Professora emérita fala sobre o papel insubstituível dos pais num contexto de mudanças rápidas e bruscas na convivência familiar
Por Lisandro Staut
A educadora Donna Habenicht afirma que ajudar no desenvolvimento pleno das crianças é a missão da sua vida. Com experiência de sala de aula da pré-escola à pós-graduação, ela já atuou também na área clínica e se destacou como uma das principais consultoras educacionais da igreja. Por pelo menos três décadas, Donna contribuiu intensamente ensinando, ministrando seminários, pesquisando e escrevendo sobre o tema.
Hoje, aposentada, a professora emérita que já foi diretora do departamento de Psicologia Educacional e Aconselhamento da Universidade Andrews (EUA) ainda vive em Berrien Springs, Michigan, numa casa com vista para o lago Chapin. Foi na tranquilidade de seu lar que ela conversou com a Revista Adventista, reconhecendo que o mundo e as famílias mudaram muito nas últimas décadas e que o desafio de educar filhos é ainda maior na atualidade.
Quais fatores têm afetado mais fortemente o desenvolvimento espiritual das crianças?
Entre os fatores negativos, menciono a falta de interesse e de instrução dos pais nas questões espirituais. Há também a influência da internet e do ambiente das escolas não cristãs na formação das crianças de famílias adventistas.
Nesse contexto, a crescente ausência da figura paterna agrava esse problema?
As pesquisas indicam consistentemente que crianças nascidas de mulheres solteiras, uma tendência mundial, podem experimentar mais facilmente algum atraso no desenvolvimento, assim como dificuldades na escola e problemas comportamentais relacionados à sociabilidade e às emoções. Elas são mais propensas a não terminar o Ensino Médio e a ter também filhos fora do casamento. Os filhos precisam de seus pais desde antes de nascer. Se a mãe está em um relacionamento estável com seu marido, a criança vai ter uma vantagem desde a concepção. O plano de Deus para a família inclui uma mãe e um pai, porque cada um deles traz uma perspectiva diferente para a educação infantil. Juntos eles fornecem uma referência completa para as crianças.
Que influência específica o pai exerce sobre os filhos?
O pai é muito importante na formação da identidade sexual do menino. E na espiritualidade, por algum tempo, as crianças tendem a ver Deus assim como enxergam o pai. Na família ideal, o pai é o líder espiritual e os filhos o reconhecem como tal. Mas a mãe também provê instrução espiritual e exemplo quanto ao comportamento social para os filhos de ambos os sexos. Além disso, a maneira de os pais se tratarem oferece um parâmetro de relacionamento.
Já existem estudos que analisam a educação recebida por crianças adotadas por casais homoafetivos?
Sim, existem. Contudo, na maior parte deles, o número de crianças pesquisadas é pequeno. Alguns desses estudos analisam apenas o desempenho escolar e até aqui, nesse aspecto, as pesquisas não apontaram diferenças entre filhos criados por pais do mesmo sexo e de sexos opostos. Mas quem pode prever o futuro? E como medir todas as consequências?
O que pesa mais: a qualidade ou a quantidade de tempo que os pais passam com os filhos?
Todo o tempo que os pais têm com os filhos precisa ser de qualidade. A pessoa que cria os filhos sozinha e precisa trabalhar fora deve se certificar de que as crianças estejam sendo bem cuidadas. Porém, quando chega em casa, precisa primeiro dar muita atenção aos filhos e ouvi-los contar como foi o dia deles. Então, juntos (dependendo da idade das crianças), eles podem preparar a refeição e limpar tudo ao final. Talvez ainda haja tempo para brincar juntos, assim como supervisionar as tarefas escolares antes do culto familiar e finalmente do descanso.
Quando olhamos para a família de Tiago e Ellen White, vemos que James Edson, o segundo filho do casal, passou por um bom período de rebeldia em sua juventude. Essa história se repete ainda hoje no lar de outros líderes?
Essa é uma boa pergunta. Penso que existem vários fatores que contribuem para isso. Por exemplo, muitos pastores estão sempre ocupados demais, como Tiago White. Isso pode ser equilibrado, mas o foco precisa estar na família. Outro ponto, não muito comentado na igreja, mas muito pesquisado na academia, tem que ver com os resultados previsíveis de cada estilo de paternidade. Muitos ministros tendem a ser autoritários, porque, afinal de contas, exercem autoridade fora de casa e esperam fazer o mesmo no próprio lar. Porém, o estilo autoritário de paternidade não traz bons resultados, e o de negligência, igualmente praticado por muitos líderes, também não é o melhor.
O que a senhora pensa sobre os pais que dizem que, enquanto estão cuidando das coisas de Deus, Deus cuida das coisas deles, especialmente da família?
Cresci numa família ministerial e sei que alguém que trabalha para Deus espera que Deus abençoe sua própria família. Mas penso que Deus também espera que cuidemos da nossa família. E conheço muitos ministros de sucesso que fazem isso.
Agora no Brasil os pais precisam matricular os filhos na escola a partir dos quatro anos de idade. A senhora vê vantagens nessa antecipação?
Depende do que as crianças de quatro anos fazem na escola. Um programa escolar que privilegie a atividade física para essa idade, com pequenos grupos de crianças, pode ser uma experiência positiva. Num plano ideal, crianças de quatro anos deveriam estar em casa com um de seus pais, mas ficar na escola com professores capacitados pode ser melhor do que estar em casa com uma babá, mas sem muita supervisão.
Nos Estados Unidos, a legislação permite as famílias adotarem o sistema de ensino em casa, algo que é proibido no Brasil. Existem críticos e defensores desse modelo de ensino. Qual é sua opinião?
O ensino em casa pode ser uma experiência muito positiva, porque as crianças podem fazer suas tarefas escolares em muito menos tempo do que se gasta na escola, dedicando assim o tempo livre para as atividades físicas ao ar livre. Isso é melhor do que deixar as crianças sentadas e confinadas numa sala a maior parte do dia. Além disso, podem ser feitas adaptações no currículo para atender melhor os interesses da criança. Em algumas cidades americanas em que muitas famílias aderiram ao homeschooling, é comum várias famílias se reunirem para visitar locais de interesse educativo, ou para fazer outras atividades juntos, favorecendo assim a socialização.
Como os pais devem lidar com a exposição cada vez mais precoce dos filhos ao conteúdo midiático e à tecnologia móvel?
A Academia Americana de Pediatria recomenda que a criança não seja exposta às telas até os três anos de idade e não mais de duas horas por dia até completar 12 anos. Estudos mostram que muitas crianças têm visto mais de um milhão de vídeos comerciais até os 20 anos. Esses comerciais influenciam o pensamento da criança, porque até os oito anos ela interpreta todas as informações que recebe como concretas, sem a capacidade de abstração. Muitas delas gastam mais tempo em frente à TV ou computador do que na escola, o que pode comprometer até mesmo o desenvolvimento visual da criança. O ideal é não apenas limitar o uso da internet até os 12 anos, mas não dar um smartphone para seus filhos até os 14 ou 16. Se seus filhos precisam de um celular por questões de segurança e comunicação, é melhor optar por um aparelho que não tenha acesso à internet.
Onde podemos buscar orientação diante dos desafios atuais na educação dos filhos?
Primeiramente, leia a Bíblia. É isso que Deus nos diz para fazer, porque ela apresenta princípios para nossos relacionamentos. O livro Orientação da Criança, de Ellen White, também é excelente fonte de instrução. Recomendo ainda meu livro Como Ajudar Seu Filho a Amar Jesus, e as obras da doutora Kay Kuzma, educadora adventista. Por fim, lembro os pais de uma promessa bíblica: “brigarei com os que brigam com você, e seus filhos, Eu os salvarei” (Is 49:26). Ore todos os dias para que Deus esteja com sua família e lhe dê sabedoria para orientar os filhos que Ele mesmo lhe deu.
SAIBA MAIS SOBRE O ENTREVISTADO
Professora emérita
Filha de uma família de missionários, Donna Jeanne Lugenbeal Habenicht, 82 anos, conhece bem o mundo. Nasceu nas Filipinas e ainda na infância viveu na Argentina, Peru e México. Com o marido Herald, um pediatra, serviu como missionária por nove anos em Porto Rico antes de ser professora e diretora do departamento de Psicologia Educacional e Aconselhamento da Universidade Andrews (EUA), onde lecionou por mais de 30 anos e é professora emérita. Com dois filhos e quatro netos, sua experiência e produção acadêmica têm ajudado famílias do mundo todo. Entre os livros de sua autoria, está Como Ajudar Seu Filho a Amar Jesus, lançado pela CPB em 2011.
(Texto publicado originalmente na edição de agosto de 2016 da Revista Adventista)
Última atualização em 16 de outubro de 2017 por Márcio Tonetti.