Atenção e sensibilidade

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Como ministrar aos corações feridos

Nikolaus Satelmajer

Foto: Adobe Stock

O casal estava ansioso pelo nascimento de seu primeiro filho. O parto foi bem-sucedido, e todos ficaram alegres. Poucos dias depois, pai, mãe, alguns parentes próximos e eu estávamos em um cemitério, olhando para um pequeno caixão. A criança havia morrido. A tristeza tomou o lugar da alegria. O que dizer aos pais? Li versos da Bíblia, orei e fiquei com eles.

Em outra ocasião, uma estudante da Inglaterra veio aos Estados Unidos para fazer uma pós-graduação. Durante o período de Natal, ela foi a Nova York passar as férias com alguns jovens de nossa igreja. Numa noite de sábado, o grupo estava angariando fundos para projetos comunitários, quando, ao atravessar a rua, ela foi atropelada. Infelizmente, poucas horas depois, a jovem veio a falecer.

Era meu primeiro ano de ministério, e o funeral da jovem era o primeiro que eu oficiava como pastor. Enquanto lia uma passagem bíblica, a mãe aflita, com lágrimas no rosto, aproximou-se e ajoelhou-se ao lado do caixão. Parei de ler e fiquei ao lado dela.

O que dizer para aquela mãe? “Confie em Deus, tudo ficará bem”? Não disse nada, só fiquei ao lado dela. O que você teria feito? Você teria dito algo? Desde aquele dia, sempre que vou a Londres penso naquela jovem. Penso na mãe dela e ainda não tenho nada a dizer. Aceito a realidade de sua morte e espero por sua ressurreição, mas não entendo por que isso aconteceu.

De fato, não podemos escapar da passagem bíblica que proclama: “Deus meu, em Ti confio” (Sl 25:2). O que significa confiar em Deus? Como podemos confiar Nele quando a dor nos oprime? Como encorajamos outros a confiar quando estamos lutando para fazer isso?

Reconheça suas limitações

As palavras são uma ferramenta essencial, e muitas vezes nos sentimos compelidos a dizer algo. Como ministramos àqueles que estão passando por uma dor profunda? O que dizemos a eles? Como podemos ajudá-los a confiar em Deus quando Ele parece estar longe? Às vezes podemos sentir necessidade de falar, mesmo quando não devemos. Contudo, é preciso evitar palavras que não ajudarão ou poderão até ferir.

Evite palavras vazias. O livro de Jó começa com uma lista de desastres inacreditáveis. O patriarca ficou arrasado. Ele “passou a falar e amaldiçoou o dia do seu nascimento (Jó 3:1). Em determinado momento, afirmou: “Não tenho descanso, não tenho sossego, não tenho repouso; só tenho inquietação” (v. 26).

Seus amigos sentiram a necessidade de dizer algo. “Qualquer coisa”, eles pensaram, “seria melhor do que o silêncio!” Elifaz, então, começou a falar e, entre outras coisas, disse a Jó: “Pense bem: será que algum inocente já chegou a perecer? E onde os retos foram destruídos?” (Jó 4:7).

Elifaz se sentiu compelido a falar, mas o que ele fez? Suas palavras confortaram Jó? Paul Gibbs escreveu: “Elifaz tenta construir um castelo de consolação para Jó” (Paul T. Gibbs, Job and the Mysteries of Wisdom [Nashville, TN: Southern Publishing Association, 1967], p. 79) Entretanto, construiu um castelo de areia que desmoronou imediatamente. Ou, como Edwin e Margaret Thiele afirmaram, “Elifaz, o protótipo do visitante de hospital que tem boas intenções, mas diz as palavras erradas, espera impacientemente pela chance de contar a Jó por que tudo aconteceu” (Edwin e Margaret Thiele, Job and the Devil [Boise, ID: Pacific Press, 1988)], p. 43). Elifaz provavelmente se sentiu melhor porque fez alguma coisa. “Dizer algo”, ele pode ter raciocinado, “era melhor do que o silêncio”. Para Jó, no entanto, as palavras de Elifaz apenas trouxeram mais dor.

O Novo Testamento também ilustra a influência das palavras. A transfiguração, conforme narrada pelos escritores dos evangelhos, foi um acontecimento extraordinário para os três discípulos que estavam com Jesus. Dois deles ficaram sem palavras, mas como Tom Wright traduz, “Pedro precisava dizer alguma coisa” (Mt 17:4, New Testament for Everyone). Ou, como Lucas escreveu: “Pedro não sabia o que estava dizendo” (Lc 9:33). Quando estamos com alguém que está passando por uma experiência dolorosa, nossas palavras bem-intencionadas nem sempre ajudam. Quando não sabemos o que dizer, é melhor ficar calado. Se tivermos que falar algo, talvez o mais apropriado seja dizer: “Sinto muito”.

Não diga que você sabe o que as pessoas estão experimentando. Os pastores querem se identificar com a pessoa que está sofrendo ou passando por uma experiência dolorosa. É tentador dizer a ela que passamos por algo semelhante, mas precisamos reconhecer que cada experiência é única. A pessoa pode ter nos contado apenas uma parte da história porque outros detalhes são muito dolorosos ou porque ela não nos conhece bem o suficiente para dizer tudo.

Não tente explicar o que está ocorrendo. Somos tentados a querer explicar por que algo aconteceu ou alguém está passando por grandes desafios pessoais. O que você diria aos pais de uma criança que nasceu com graves problemas de saúde? Ou o que dizer a um filho que perdeu os pais vitimados pela Covid-19? Você vai dizer a eles que é por causa do pecado? Embora isso seja verdade, essas palavras não respondem às perguntas mais profundas nem faz com que a dor desapareça. Seja qual for a resposta que dermos, outras perguntas estarão esperando para ser feitas. Nossas explicações costumam trazer mais perguntas.

Jesus, nosso Senhor e Salvador, nosso amigo Sofredor, clamou: “Deus meu, Deus meu, por que Me desamparaste?” (Mt 27:46). Foi assim que Jesus Se sentiu naquele momento, e é por isso que usou as palavras de Davi no Salmo 22:1. Somos tentados a dizer àquele que clama: “Tudo ficará bem!” E, finalmente, ficará. Mas, naquele momento de desespero, sentir-se abandonado é mais forte do que ter confiança. Foi assim que Jesus Se sentiu. É assim que os outros podem se sentir também.

Ouça e compartilhe

Embora seja importante não fazer ou dizer certas coisas, devemos ministrar às pessoas. Situações e pessoas são diferentes, e cada pastor é único. No entanto, precisamos ministrar às pessoas que estão passando por dores. Abaixo apresento algumas sugestões:

Desenvolva uma relação de confiança. Havia um homem que era uma personalidade do rádio, e seu rosto estava em outdoors em toda a cidade de Nova York. Vários anos antes, ele havia participado em nossa igreja do curso “Como Deixar de Fumar” e, depois disso, começou a nos ajudar contando sua história a novos grupos do projeto. Nós conversávamos regularmente sobre situações da vida. Ele imaginava que Deus era uma “equação matemática perfeita” impessoal. Certa noite, porém, esse homem me disse que sua esposa estava passando por uma grave cirurgia, e que sua imagem de um Deus impessoal não era suficiente para consolá-lo diante da crise. A essa altura, nosso relacionamento havia se desenvolvido tanto que me senti confortável em sugerir que orássemos. E assim fizemos. Após a oração, ele disse que queria me pedir para orar, mas não sabia como fazê-lo. Ter a oportunidade de orar com ele só foi possível por causa da amizade que tínhamos.

Quando estamos com alguém que está passando por uma experiência dolorosa, nossas palavras bem-intencionadas nem sempre ajudam. Quando não sabemos o que dizer, é melhor ficar calado

Nosso ministério é mais efetivo quando dedicamos tempo para desenvolver relacionamentos com aqueles a quem ministramos. É por isso que a visitação e outros contatos são importantes. Como resultado, membros e visitantes adquirem confiança em nós e, finalmente, podemos ajudá-los a confiar em Deus.

Ouça. Ouvir é fundamental, e isso envolve mais do que apenas ouvir palavras. Esteja ciente de que expressões faciais, postura, movimentos dos olhos, ações e reações também são importantes no processo de comunicação.

Pediram-me que voltasse a uma igreja que havia pastoreado alguns anos antes e dirigisse o funeral do primeiro ancião. Quando cheguei ao velório, vi a esposa do ancião sentada perto do caixão. O que dizer a ela? Sentei-me ao seu lado e nenhum de nós disse nada. Depois de um tempo, ela disse: “O que vou fazer sem ele?” Meu silêncio lhe enviou uma mensagem poderosa, e então ela estava pronta para falar.

Reconheça a realidade da dor. Dizer a uma pessoa que está passando por uma crise no casamento: “Lamento muito que você esteja passando por isso” é mais eficaz do que dizer “eu sei o que você está passando”. Quer seja divórcio, morte de um ente querido, perda de um emprego ou outra crise pessoal, o pastor não pode sentir a dor como a pessoa a experimenta. A dor é uma experiência singular.

Compartilhe as Escrituras. A Bíblia reconhece a realidade das lutas que enfrentamos e nos dá esperança. As pessoas que estão passando por um problema encontrarão conforto nas Escrituras, e devemos compartilhar com elas textos bíblicos de encorajamento. O que a Bíblia não faz, entretanto, é responder a todas as nossas perguntas. O que podemos responder a um pai cujo filho recém-formado em Medicina acabou de morrer, vítima do coronavírus? Podemos mostrar passagens bíblicas que nos dizem que é por causa do mal.

Mas por que o mal entrou no mundo? Podemos apontar outros textos, mas cada resposta traz apenas outro “por quê?” Compreensivelmente, nos concentramos nos “porquês”. As Escrituras, por sua vez, focalizam o “como” Deus nos resgata.

A Bíblia não responde a todas as perguntas que temos. Ela reconhece a existência do mal e da dor. Diz-nos para admitir essa realidade e que, ao mesmo tempo, Deus fornece um plano de resgate. Assim que o Universo for restaurado ao seu estado original, o Senhor responderá às nossas perguntas e, então, e somente então, entenderemos algumas situações pelas quais passamos. Até lá, confiamos no plano de Deus. Essa é a mensagem que precisamos compartilhar.

Ore com elas e por elas. Reserve um tempo para perguntar às pessoas em luto se você pode orar com elas e avise-as de que estarão em suas orações. Isso vai levar-lhes conforto e dar ao Senhor uma oportunidade para falar ao seu coração sobre aquilo que Ele deseja que você faça por elas.

Guilherme Miller, que cedo em sua vida não acreditava em um Deus pessoal, tornou-se um estudante da Bíblia e seguidor de Jesus. Ele pregou muitos sermões convidando pessoas a aceitar a Cristo. Seu apelo era “voe, voe em busca de socorro à arca de Deus, a Jesus Cristo, o Cordeiro que uma vez foi morto” (William Miller, Evidence From Scripture and History of the Second Coming of Christ: About The Year 1843; Exhibited in a Course of Lectures [Boston, MA: Joshua V. Himes, 1842], p. 174).

Por causa de sua pregação e da pregação de outros colegas, grande número de pessoas também acreditou no retorno literal de Cristo entre 1843 e 1844. Mas Jesus não veio quando eles esperavam. Muitas pessoas, incluindo Miller, ficaram arrasadas. Algumas abandonaram a fé e não mais confiaram no Senhor. Miller, no entanto, não teve sua fé destruída. Ele ainda confiava em Deus, e expressou essa profunda confiança construindo uma capela ao lado de sua casa, onde ele, sua família e alguns amigos adoravam ao Senhor. Na parede atrás do púlpito dessa capela estão as palavras: “Porque no tempo designado será o fim.”

Quando temos um relacionamento assim com Deus, podemos ministrar aos outros e encorajá-los a confiar Nele. Assim, aqueles a quem ministramos irão confiar “em Deus assim como uma criança confia em um amoroso pai” (Ellen G. White, O Maior Discurso de Cristo [Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 2016], p. 101). A confiança é mais forte do que as calamidades que experimentamos. A confiança não fornece todas as respostas, mas permite-nos seguir em frente e estar ao lado de quem precisa de nós.

NIKOLAUS SATELMAJER é editor jubilado da revista Ministry

(Artigo publicado na edição de julho-agosto da revista Ministério)

Última atualização em 21 de julho de 2021 por Márcio Tonetti.