A virtude de Jesus

10 minutos de leitura

A vida de Cristo é a garantia de que podemos espelhar o amor divino em todos os nossos relacionamentos

Frank M. Hasel

Crédito da imagem: Adobe Stock

“Eis o Homem!” (Jo 19:5). Talvez essas palavras descrevam tudo o que precisa ser dito. Quando se trata de exemplificar virtudes, não há pessoa melhor para se contemplar do que Jesus. Ele é o único ser humano que realmente viveu de maneira virtuosa. Por meio de Sua vida radicalmente generosa e morte plenamente sacrificial, Cristo demonstrou o amor mais lindo que o Universo já presenciou.

Nós, seres humanos decaídos, muitas vezes erramos o alvo de uma vida virtuosa e cheia de amor. Embora queiramos acreditar que somos capazes de viver em retidão se nos esforçarmos o suficiente, a verdade é que necessitamos de um poder trabalhando fora de nós para produzir as virtudes que somos incapazes de gerar.

Conquanto a filosofia humanista ensine que podemos nos tornar mais virtuosos mediante os próprios esforços, o evangelho contradiz essa teoria: “Será que o etíope pode mudar a sua pele ou o leopardo, as suas manchas? Se fosse possível, também vocês poderiam fazer o bem, estando acostumados a fazer o mal” (Jr 13:23).

Deus sabe que temos a tendência de nos sentirmos mais virtuosos do que de fato somos. Se cairmos nessa armadilha, perderemos a capacidade de enxergar a nós mesmos e aos outros de forma objetiva e esqueceremos nossa dependência de Cristo. A justiça própria inevitavelmente prejudica nossos relacionamentos com Deus, com os outros e conosco mesmos.

Jesus sabia que as pessoas que se sentem virtuosas demais correm o risco de perder de vista todo o sentido do evangelho. Foi por isso que Ele contou a seguinte história: “Dois homens foram ao templo para orar: um era fariseu e o outro era publicano. O fariseu ficou em pé e orava de si para si mesmo, desta forma: ‘Ó Deus, graças Te dou porque não sou como os demais homens, roubadores, injustos e adúlteros, nem ainda como este publicano. Jejuo duas vezes por semana e dou o dízimo de tudo o que ganho.’ O publicano, estando em pé, longe, nem mesmo ousava levantar os olhos para o céu, mas batia no peito, dizendo: ‘Ó Deus, tem pena de mim, que sou pecador!’ Digo a vocês que este desceu justificado para a sua casa, e não aquele. Porque todo o que se exalta será humilhado; mas o que se humilha será exaltado” (Lc 18:10-14).

Os fariseus encontravam seu senso de segurança se comparando com outros a fim de se sentirem moralmente superiores. Trata-se de uma armadilha que destrói a virtude cristã e corrói a fé genuína. Devemos nos lembrar constantemente do padrão que Deus usa para julgar os seres humanos. Ele não compara nosso desempenho moral com o de outras pessoas, mas com Sua lei perfeita de amor.

As Escrituras deixam claro que todos nós transgredimos a lei de Deus: “Ora, sabemos que tudo o que a lei diz é dito aos que vivem sob a lei, para que toda boca se cale, e todo o mundo seja culpável diante de Deus […], pois todos pecaram e carecem da glória de Deus” (Rm 3:19, 23).

Independentemente do quanto desejemos ser virtuosos, cada um de nós tem um histórico de pecados e uma forte atração pelo que é pecaminoso. O pecado vai além do comportamento em si, contaminando profundamente nossos pensamentos e nossas motivações. Mas nossa condição pecaminosa não assusta Jesus. Não importa quão sombrio seja nosso passado, com Cristo, há um futuro brilhante pela frente. Quando questionaram Jesus sobre por que Ele passava tanto tempo com os pecadores, Sua resposta foi: “Os sãos não precisam de médico, e sim os doentes. Não vim chamar justos, e sim pecadores, ao arrependimento” (Lc 5:31, 32).

Jesus é o grande Médico, que trabalha para nos curar e nos restaurar das consequências prejudiciais do pecado. Ele realiza essa cura sendo nossa virtude e nos capacitando com Sua virtude por meio do Espírito Santo.

NOSSA VIRTUDE

De acordo com a Bíblia, a lei de Deus exige um histórico perfeito de vida virtuosa. Assim, somos facilmente tentados a buscar ganhar, ou “merecer”, o favor divino por intermédio de nossas obras. Contudo, o mérito da criatura (a justiça proveniente de um ser humano) não é apenas algo difícil de obter, mas absolutamente impossível. Ellen White declarou de maneira muito apropriada: “Se juntássemos tudo que é bom e santo, nobre e belo no homem, e apresentássemos o resultado aos anjos de Deus, como se desempenhasse uma parte na salvação da vida humana ou na obtenção de mérito, a proposta seria rejeitada como traição. […] A ideia de fazer algo para merecer a graça do perdão é errônea do começo até o fim” (Fé e Obras [CPB, 2012], p. 19).

ALÉM DE SER NOSSO EXEMPLO, JESUS É TAMBÉM NOSSA VIRTUDE

Martinho Lutero, o célebre reformador protestante, aprendeu essa lição da maneira mais difícil. Ensinado desde a juventude que as boas obras poderiam levar ao merecimento do favor de Deus, o jovem monge se esforçou incansavelmente para se tornar virtuoso. No entanto, quanto mais lutava, menos paz encontrava. Não importava o quanto ele jejuasse, orasse e se dedicasse à obra de Deus, continuava aterrorizado por uma sensação assustadora da própria condição pecaminosa. Até que, certo dia, Deus revelou a beleza do evangelho àquele jovem angustiado. Ao subir de joelhos a escada romana scala sancta (um ato de penitência que se acreditava ser capaz de absolver os pecados), Lutero recebeu uma forte impressão do Espírito Santo. As palavras de Romanos 1:17 foram indelevelmente marcadas em sua mente: “O justo viverá por fé.” Esse foi o ponto de virada em sua experiência. O monge se levantou, afastou-se da escada e deu início à sua obra transformadora de compartilhar a mensagem da justificação pela fé. Martinho Lutero descobriu que Jesus era sua virtude.

A palavra virtude pode ser usada de formas diferentes. Frequentemente é utilizada para descrever um comportamento moral ou uma qualidade de caráter; por exemplo, a virtude da humildade. Mas o termo também pode ser empregado para explicar a razão de algo. Por exemplo: “Em virtude do fato de Cristo sempre ter sido humilde e em virtude do fato de que Sua justiça me foi imputada, Deus me trata como se eu sempre tivesse sido humilde”. Os desdobramentos da justiça de Cristo são surpreendentes:

 Em virtude do fato de Jesus sempre ter sido grato, Deus credita a mim essa virtude, muito embora diversas vezes eu acabe dando lugar ao descontentamento.

• Em virtude do fato de Jesus sempre ter sido paciente, Deus vê meu registro através dessa lente, apesar de meu histórico de impaciência.

• Em virtude do fato de Jesus ter cumprido a lei com perfeição, Deus me trata como se eu nunca tivesse desobedecido, muito embora eu já tenha falhado inúmeras vezes.

A bela notícia do evangelho é que Jesus, além de ser nosso exemplo, é também nossa virtude. De acordo com o apóstolo Paulo, Jesus “Se tornou para nós, da parte de Deus, sabedoria, justiça, santificação e redenção” (1Co 1:30). Cristo Se tornou nossa virtude!

Que alívio saber que “há virtude no sangue de Cristo” (Ellen G. White, Manuscript Releases, v. 17, p. 1.251). Ao se afastar daquelas coisas que jamais serão capazes de satisfazer verdadeiramente seus anseios e depositar a fé no sacrifício de Jesus, “a justiça de Cristo se revelará como nossa justiça, a virtude de Cristo como nossa virtude” (Mensagens Escolhidas [CPB, 2022], v. 1, p. 279).

Com isso em mente, analisemos brevemente a vida de Cristo, reconhecendo com gratidão que cada virtude que Ele praticou foi cultivada em nosso favor. Por ser nosso Substituto e Salvador, toda a vida de Jesus foi uma manifestação de amorosa virtude.

VIDA VIRTUOSA

Jesus era um pensador virtuoso. Ele amava a Deus de todo o coração e de toda a mente (Mt 22:37). Também era amigável, e Seus olhos emanavam um calor que atraía até mesmo as crianças (Mt 19:14). Cristo era gentil (Tt 3:4) e “inclinava-Se com a mais afetuosa consideração para todo membro da família de Deus” (Ellen G. White, O Desejado de Todas as Nações [CPB, 2021], p. 276).

Jesus era compassivo. Ele amava os desprezados pela sociedade (Jo 4:7-30). Além disso, Seu coração era tocado pelas enfermidades das pessoas (Mc 10:46-52; Jo 5:2-17; Mt 9:36). Cristo era misericordioso. Oferecia graça e poder aos que estavam presos na armadilha do pecado e da vergonha (Jo 8:1-11). Também era consolador. Transmitia esperança aos tristes e confortava aqueles que estavam em sofrimento (Mc 5:22-43; Lc 8:41-56).

Jesus era paciente. Não desistia daqueles que demoravam a crer (Lc 24:15-32). Ele era gentil. “Ele tinha tato e prestava bondosa atenção ao interagir com as pessoas” (Ellen G. White, Caminho a Cristo [CPB, 2020], p. 12).

Jesus era corajoso. Não permitia que o medo ou a dúvida O desviassem de Sua missão, mas revelava uma autoridade que os líderes religiosos de Seus dias não possuíam (Mc 1:22; Lc 4:32). Ele era honesto. Falava verdades emancipadoras que libertavam as pessoas (Jo 8:32).

Jesus era cortês. Ele se preocupava não só com os marginalizados da sociedade, mas também com os ricos e influentes (Lc 19:2-10). Ademais, empoderava as pessoas. Confiou Sua importante missão a um grupo heterogêneo de pescadores e cobradores de impostos. Além disso, tratava as mulheres com respeito, mesmo quando a cultura não as valorizava. Jesus era manso. Ele não buscava fama nem Se promovia (Jo 4:2).

Jesus era obediente. Quando criança, Ele Se submeteu voluntariamente a Seus pais piedosos (Lc 2:22, 42-52). Cristo era fiel. Sempre obedecia à vontade de Deus e à Sua Palavra (Jo 6:38; Mt 4:4). Ele era grato. Aceitou de bom grado a vida que o Pai havia Lhe dado, embora tenha enfrentado a pobreza e não tivesse “onde reclinar a cabeça” (Lc 9:58).

Jesus foi um guerreiro de oração. Muitas vezes, Ele Se levantou bem cedo para orar e clamou fervorosamente por aqueles que Lhe causavam dor (Mc 1:35; Lc 23:34). Cristo era um bom administrador de Seu tempo. Evitava distrações para cumprir Sua missão (Jo 17:4). Também praticava o descanso. Observava o sábado e descansava consistentemente no amor e cuidado do Pai (Lc 4:16; Mc 6:30-32).

Jesus era humilde. “Mesmo existindo na forma de Deus, não considerou o ser igual a Deus algo que deveria ser retido a qualquer custo. Pelo contrário, Ele Se esvaziou, assumindo a forma de servo, tornando-Se semelhante aos seres humanos. E, reconhecido em figura humana, Ele Se humilhou, tornando-Se obediente até a morte, e morte de cruz” (Fp 2:6-8).

Jesus era pacificador. Não retaliou quando foi ridicularizado (Lc 23:39-41; 6:28), mas encontrou forças para perdoar aqueles que O maltrataram. Ele era virtuoso. “Virtude – o poder curativo do amor – saía Dele para os enfermos e aflitos” (O Desejado de Todas as Nações, p. 65). Jesus foi, é e sempre será amor. Sua vida, morte e ressurreição revelaram uma qualidade de amor que o mundo nunca tinha visto antes, um amor mais forte que todas as forças do pecado e da morte.

O DESEJO MAIS PROFUNDO DE DEUS É NOS FORNECER TANTO O AMOR DE QUE NECESSITAMOS RECEBER QUANTO O AMOR QUE PRECISAMOS DAR

É impossível expressar plenamente a beleza das virtudes de Cristo. É por isso que o apóstolo João encerrou seu evangelho com as seguintes palavras: “Há, porém, ainda muitas outras coisas que Jesus fez. Se todas elas fossem relatadas uma por uma, penso que nem no mundo inteiro caberiam os livros que seriam escritos” (Jo 21:25).

Ao ponderar sobre a vida e o amor de Jesus, nos enchemos de um senso de admiração. Nosso coração se aquece com as boas-novas do evangelho, as boas-novas de que todas as virtudes de Cristo, toda Sua justiça e toda Sua aceitação pelo Pai nos foram gratuitamente estendidas por meio do dom da salvação. Ele é nossa virtude.

VIRTUDE QUE TRANSFORMA

O perdão de Cristo é doce, mas as boas-novas não param aí. Além do perdão, necessitamos de restauração e também de renovação; precisamos de força para viver a vida virtuosa para a qual fomos projetados. Jesus quer que vivamos em harmonia com os princípios do amor.

Todos nós temos o desejo intenso de ser valorizados e amados. Esse anseio é profundo e constante: “O que se deseja ver num homem é amor perene” (Pv 19:22, NVI). Nada na Terra impacta mais nosso bem-estar e nossa felicidade do que a qualidade de nossas relações interpessoais. A capacidade de conhecer e ser conhecido, de amar e ser amado, está no cerne da identidade humana. Fomos criados à imagem do Amor, pelo Amor e para o Amor.

Além disso, uma vez que Ele nos criou dessa forma, o desejo mais profundo de Deus é nos fornecer tanto o amor de que necessitamos receber quanto o amor que precisamos dar. Cristo revela Seu rico amor por nós de inúmeras maneiras e também coloca pessoas em nossa vida para amarmos (e por quem seremos amados). A fim de resguardar essas relações, carecemos das graças da virtude cristã. As virtudes fazem os relacionamentos prosperarem, abrindo caminho para as conexões mais ricas e satisfatórias possíveis.

Em última instância, uma vida virtuosa tem tudo que ver com cumprir os dois maiores mandamentos, que, segundo Jesus, são: “ame o Senhor, seu Deus, de todo o seu coração, de toda a sua alma e de todo o seu entendimento” e “ame o seu próximo como você ama a si mesmo”
(Mt 22:37-39).

Jesus sabe que não podemos viver virtuosamente ou amar de maneira adequada por conta própria. É por isso que Ele nos oferece Sua virtude viva. A Bíblia promete que aqueles que confiam em Cristo recebem o dom do Espírito Santo (Ef 1:13). O Senhor está ávido para dar esse presente àqueles que Lhe pedem (Lc 11:13). Ao meditar no amor de Deus e em Sua Palavra, confiando Nele como nossa Justiça, o Espírito Santo trabalha para manifestar as virtudes ativas de Cristo em nossa vida. Esse lindo mistério é o que o apóstolo Paulo chamou de “Cristo em vocês, a esperança da glória” (Cl 1:27). Nas palavras de Ellen White: “O Espírito Santo é o sopro da vida espiritual na alma. A comunicação do Espírito é a transmissão da vida de Cristo. Ele reveste com os atributos de Cristo aquele que O recebe” (O Desejado de Todas as Nações, p. 645). Qual é nosso papel nessa bela interação? Permanecer em Cristo!

Deus deseja manifestar, por seu intermédio, a santidade, a benevolência e a compaixão do caráter Dele. Contudo, o Salvador não ordena que Seus discípulos trabalhem para produzir frutos. Em vez disso, Ele os orienta a permanecer Nele. “Se permanecerem em Mim”, disse Jesus, “e as Minhas palavras permanecerem em vocês, pedirão o que quiserem, e lhes será feito” (Jo 15:7). É por meio da Palavra que Cristo habita em Seus seguidores. Trata­-se da mesma união vital representada por comer de Sua carne e beber de Seu sangue. As palavras de Cristo são espírito e vida. Ao recebê-las, você recebe a vida da Videira. Passa a viver “de toda palavra que procede da boca de Deus” (Mt 4:4). “A vida de Cristo em você produz os mesmos frutos que produz Nele. Vivendo em Cristo, aderindo a Ele, sendo sustentado por Ele, e Dele tirando a nutrição, você dará frutos segundo a Sua semelhança” (O Desejado de Todas as Nações, p. 677).

Talvez, a mais bela descrição da virtude cristã seja encontrada nestas palavras célebres do apóstolo Paulo: “Ainda que eu fale as línguas dos homens e dos anjos, se não tiver amor, serei como o bronze que soa ou como o címbalo que retine. Ainda que eu tenha o dom de profetizar e conheça todos os mistérios e toda a ciência; ainda que eu tenha tamanha fé, a ponto de transportar montes, se não tiver amor, nada serei. E ainda que eu distribua todos os meus bens entre os pobres e ainda que entregue o meu próprio corpo para ser queimado, se não tiver amor, isso de nada me adiantará. O amor é paciente e bondoso. O amor não arde em ciúmes, não se envaidece, não é orgulhoso, não se conduz de forma inconveniente, não busca os seus interesses, não se irrita, não se ressente do mal. O amor não se alegra com a injustiça, mas se alegra com a verdade. O amor tudo sofre, tudo crê, tudo espera, tudo suporta. O amor jamais acaba” (1Co 13:1-8).

As recompensas da virtude cristã são inestimáveis. Valem muito mais do que qualquer riqueza que sua busca possa custar, porque o amor nunca falha.

FRANK M. HASEL é diretor associado do Instituto de Pesquisa Bíblica da sede mundial da Igreja Adventista do Sétimo Dia

Este artigo foi publicado originalmente em Perspective Digest, v. 28, nº 4, outubro de 2023, e reproduzido na Revista Adventista de dezembro/2023.

LEIA TAMBÉM:

Última atualização em 12 de dezembro de 2023 por Márcio Tonetti.