A presença do pai

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Um relato de confiança na provisão divina

Ricardo Bentancur

Foto: Adobe Stock

Era madrugada de sexta-feira na cidade de Montevidéu, no Uruguai. Uma mulher com cerca de 40 anos, mãe de um filho de dois anos que dormia ao seu lado, começou a sentir as dores de um parto prematuro. Seu marido a havia abandonado e, sozinha, em um pequeno apartamento, apelou ao único recurso que tinha: a oração. “Senhor, salva esta criatura. Se tiveres de levar uma vida, que seja a minha. E se salvares a vida dela, eu a entregarei a Ti.”

Exausta pela dor, ela encontrou forças onde não havia. O segredo estava na intensidade de seu desejo. Ela bateu na parede do apartamento ao lado. Então, chegou uma mulher que mal conhecia e a ajudou quando a noite se fechava, quando a aurora parecia torná-la ainda mais escura.

Como o assobio de um furacão que se antecipa à costa, o gemido da parturiente se ouviu no silêncio da madrugada como um chicote. De repente, ouviu-se um choro semelhante ao assombro, que surpreende como um raio que cai em uma noite estrelada.

Essa mulher que deu à luz um filho sozinha naquele 30 de abril de 1953, com a ajuda de uma parteira desconhecida, em um pequeno apartamento de Montevidéu, é minha mãe. E aquele bebê sou eu. Relatando meu nascimento, minha mãe me disse certa vez que minha primeira respiração demorou alguns segundos, e meu choro parecia de surpresa. A vida ainda continua me surpreendendo!

A parteira desconhecida era uma enfermeira adventista do sétimo dia. Hoje, escrevo este artigo graças àquela mulher cristã que Deus colocou no apartamento 2 da rua Pedro Campbell, 1418.

O salmista escreveu: “Os Teus olhos viram a minha substância ainda informe, e no Teu livro foram escritos todos os meus dias, cada um deles escrito e determinado, quando
nem um deles ainda existia” (Sl 139:16).

Esse versículo fala da onisciência de Deus e do Seu conhecimento profundo a nosso respeito, mesmo antes de nosso nascimento, destacando Seu amor e cuidado a cada um de nós. Somos Dele desde sempre!

Sua paternidade define sua identidade

A Bíblia nos dá muitas informações sobre o Pai Celestial. Em primeiro lugar, Jesus, em Mateus 23:9, diz: “Aqui na terra, não chamem ninguém de ‘pai’, porque só um é o Pai de vocês, Aquele que está nos céus.” Isso significa duas coisas:

A paternidade não tem origem no mundo. Não se fundamenta em nenhuma autoridade da Terra, nem mesmo na biologia. Isso não significa ignorar a importância do pai biológico e afetivo. O quinto mandamento nos ensina a honrar nossos pais. A afirmação de Cristo aponta para a origem de todas as coisas: existe a paternidade na Terra porque, primeiramente, existe um Pai Celestial. Graças a Deus ser Pai, somos filhos criados à Sua imagem. A paternidade não nasce do mundo, mas do Céu.

EXISTE A PATERNIDADE NA TERRA PORQUE, PRIMEIRAMENTE, EXISTE UM PAI CELESTIAL

A importância do adjetivo “celestial”. Continuamente, a Bíblia nos convida a olhar para cima, em direção ao céu. Tiago 1:17 diz: “Toda boa dádiva e todo dom perfeito vêm lá do alto, descendo do Pai das luzes, em quem não pode existir variação ou sombra de mudança.”

Assim, nossa identidade encontra-se na condição de filho do Pai das luzes. Nossa identidade não é determinada pelas circunstâncias nem pela biologia, mas pela aceitação de nosso verdadeiro Pai.

O segredo da vida é saber que nossa identidade não é determinada pelas circunstâncias nem pela família, seja ela boa ou não. A identidade de uma pessoa está no Céu.

Sua paternidade define sua religião

Em João 15:15, Jesus afirma: “Já não chamo vocês de servos, porque o servo não sabe o que o seu senhor faz; mas tenho chamado vocês de amigos, porque tudo o que ouvi de Meu Pai Eu lhes dei a conhecer.” Nesse texto, Cristo fala de um Senhor e de um Pai. Existem duas relações distintas representadas aqui: a do servo e a do amigo.

Todas as religiões e correntes filosóficas falam da existência de Deus. Todas buscam conhecer esse Deus que consideram certo: “Porque os atributos invisíveis de Deus, isto é, o Seu eterno poder e a Sua divindade, claramente se reconhecem, desde a criação do mundo, sendo percebidos por meio das coisas que Deus fez. Por isso, os seres humanos são indesculpáveis” (Rm 1:20). Mas apenas o cristianismo fala do conhecimento de Deus por meio de uma relação de amizade com o Pai celestial. Essa relação é possível porque Jesus nos revelou o Pai. Ele é o caminho (Jo 14:6). Deus busca essa relação conosco, e a oração é o ato de Lhe abrir o coração como a um amigo.

Sua paternidade define sua oração

O Salmo 27:8-10 diz: “Ao meu coração me ocorre: ‘Busquem a minha presença.’ Buscarei, pois, Senhor, a Tua presença. Não me escondas, Senhor, a Tua face; não rejeites com ira o Teu servo. Tu és o meu auxílio; não me deixes, nem me abandones, ó Deus da minha salvação. Porque, se o meu pai e a minha mãe me abandonarem, o Senhor me acolherá.”

O salmista afirma duas coisas: (1) a oração começa com o convite de Deus; e (2) a oração é tudo o que temos, porque, quando pai ou mãe nos abandonam, ainda assim o Pai Celestial está ao nosso lado, à distância de uma oração.

A oração é uma relação pessoal originada pelo Espírito Santo em nosso coração, que inclusive dita o que devemos pedir, pois não sabemos pedir como convém. Nosso pecado nos persegue e nossa fraqueza nos mata (Rm 8:26). A oração não muda Deus, mas muda quem ora.

Se observarmos o comportamento do filho mais novo na parábola do filho pródigo (Lc 15:11-32), ficaremos profundamente desapontados conosco mesmos. Basta nos colocarmos em seu lugar para sentir vergonha da natureza humana. Aquele jovem não só desconhecia seu pai, mas também o desrespeitava em um grau alarmante. Seu aparente arrependimento nasceu do estômago vazio. Se tivesse vergonha, teria aceitado seu destino, mesmo que corresse o risco de morrer de fome. Isso teria sido mais digno. Mas não, ele voltou ao “papai” que cuidava dele, com a mesma intenção de quando vivia no lar paterno: “Dá-me de comer”. E sua ignorância sobre quem era seu pai o levou a insultá-lo com a ideia de lhe pedir: “Trate-me como um dos seus trabalhadores” (v. 19).

Essa declaração é um insulto para um pai que ama, liberta e não escraviza. O Pai não quer servos, mas amigos! Não há humildade nas palavras do pródigo, mas a profunda indignidade de quem continuava privilegiando seu estômago. De qualquer forma, e apesar da ignorância do filho, prevaleceu o amor paterno. E ele celebrou! A celebração é um símbolo da graça infinita de Deus que se derrama sobre todo pai humano honrado. Talvez, o filho pródigo e seu irmão mais velho tenham realmente conhecido seu pai quando as chuvas da graça divina caíram do Céu em plena celebração.

A consciência de nossa impureza desperta humildade, e nossa humildade nos chama à oração (cf. Is 6:5; Lc 5:8). Diante dos raios quentes e luminosos do Sol, a alma sente sede de Deus. A oração é a satisfação da sede do Pai por nós e a necessidade de saciar nossa sede Nele. Não se trata de pedir, mas de sentir. A oração é admitir diariamente perante o Pai nossa fraqueza. De nada valem as palavras. Melhor é ter um coração sem palavras do que palavras sem coração.

Conclusão

Gostaria de concluir com este pensamento: A Palavra sem oração é muda; e a oração sem Palavra é cega. Quer que a Palavra do Pai fale com você? Quer ver o Pai celestial? Onde está a Palavra de Deus? Onde pode ouvi-la? A Palavra o orienta. Observe este texto: “Vocês são a nossa carta, escrita em nosso coração, conhecida e lida por todos. Vocês manifestam que são carta de Cristo, produzida pelo nosso ministério, escrita não com tinta, mas com o Espírito do Deus vivo, não em tábuas de pedra, mas em tábuas de carne, isto é, nos corações” (2Co 3:2, 3).

Lembre-se dos momentos importantes de sua vida. Lembre-se de onde está agora. Lembre-se de como o Pai esteve ao seu lado. Depois, peça ao Pai que lhe dê um texto bíblico. Quando sair do silêncio, leia esse texto e peça-Lhe que o explique em sua vida. A Palavra de Deus entra em seu coração com a lembrança. A Palavra está em você, na sua história. A verdade nunca vem do mundo, não vem de fora. A verdade vem da sua relação com o Pai Celestial. Faça isso diariamente, cinco minutos por dia. Verá que a Palavra lhe falará de forma bela. E a Bíblia já não será um livro pesado e antigo, mas uma carta viva! 

RICARDO BENTANCUR é diretor do departamento internacional da editora Pacific Press e autor do livro Pai Nosso, da CPB

(Artigo publicado na Revista Adventista de agosto/2024)

Última atualização em 6 de agosto de 2024 por Márcio Tonetti.