Desafios e oportunidades para a igreja
William E. Timm

Nos últimos anos, poucos temas têm gerado tantas discussões quanto a Inteligência Artificial (IA). O que antes parecia uma realidade distante da maioria dos brasileiros se tornou cada vez mais presente, especialmente com o desenvolvimento das Inteligências Artificiais Generativas.
O ChatGPT, por exemplo, atingiu a marca de 100 milhões de usuários em apenas dois meses após seu lançamento – um crescimento muito mais rápido do que qualquer rede social, como Facebook, YouTube e Instagram, que levaram anos para alcançar esse patamar (Pallavi Rao, “How Long It Took for Popular Apps to Reach 100 Million Users” [2023], visualcapitalist.com).
A facilidade de gerar respostas, realizar pesquisas e até criar imagens, músicas e vídeos abriu um leque de possibilidades, aumentando significativamente a produtividade de quem utiliza essas ferramentas.
No contexto cristão, muitos veem essas novas tecnologias como recursos para potencializar a pregação do evangelho, tornando-a mais dinâmica e personalizada. No entanto, surgem também preocupações com a criação de conteúdos falsos, o risco de desemprego em massa e o desinteresse dos estudantes em aprender devido à facilidade com que se geram conteúdos pela IA. Diante dessas novas realidades e desafios, torna-se fundamental analisar o avanço da Inteligência Artificial sob uma perspectiva ético-cristã.
NOVA FASE
A Inteligência Artificial não é uma invenção recente, nem uma ferramenta nova. Suas origens datam da década de 1940, quando Alan Turing decifrou o código Enigma, usado pelos nazistas para se comunicar durante a 2ª Guerra Mundial. Os conceitos fundamentais da IA foram desenvolvidos ainda mais com a publicação de seu artigo “Computing Machine and Intelligence”, na revista Mind (v. 49 [1950], p. 433-460), considerado o marco inicial da área.
Desde então, a IA cresceu significativamente e se tornou uma presença constante em nossa vida, muitas vezes de maneira que não nos damos conta. Como o YouTube sabe minhas músicas favoritas? Como o Waze encontra o caminho mais curto para o meu trabalho? E como o Google sabe o que vou pesquisar? A resposta a todas essas perguntas está na Inteligência Artificial.
Mas, se a IA já está tão presente em nossa vida e existe há mais de 70 anos, por que esse tema está recebendo tanta atenção? Por que se tornou uma preocupação global? A explicação mais razoável está no início de uma nova fase, na qual a IA não é mais utilizada apenas pelas grandes empresas para mapear comportamentos, coletar nossos dados pessoais ou personalizar nossa experiência em aplicativos. Agora, ela também permite que os próprios usuários criem conteúdos personalizados. Estamos falando das Inteligências Artificiais Generativas.
Essas ferramentas, que oferecem grande potencial benéfico, também geram preocupações quando usadas de maneira errada. Hoje, vemos uma onda de fotos e vídeos falsos difamando pessoas nas redes sociais. O uso da IA também tem impactado áreas como a educação. Muitos estudantes recorrem a ela para completar tarefas escolares, o que preocupa os educadores.
Uma pesquisa realizada nos primeiros meses após o surgimento do ChatGPT revelou que 89% dos alunos já usavam a ferramenta em suas tarefas, e mais da metade admitiu usá-la para criar textos (“Productive Teaching Tool or Innovative Cheating?” [2023], study.com). Os professores enfrentam o desafio de identificar o uso dessas ferramentas e de promover a honestidade acadêmica. Enquanto algumas universidades já proibiram o uso de IA, outras adotaram alternativas, como trabalhos manuscritos, avaliações orais e atividades que exijam análise crítica pessoal.
A transformação provocada pelas IAs ainda está longe de terminar. Cientistas, acadêmicos e futuristas acreditam que essa revolução tecnológica está apenas começando, e o que vemos até agora é a ponta do iceberg. Diante desse cenário, como podemos ajudar a garantir que essas mudanças sejam benéficas para a igreja?
INTENCIONALIDADE NO USO
Por mais que muitos estejam entusiasmados ou preocupados com essas novas ferramentas, é fundamental que pastores e líderes religiosos conscientizem seus membros, mostrando os riscos e os problemas que o uso indevido dessas ferramentas pode gerar, assim como os benefícios que podem ser alcançados quando as ferramentas são utilizadas corretamente.
As igrejas podem abordar essa temática de forma criativa, discutindo o assunto com os jovens em pequenos grupos, nas classes de Escola Sabatina ou em momentos informais. Devemos incentivar as novas gerações a se tornarem referências no uso e desenvolvimento dessas tecnologias para propósitos nobres.
Quando utilizada de forma adequada, a Inteligência Artificial pode contribuir em diversos aspectos do contexto religioso. Seja na criação de atividades para um campori de desbravadores, em ideias criativas para encontros de jovens, na elaboração de estudos bíblicos ou em aspectos mais teóricos, como pesquisas e sugestões de temas para reflexões. Além disso, essas ferramentas são capazes de corrigir textos e realizar traduções confiáveis.
ESSAS FERRAMENTAS SÃO APENAS MEIOS, E NÃO VIERAM PARA SUBSTITUIR A MISSÃO PESSOAL, MAS PARA POTENCIALIZÁ-LA
Embora nem sempre as respostas sejam precisas, especialmente no que diz respeito a Ellen White, a Inteligência Artificial, de maneira geral, oferece alta assertividade e, quando usada corretamente, pode economizar muito tempo e esforço. Contudo, os resultados fornecidos devem ser considerados uma etapa inicial do processo de pesquisa, e não conclusões definitivas. Além disso, jamais devem substituir o estudo individual e aprofundado das Escrituras Sagradas.
Na criação de conteúdos a partir de IA, inclusive para usos evangelísticos, é essencial exercer o bom senso. Nesse contexto, a Divisão Sul-Americana elaborou um documento sobre Inteligência Artificial, acessível em adv.st/documento-IA. É importante lembrar que essas ferramentas estão sujeitas a falhas e seu conteúdo nunca deve ser compartilhado automaticamente como posição oficial da igreja, sem alertar sobre a possibilidade de a resposta estar equivocada.
POSSIBILIDADES DE EVANGELIZAÇÃO
A IA, assim como outras tecnologias na área da informação e comunicação, tem grande potencial para auxiliar na pregação em massa. Com o uso adequado dessas ferramentas, surgem diversas possibilidades. Não devemos evitá-las ou mesmo ignorá-las simplesmente porque existem exemplos de mau uso. Em vez disso, é essencial compreender que a responsabilidade pelo uso ético dessas tecnologias recai sobre nós, tanto como criadores quanto como usuários. Devemos entender que novas tecnologias geram novos comportamentos, e novos comportamentos possibilitam novas formas de levar o evangelho a outras pessoas.
As IAs estão transformando diversas áreas da pregação do evangelho no universo digital. Como essas ferramentas (incluindo o ChatGPT e o Gemini) treinam seus modelos com grande quantidade de conteúdo da internet, torna-se cada vez mais necessário que a igreja e seus membros produzam artigos e outros conteúdos de qualidade nas plataformas virtuais.
Ainda existem muitos temas sobre os quais a visão bíblico-adventista não é facilmente encontrada na internet. Publicações regulares de bons artigos em nossos sites ajudarão, inclusive, a melhorar o ranqueamento dessas plataformas no Google. Com o tempo, esse conteúdo será consumido não apenas por visitantes diretos, mas também por meio de IAs.
Um exemplo disso é a instrutora bíblica virtual Esperança, da Rede Novo Tempo, que, nos últimos cinco anos, já estudou a Bíblia com quase 500 mil pessoas em mais de 110 países – alguns dos quais proíbem a pregação do evangelho. Como resultado, mais de 18 mil pessoas decidiram entregar a vida a Cristo após receberem estudos bíblicos on-line.
A Esperança também responde perguntas bíblicas. Para isso, foi treinada com mais de 10 mil horas de conteúdo da TV Novo Tempo, 6.500 artigos e várias edições da lição da Escola Sabatina e dos livros de Ellen White. Além disso, a instrutora bíblica virtual auxilia os membros da Igreja Adventista a ministrar estudos bíblicos, funcionando como a dupla missionária de mais de 70 mil voluntários. Durante esse processo, a participação dos membros é fundamental, oferecendo acolhimento e suporte espiritual para os estudantes. Esse é um pequeno exemplo de como a IA pode ser utilizada na pregação do evangelho.
Pode-se questionar se esse não deveria ser o papel exclusivo dos membros adventistas e se, com isso, a missão humana não está sendo robotizada. Entretanto, é importante lembrar que essas ferramentas são apenas meios, e não vieram para substituir a missão pessoal dada a cada cristão (Mt 28:18-20), mas para potencializá-la. Por trás dessas tecnologias, há pessoas que estão usando seus dons e talentos na missão. Assim como a igreja já utiliza outros meios para alcançar pessoas, como a distribuição de livros e revistas, as novas ferramentas buscam abranger aqueles que não são alcançados pelos métodos tradicionais de evangelização.
Estamos apenas no começo da revolução da IA, e muitas coisas ainda serão lançadas. Por isso, é fundamental que adotemos uma perspectiva missionária ao avaliarmos as novas possibilidades que surgem. Devemos sempre nos perguntar: Como posso usar essa ferramenta para me preparar melhor para a pregação do evangelho? Ela permitirá realizar a missão com mais eficiência? Como posso integrá-la a uma iniciativa missionária?
Se Deus tem usado o rádio, a televisão, as redes sociais e tantos outros meios tecnológicos para alcançar pessoas, por que não utilizaria também as IAs? Com certeza, Ele as utilizará!
WILLIAM E. TIMM é pastor e coordena o evangelismo digital na Rede Novo Tempo
Este texto é uma versão resumida e adaptada do artigo intitulado “Artificial Intelligence:
Is it a blessing or a curse?”, publicado na Reflections 83 (BRI), julho-setembro de 2023, p. 1-6.
Última atualização em 28 de janeiro de 2025 por Márcio Tonetti.