Como a pioneira da igreja lidou com a onda de influenza no fim do século 19 que a obrigou a ficar em quarentena
HELIO CARNASSALE
O ano de 1891 foi marcante na vida de Ellen White. No dia 6 de fevereiro, ela escreveu uma carta à sua irmã gêmea, Elizabeth, fazendo um apelo para que entregasse a vida a Jesus. Lizzie, como era chamada, morreu em 21 de dezembro desse mesmo ano, sem que se saiba se recebeu a Cristo como Salvador (Enciclopédia Ellen G. White [Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 2018], p. 77). De 5 a 25 de março, aconteceu em Battle Creek, no estado de Michigan, a 29ª assembleia mundial dos adventistas. Durante a reunião administrativa, Ellen White, recebeu um chamado para ir à Austrália. Ela estava perto de completar 64 anos. Ao lado do filho, William C. White, a pioneira desembarcou em Sydney, no dia 8 de dezembro.
Já na Austrália, ela escreveu em 10 de julho de 1892 sobre esse chamado: “Por vezes, antes de vir da América, pensava que o Senhor não requeresse de mim ir a um país tão distante, na minha idade [64 anos], e quando me achava prostrada pela sobrecarga de trabalho. Segui, porém, a voz da Associação Geral, como sempre procurei fazer quando eu mesma não tinha toda a clareza” (Mensagens Escolhidas, v. 2 [Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 1986], p. 239). Que exemplo de fé, coragem, dedicação e submissão à igreja e sua liderança!
Durante o período em que morou em Melbourne, “Ellen ficou gravemente enferma com malária e reumatismo inflamatório […]. Nesse período, ela passou pelo ‘mais terrível sofrimento’ de sua ‘vida inteira’”, conforme registra a Enciclopédia Ellen G. White (p. 78). Mas esse fardo teve um lado alegre. Ela escreveu: “Meu Salvador parecia estar bem ao meu lado. Sentia sua santa presença em meu coração e era grata. Os meses de sofrimento foram os mais felizes de minha vida, por causa da companhia do meu Salvador” (p. 78). Mesmo sem poder explicar e entender o sofrimento, Ellen White sentiu a preciosa força vinda da presença de Jesus ao seu lado. Há muitas coisas em nossa vida que não podemos compreender. Mas essas circunstâncias podem se tornar oportunidades para perceber a especial presença do Amoroso Senhor ao nosso lado.
Nesse mesmo ano, 1892, o livro Caminho a Cristo foi publicado. Esse foi o primeiro volume preparado com a expressa intenção de Ellen White de dar mais ênfase na vida e no caráter de Cristo. Depois vieram O Maior Discurso de Cristo (1896), O Desejado de todas as nações (1898) e Parábolas de Jesus (1900). Todos preparados enquanto ela esteve na Austrália (saiba mais na Enciclopédia Ellen G. White, p. 87).
Na edição eletrônica da Advent Review do último 4 de abril, Melchor Ferreyra fez menção a uma carta escrita por Ellen White, em 13 de agosto de 1894, a Stephen N. Haskell, apresentando profunda preocupação com as pessoas que estavam morrendo por causa do vírus influenza. Ela escreveu: “Em Nova Gales do Sul, fomos provados e testados com a epidemia de gripe. Quase todas as famílias foram atingidas nas cidades e no campo. Alguns estão agora muito, muito doentes. Suas vidas estão penduradas por um fio. Oramos pelos enfermos e fizemos o que pudemos financeiramente e agora esperamos o resultado. […] Em um só dia, na semana passada, houve onze funerais. […] Fui severamente atacada e não posso participar de reuniões há quatro semanas; mas não desisti de levantar cada dia. Escrevi minha cota de páginas quase todos os dias, apesar de tossir, espirrar e sangrar pelo nariz. Quase todo mundo ao redor sofreu, mas agradeço ao Senhor por estar melhorando e tenho boa coragem no Senhor. Faremos tudo o que pudermos em nome do Senhor. […] O povo de Deus está sendo provado e testado e que Deus me conceda ser capaz de ajudá-los durante esse tempo. […] Que eu possa me apegar a Jesus com mais firmeza do que nunca” (Carta 30, 13 de agosto de 1894).
De acordo com registros e dados históricos (clique aqui), em 1889 e 1890 o mundo sofreu uma terrível pandemia do vírus influenza (H2N2) que ficou conhecida como “gripe russa”. Estima-se que ela tenha provocado a morte de aproximadamente 1 milhão de pessoas. Muito provavelmente, em 1894, Ellen White tenha enfrentado uma nova onda dessa epidemia.
De sua atitude em relação à crise que estava enfrentando, destacam-se alguns aspectos. Ela (1) não se entregou à doença, apesar de estar bastante afetada e permanecer confinada, em quarentena; (2) manteve uma atitude positiva e de coragem em meio à dor; (3) não perdeu o foco na missão, pois continuou realizando seu trabalho como escritora, mesmo sem poder sair de casa; (4) não ficou indiferente ao sofrimento das pessoas, pelo contrário, demonstrou preocupação com o que estava acontecendo; (5) expressou gratidão ao Senhor por estar melhorando; (6) não só orou, mas ajudou financeiramente aos que necessitavam e deu apoio ao povo de Deus; (7) fez da crise um motivo para se apegar mais firmemente a Jesus.
Que tremendo exemplo nos deixou Ellen White! Esses tempos têm sido muito desafiadores para a igreja e seus membros, para os líderes e para a população. Mas não permitamos que o desânimo tome conta do nosso coração. Na verdade, não há melhor remédio para qualquer onda de desgraça, do que apegar-se firmemente em Deus, manter o foco na missão, continuar servindo ao Senhor e fazer a nossa parte para diminuir o sofrimento dos que estão ao nosso redor. Esse é o papel de uma igreja relevante, servidora. Que o Senhor nos encha de coragem para não desanimarmos e que façamos desses dias tão difíceis uma ponte de oportunidade para testemunhar do grande amor de Deus.
HELIO CARNASSALE é coordenador da área de Espírito de Profecia e diretor de Assuntos Públicos e Liberdade Religiosa da sede sul-americana da Igreja Adventista
Última atualização em 24 de abril de 2020 por Márcio Tonetti.