Aprendendo com o Mestre

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Lições de Lucas 24 para aumentar a efetividade dos estudos bíblicos

André Vasconcelos

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“Todo verdadeiro trabalho educativo ­centraliza-se no Mestre enviado por Deus”, disse Ellen White (Educação [CPB, 2021], p. 57). Como o Deus encarnado que veio ao mundo para instruir e salvar a humanidade, Jesus Se tornou o paradigma da educação e do discipulado cristão. Suas parábolas, Seus diálogos e sermões são pérolas de sabedoria celestial que precisam ser constantemente buscadas por aqueles que desejam alcançar e educar pessoas para o reino de Deus. Sim, a obra daquele que ensina a Bíblia se assemelha à de um professor, já que ele deve ajudar o aluno a ampliar seu conhecimento e colocá-lo em prática.

Com isso em vista, este artigo se propõe a analisar o texto de Lucas 24:13 a 43, no qual se pode dizer que Jesus “deu um estudo bíblico” para dois discípulos a caminho de Emaús, pequeno vilarejo localizado a aproximadamente 10 quilômetros de Jerusalém (v. 13). O objetivo desta análise é extrair princípios da pedagogia de Jesus que auxiliem o processo de discipular pessoas por meio do ensino da Bíblia.

O RELATO BÍBLICO

O evangelho de Lucas nos diz que, depois da crucifixão de Cristo, os dois discípulos que caminhavam em direção a Emaús conversavam entre si. Eles estavam tristes pelo que havia acontecido em Jerusalém. Pensavam que Jesus seria o prometido rei que libertaria a nação judaica do jugo estrangeiro (v. 21). Nesse contexto, o verso 15 informa ao leitor que o próprio Jesus Se aproximou dos discípulos, mas eles não O reconheceram; seus olhos estavam encobertos para a verdade (v. 16).

Como um instrutor bíblico de sucesso, a primeira coisa que Jesus fez foi uma pergunta: “O que é que vocês estão discutindo pelo caminho?” (v. 17). Cabisbaixos, os dois pararam, e Cleopas, um deles, respondeu: “Será que você é o único que esteve em ­Jerusalém e não sabe o que aconteceu lá, nestes últimos dias?” (v. 18).

Depois de fazer outra pergunta e ouvir a opinião dos discípulos, Jesus os repreendeu pela dureza de coração. Ele, então, passou a lhes ensinar tudo o que a Bíblia dizia sobre a missão e a identidade do Messias, desde os livros de Moisés até a literatura profética (v. 25-27). Em outras palavras, Cristo apresentou a eles uma visão geral do papel do Messias segundo as Escrituras hebraicas, isto é, o Antigo Testamento.

O relato bíblico ainda diz que, ao se aproximarem da pequena cidade, os discípulos insistiram para que Jesus não continuasse a viagem, mas parasse com eles, pois já era quase noite (v. 28, 29). Cristo atendeu ao pedido e aceitou a hospitalidade. Quando estavam à mesa, Ele abençoou o pão, partiu-o e deu a eles. Naquele momento, os olhos dos dois discípulos se abriram, espiritualmente falando, e Jesus desapareceu repentinamente (v. 30, 31).

Maravilhados com o que haviam acabado de presenciar, os discípulos disseram: “Não é verdade que o coração nos ardia no peito, quando Ele nos falava pelo caminho, quando nos explicava as Escrituras?” (v. 32). Imediatamente, voltaram a Jerusalém e foram ao encontro dos onze apóstolos e do grupo de discípulos que estava com eles, a fim de lhes dizer que haviam reconhecido Jesus enquanto Este abençoava e partia o pão (v. 33-35).

O MÉTODO DE CRISTO

Esse breve relato revela algumas características da pedagogia de Jesus, o maior instrutor bíblico que já existiu. Nessa caminhada em direção a Emaús, Jesus usou as experiências anteriores dos dois discípulos para construir conhecimento, fez perguntas abertas para orientar a conversa e incorporou uma abordagem integral, a fim de abranger conhecimento e experiência. Seguindo o exemplo do Mestre, aqueles que estão dispostos a ensinar a Bíblia podem usar esses métodos ao interagir com os alunos e interessados durante todo o processo de aprendizagem. Vejamos cada uma dessas abordagens a seguir:

Construa o conhecimento

Jesus poderia ter revelado Sua identidade aos discípulos no caminho de Emaús, mas decidiu construir conhecimento a partir do que eles já sabiam e haviam vivenciado. O Mestre pediu aos dois que expressassem sua perspectiva sobre o que havia ocorrido em Jerusalém (v. 19-24) antes de acrescentar novas informações ao conhecimento que eles tinham (v. 25-27). Jesus deixou os discípulos falarem o que pensavam antes de corrigir suas perspectivas equivocadas sobre a missão do Messias.

Ao falar sobre esse processo de aprendizado, Ellen White comentou: “Sempre que for possível, toda palestra importante deve ser seguida de um estudo bíblico. Então, os pontos apresenta­dos podem ser ajustados, perguntas podem ser feitas e ideias corretas incutidas. Deve-se consagrar mais tempo a educar pacientemente as pessoas, dando-lhes oportunidade de se expressarem. É de instrução que as pessoas necessitam […]. Deve ser dada oportunidade a todos de falar de suas perplexidades, que certamente existirão” (Evangelismo [CPB, 2023], p. 107, itálico acrescentado).

Em direção a Emaús, Jesus usou as experiências dos dois discípulos para construir conhecimento, fez perguntas abertas para orientar a conversa e incorporou uma abordagem integral, a fim de abranger conhecimento e experiência

Portanto, antes de transmitir a mensagem da Palavra de Deus ao aluno, o instrutor bíblico deveria propiciar um ambiente em que o estudante da Bíblia seja levado a expressar seu ponto de vista, a fim de ajudá-lo a tirar as próprias conclusões em um processo de autoaprendizagem.

Faça perguntas abertas

A segunda estratégia usada por Jesus foram as perguntas abertas. Ele demonstrou que essa é uma das formas mais efetivas de construir o conhecimento. Sonia Krumm, em seu livro sobre pedagogia e o ensino da Bíblia, observou que “o tipo e a qualidade das perguntas que o professor [neste caso, o instrutor] faz se refletem diretamente no tipo e na qualidade do aprendizado do aluno” (Pensar, Sentir y Hacer [Editorial Universidad Adventista del Plata, 2015], p. 76). Para a autora, uma das características das boas perguntas é a capacidade de gerar outras perguntas (ibid.). Vale destacar que é justamente isso que encontramos no relato de Lucas, no qual o diálogo entre Jesus e os discípulos se deu principalmente por meio de questionamentos (v. 16-19, 26).

Além disso, “uma boa pergunta costuma estar ligada a outra pergunta que deriva da resposta à primeira” (ibid.), como de fato ocorre na passagem de Lucas. As perguntas feitas por Jesus estavam encadeadas em uma sequência lógica, levando os discípulos a expressar sua visão sobre o que havia acontecido recentemente em Jerusalém. Aquelas perguntas não foram vagas nem apáticas; ao contrário, foram precisas e sensíveis, abalando profundamente as emoções daqueles discípulos.

Como Ellen White observou, “depois de um breve discurso, mantenham-se dispostos, a fim de poderem dar um estudo bíblico sobre os pontos tratados, observando o povo por meio de perguntas. Vão diretamente ao coração de seus ouvintes, insistindo com eles para que apresentem suas dificuldades, para que vocês possam explicar as Escrituras que eles não com­preendem” (Evangelismo, p. 108, itálico acrescentado).

Use uma abordagem integral

Outra característica marcante do método utilizado por Jesus é Sua abordagem integral, que mistura a exposição do conteúdo com a experiência. Os olhos dos “estudantes” se abriram aos ensinamentos do Mestre justamente quando os discípulos ficaram impressionados com a forma de Jesus partir e abençoar o pão. Isso nos mostra que a forma como o instrutor conduz o estudo é tão importante quanto o conteúdo.

Os membros da igreja se recordam com carinho de seus instrutores não apenas pelo que aprenderam nos estudos bíblicos, mas também pelo jeito de ser desses discipuladores

Os membros da igreja se recordam com carinho de seus instrutores não apenas pelo que apreenderam nos estudos bíblicos, mas também pelo jeito de ser desses discipuladores. Se aqueles que ministram estudos bíblicos desejam influenciar a vida de seus alunos, devem aproveitar todas as oportunidades para deixar uma marca em seu coração e sua mente. Ellen White destacou que o exemplo dos discipuladores afeta a mensagem que eles comunicam: “Ao sobrevir uma crise na vida de qualquer pessoa, quando tentamos dar conselho ou advertência, nossas palavras somente terão o peso e a influência para o bem de acordo com o nosso exem­plo e espírito. Precisamos ser bons para podermos fazer o bem. Não nos será possível exercer uma influência transformadora sobre outros enquanto nosso coração não se houver tornado humilde, refinado e brando por meio da graça de Cristo” (Evangelismo, p. 319).

Voltando ao relato bíblico, é digno de nota que a “abertura” dos olhos dos discípulos (v. 31) responda a “explicação” das Escrituras (v. 32). Curiosamente, o verbo traduzido como “explicar”, do grego dianoigo, significa literalmente “abrir”, e é o mesmo usado no verso 31. Isso quer dizer que, antes de compreender o que as Escrituras ensinavam, os dois discípulos foram impactados por Jesus. Ou seja, de acordo com o exemplo de Cristo, é a experiência real com Deus, por meio de Sua graça preveniente, que torna possível ao aluno absorver espiritualmente o conteúdo ensinado pelo instrutor bíblico.

CONCLUSÃO

Depois de revisar a passagem de Lucas 24:13 a 43 e analisar algumas das principais características da abordagem pedagógica de Jesus nessa passagem, pelo menos três lições podem ser destacadas para aqueles que se dedicam a espalhar as sementes da verdade ministrando estudos bíblicos. Em primeiro lugar, o instrutor bíblico deve levar os interessados a construir o conhecimento a partir das próprias experiências e incentivá-los nesse processo de autoaprendizagem. Em segundo lugar, como demonstrado por Jesus, uma das melhores maneiras de construir conhecimento é por meio de perguntas. Afinal, a qualidade das perguntas terá impacto na qualidade da aprendizagem. Em terceiro lugar, o exemplo e as experiências do instrutor são tão importantes para o processo de ensino e aprendizagem quanto o conteúdo que ele ou ela comunicam no estudo bíblico.

Dar estudos bíblicos é um ministério sagrado, e aqueles que investem parte de seu tempo nessa tarefa podem obter novos insights sobre a abordagem pedagógica de Jesus por meio da contemplação de Suas interações com os discípulos. O estudo e o ensino diligente das Escrituras, combinado com a obra do Espírito de Deus, fornecerão uma visão ampliada desse solene chamado.

ANDRÉ VASCONCELOS é editor de livros na Casa Publicadora Brasileira

(Texto publicado na Revista Adventista de maio/2023)

Última atualização em 30 de maio de 2023 por Márcio Tonetti.