. 391).
“Deixai os assuntos políticos em paz”, ela aconselhou. E acrescentou: “Todo mestre, pastor ou dirigente em nossas fileiras, que é agitado pelo desejo de ventilar suas opiniões sobre questões políticas, deve se converter pela crença na verdade, ou renunciar à sua obra” (ibid., p. 392 e 393).
Em 1952, o então presidente mundial da igreja, J. Lamar McElhany, escreveu: “A igreja nunca tentou instruir seus membros sobre como deveriam votar ou em quem eles deveriam votar. São questões que devem ser deixadas para a consciência individual dos membros. Tampouco a igreja impôs qualquer proibição ou censura a seus membros, tanto aos que optaram por exercer seu direito de voto quanto aos que decidiram não votar”.
McElhany continuou: “Acreditamos que cada membro […] tem o direito de exercer seu direito de voto. A estabilidade e o fundamento do bom governo recai sobre as pessoas. Se aqueles que são estáveis, respeitam a lei e têm uma grande consideração pelos princípios do bom governo se mantiverem distantes da tarefa de escolher o bem e homens aptos para a liderança governamental, eles serão coo-responsáveis pelas falhas no governo. Essa é uma atitude que os bons cidadãos devem procurar evitar na medida em que seus votos tornem isso possível. […] É importante que todas as questões que devem ser colocadas na votação sejam avaliadas cuidadosamente e estudadas por todos os eleitores conscientes”.
O resultado dessa compreensão é que as disputas políticas partidárias ocupam segundo plano em relação ao sentido mais amplo da missão da Igreja Adventista. Quando o político adventista Ben Carson, atual secretário de Habitação e Desenvolvimento Urbano dos Estados Unidos, liderou, por um curto período de tempo, as primárias republicanas de 2016, houve uma interessante discussão no meio adventista.
Para os adventistas, ter um membro com influência nacional era importante. No entanto, a denominação manteve uma posição não partidária, emitindo um comunicado no qual reconheceu que, embora Ben Carson fosse um médico respeitado, era importante que a igreja mantivesse o seu apoio histórico de longa data para a separação entre Igreja e Estado ao não endossar ou se opor a qualquer candidato (para ler a declaração emitida pela igreja, na época, clique aqui).
Devido à sua cuidadosa postura em relação à política partidária, e o foco em questões específicas, não em personalidades, a igreja cultiva uma atmosfera apartidária que a permitiu exercer influência em questões referentes à relação entre Igreja e Estado. Nos Estados Unidos, líderes democratas e republicanos reconheceram o trabalho da igreja em defesa da liberdade religiosa, e o trabalho humanitário internacional da denominação tem sido reconhecido e respeitado pelos governos de todo o mundo.
Estamos vivendo numa época em que o partidarismo está constantemente motivando discursos fervorosos. O discurso amedrontador de políticos, da imprensa e das mídias sociais tem contribuído para inspirar que pessoas instáveis participem de ações violentas. Se você não consegue frear o que está acontecendo no mundo, ainda há um “espaço seguro” para encontrar abrigo da política e fazer uma pausa. “Venham a mim, todos os que estão cansados e sobrecarregados, e Eu lhes darei descanso” (Mt 11:28, NVI).
MICHAEL D. PEABODY, advogado e doutor em Direito pela Universidade Pepperdine, é um defensor da liberdade religiosa nos Estados Unidos
(Texto publicado originalmente no site da Adventist Review)
Última atualização em 16 de outubro de 2017 por Márcio Tonetti.