A ilusão da data

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A segunda vinda de Cristo e o ano de 2027

Elias Brasil de Souza

Ilustração: Jairo Ostemberg

Períodos de convulsões globais, como a recente pandemia e as contínuas crises geopolíticas e sociais, fornecem solo fértil para o crescimento de especulações apocalípticas e a difusão de teorias da conspiração. Frequentemente, essas especulações envolvem tentativas de marcar uma data – ainda que aproximada – para a segunda vinda de Jesus.

Uma teoria recente que ganhou significativa força na mídia digital afirma que Jesus voltará em 2027.
Os defensores dessa ideia sustentam que sua interpretação deriva de uma leitura clara das Escrituras. Entretanto, é importante observar que muito do que é dito é especulativo e fortemente influenciado por eventos atuais, o que pode introduzir preconceitos e levar a conclusões errôneas. A metodologia de interpretação profética adotada nessas teorias geralmente se baseia em suposições futuristas, em vez de no entendimento historicista derivado das Escrituras e seguido pelos pioneiros adventistas e por Ellen White.

O principal problema daqueles que buscam correlacionar especulativamente os eventos atuais com a profecia bíblica está na tendência de definir o tempo profético. Assim, este artigo procura apresentar uma palavra de cautela contra previsões escatológicas enganosas, por carecerem de fundamento bíblico.

Definição de tempo

Ao distinguir uma definição de tempo precisa (uma data exata) e uma definição de tempo flexível (uma data aproximada), os defensores da teoria de que Jesus vai voltar em 2027 aparentemente preferem uma definição de tempo flexível. No entanto, como podem argumentar sobre esta “definição de tempo flexível” diante de passagens como Mateus 24:36: “Mas a respeito daquele dia e hora ninguém sabe, nem os anjos dos céus, nem o Filho, senão o Pai”?

Assim, justificam que essa leitura excluiria até mesmo Jesus, o que não faria sentido, uma vez que Ele também é Deus. Parece que os adeptos dessa interpretação ignoram que “como um homem na Terra, Cristo limitou voluntariamente Seu conhecimento e poder na medida da capacidade dos seres humanos, a fim de que a Sua própria vida perfeita pudesse ser um exemplo de como devemos viver e que Seu ministério fosse um padrão que pudéssemos seguir, auxiliados pela mesma orientação divina e ajuda que Ele recebeu” (Comentário Bíblico Adventista do Sétimo Dia, [CPB, 2015], v. 5, p. 538).

Em vez disso, os defensores dessa teoria apelam a um folheto escrito por Tiago White, intitulado “A Segunda Vinda”, no qual o autor argumenta que o verbo “saber” no texto de Mateus deveria ser traduzido como “tornar conhecido”. A partir dessa suposição, outros também saberiam qual é o tempo determinado, porém somente o Pai teria a autoridade de o “tornar conhecido”. Então, utilizam o verso de 1 Coríntios 2:2, em que o verbo “saber” pode também ser lido como “tornar conhecido”: “Porque decidi nada saber [tornar conhecido] entre vocês, a não ser Jesus Cristo, e este, crucificado” (1Co 2:2).

Anseios espirituais não devem ser preenchidos por predições sensacionalistas, teorias da conspiração ou definição de tempo

O problema com esse tipo de interpretação é que ela negligencia o contexto e a verdadeira intenção da frase na qual o verbo está inserido. Não se pode simplesmente pegar o significado de um verbo dentro de uma passagem e alegar que ele tem o mesmo sentido em outra passagem sem que haja uma exploração contextual mais detalhada. Embora os sinais bíblicos sobre a segunda vinda possam levar o leitor a saber que o fim está próximo, os adeptos dessa teoria defendem uma precisão temporal que não pode ser corroborada pelo texto bíblico.

Por exemplo, eles tentam fundamentar sua “definição de tempo flexível” com declarações de Ellen White nas quais ela afirma que a Terra tem estado sob o domínio do pecado há cerca de 6 mil anos. Para validar o argumento, utilizam um texto em que a autora alega que o batismo de Jesus aconteceu 4 mil anos depois da queda de Adão: “Cristo, no deserto da tentação, ficou no lugar de Adão para suportar a prova que ele deixou de resistir. Aqui, Cristo venceu em favor do pecador, quatro mil anos após Adão dar as costas à luz de seu lar. Separada da presença de Deus, a família humana afastou-se mais e mais, em cada geração sucessiva, da pureza e sabedoria originais e do conhecimento que Adão possuía no Éden. Cristo carregou os pecados e enfermidades humanos como existiam quando Ele veio à Terra para ajudar o ser humano. Em favor da humanidade, com as fraquezas dos pecadores sobre Si, enfrentou as tentações de Satanás em todos os pontos em que o ser humano podia ser assaltado” (Ellen G. White, No Deserto da Tentação [CPB, 2012], p. 27).

Ilustração: Jairo Ostemberg

Portanto, o batismo de Jesus, que ocorreu no ano 27 d.C., define os 2 mil últimos anos da história da Terra. Se fosse o caso, o ano de 2027 seria o marco que completaria os 6 mil anos da história. Contudo, antes que se possa concluir que Cristo voltará em 2027, os defensores desse raciocínio argumentam que “6 mil anos” nos quais “Satanás tem lutado para manter o domínio da Terra” devem incluir o curto período de tempo que ele terá para reunir forças e lutar contra Deus na batalha final (Ellen G. White, Patriarcas e Profetas [CPB, 2022], p. 290). Obviamente, como não sabemos quanto tempo Satanás levará nesse processo, esse período de tempo deve ser descontado dos 6 mil anos, o que poderia significar que Jesus voltaria em algum momento antes de 2027.

Dessa maneira, com uma pretensa base nos escritos de Ellen White, entrelaçando textos da autora com passagens bíblicas sem a devida consideração pelo contexto e de uma forma literal, os proponentes dessa teoria estabelecem o tempo antes do qual Jesus voltará. O que é isso, senão a definição de tempo?

O que eles não levam em consideração é o fato de que “4 mil anos depois de Adão voltar as costas à luz de seu lar” pode ser um número arredondado, sem a intenção de definir o intervalo de tempo exato entre a queda de Adão e o batismo de Jesus. De fato, Ellen White mencionou que quando Jesus foi tentado pelo diabo, o pecado já assombrava o mundo “por mais de quatro mil anos” (Mensagens Escolhidas [CPB, 2022], v. 1, p. 226, 228). Em  outra obra, ela indicou que desde que Satanás venceu nossos primeiros pais, “mais de seis mil anos” se passaram (Vida de Jesus [CPB, 2012], p. 141). Portanto, parece claro que essas declarações cronológicas são cálculos aproximados, não um período de tempo exato.

Assim, devemos considerar que nem Ellen White nem os outros pioneiros interpretaram essas referências aos 4 mil anos e aos 6 mil anos com a mesma precisão cronológica que os defensores da teoria em debate lhes atribui. Ao fazer isso, ignoram algumas declarações importantes em que a autora instruiu a igreja a não se envolver com definições de tempo. Os textos seguintes são alguns exemplos que representam a posição dela sobre o assunto:

“Ninguém que fixe o tempo em que Cristo deva vir ou não vir tem uma mensagem verdadeira. Estejam certos de que Deus não dá nenhuma autoridade de dizer que Cristo retarda Sua vinda 5, 10 ou 20 anos. ‘Estejam também vocês preparados, porque o Filho do Homem virá à hora em que vocês menos esperam’
(Mt 24:44). Essa é nossa mensagem, a própria mensagem que os três anjos voando pelo meio do céu estão proclamando. A obra a ser feita agora é a de fazer soar esta última mensagem de misericórdia a um mundo decaído” (Mensagens Escolhidas [CPB, 2015], v. 2, p. 96).

“Muitos que faziam parte do movimento adventista achavam que não poderiam ser zelosos e diligentes na obra de preparação a menos que pudessem fixar sua fé em um tempo definido para a vinda do Senhor. Mas, como suas expectativas eram repetidamente estimuladas e logo destruídas, sua fé acabava sendo abalada de tal maneira que para eles se tornava quase impossível se impressionarem com as grandes verdades da profecia.

Devemos manter nosso foco em desenvolver uma relação mais profunda com Deus

A pregação de um tempo definido para o Juízo, na proclamação da primeira mensagem, foi ordenada por Deus. O cálculo dos períodos proféticos nos quais se fundamentava aquela mensagem, localizando o final dos 2.300 dias no outono de 1844, permanece acima de qualquer contestação. Os repetidos esforços para encontrar novas datas para o começo e fim dos períodos proféticos, bem como os argumentos infundados necessários para apoiar essas teorias, não somente desviam as pessoas da verdade presente, mas também lançam descrédito sobre todos os esforços para que as profecias sejam explicadas. Quanto mais frequentemente se marca um tempo definido para o segundo advento e mais amplamente ele é ensinado, tanto mais se cumprem os propósitos de Satanás” (O Grande Conflito [CPB, 2021], p. 384, 385).

“Declarei categoricamente na reunião campal de Jackson a esses grupos fanáticos que eles estavam fazendo a obra do adversário das almas; achavam-se em trevas. Eles alegavam possuir grande iluminação quanto ao fim do tempo de graça em outubro de 1884.

Declarei ali em público que o Senhor achou por bem me mostrar que não haveria nenhum tempo definido na mensagem dada por Deus desde 1844” (Mensagens Escolhidas, v. 2, p. 62).

“Nossa posição tem sido a de esperar e vigiar, sem definir algum tempo para interpor-se entre o fim dos períodos proféticos em 1844 e o tempo da vinda de nosso Senhor.

O povo não terá outra mensagem sobre um tempo definido. Depois desse período de tempo (Ap 10:4-6), estendendo-se de 1842 a 1844, não pode haver nenhum cômputo definido do tempo profético. A contagem mais longa vai até o outono de 1844” (Eventos Finais [CPB, 2021], p. 25).

A partir dessas citações é possível constatar que Ellen White não apoiava especulações sobre o tempo da volta de Jesus ou sobre o fim do mundo. Em realidade, ela argumentava contra essas suposições declarando que elas “desviam as pessoas da verdade presente” e servem bem aos “propósitos de Satanás” (O Grande Conflito, p. 385).

Conclusões

Muitos corações se tornam receptivos ao evangelho em tempos de crise, conforme as pessoas se tornam cientes de suas limitações e da fragilidade da condição humana e social. Contudo, esses anseios espirituais não devem ser preenchidos por predições sensacionalistas, teorias da conspiração ou definição de tempo. A exposição da Palavra de Deus deve ser fundamentada na verdade, não em expectativas equivocadas geradas por ficções apocalípticas. Aliás, interpretações extravagantes das profecias sobre o tempo do fim servem apenas para gerar euforia e levar a descrédito a mensagem da igreja sobre os eventos finais.

A mensagem que pregamos deve ser centrada em Jesus, em Seu amor e cuidado para com o mundo em sofrimento e Sua oferta de perdão e restauração a todos. Obviamente, nossa pregação também deve incluir a iminente volta de Cristo. Não há nada inerentemente errado em pregar sobre os sinais do tempo do fim. O próprio Jesus, quando questionado sobre quais seriam os sinais de Sua vinda, disse aos discípulos que haveria guerras, “terremotos, epidemias e fome em vários lugares” (Lc 21:11; Mt 24:7; Mc 13:8). Contudo, a mensagem pregada sobre o fim dos tempos precisa estar fundamentada na Palavra de Deus, não nas manchetes dos noticiários ou em percepções especulativas dos eventos atuais.

Deve-se notar que, ao perguntarem a Jesus sobre quando Ele iria voltar, Ele lhes respondeu: “Não cabe a vocês conhecer tempos ou épocas que o Pai fixou pela Sua própria autoridade” (At 1:7). Contudo, logo depois, fez uma promessa: “Mas vocês receberão poder, ao descer sobre vocês o Espírito Santo, e serão Minhas testemunhas tanto em Jerusalém como em toda a Judeia e Samaria e até os confins da terra” (At 1:8). Embora os discípulos quisessem saber quando Jesus voltaria, Ele dirigiu a atenção deles para o dom do Espírito e a pregação do evangelho.

Portanto, num período em que o mundo tem sido marcado por pandemias, guerras e convulsão social, devemos manter nosso foco em desenvolver uma relação mais profunda com Deus, a fim de que possamos ter compaixão divinal para com a humanidade sofrida e carente. Pelo poder do Espírito Santo, podemos nos tornar testemunhas efetivas de Jesus e desfrutar o privilégio de fazer parte do sinal mais evidente da proximidade de Sua vinda: “E será pregado este evangelho do Reino por todo o mundo, para testemunho a todas as nações. Então virá o fim” (Mt 24:14). 

ELIAS BRASIL DE SOUZA é diretor do Instituto de Pesquisa Bíblica da sede mundial da Igreja Adventista do Sétimo Dia

(Matéria de capa da Revista Adventista de setembro/2024)

Última atualização em 12 de setembro de 2024 por Márcio Tonetti.