Colonialismo e cristianismo

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Uma análise crítica

Boubakar Sanou

Foto: Lightstock

Ao longo dos séculos 19 e 20, a maior parte do mundo sofreu grande impacto causado pelo colonialismo. Embora não praticado somente por nações europeias, este artigo enfoca o colonialismo ocidental, podendo também ser aplicado a outros contextos. O que talvez não seja do conhecimento da maioria é que os missionários cristãos, às vezes, foram parceiros do processo colonial. Tanto o colonialismo quanto os missionários foram considerados responsáveis pelo avanço das sociedades. No entanto, algumas das formas como os dois trabalharam juntos são preocupantes.

PERSPECTIVAS DO COLONIALISMO

Durante o colonialismo, as nações ocidentais tomaram terras, artefatos e recursos de outras nações, impondo-lhes seu idioma e sua cultura. No início do século 16, os europeus levaram sua cultura para as Américas, Austrália e regiões da África e da Ásia (link.cpb.com.br/b0e66a). O colonialismo europeu tem sido defendido e criticado. Quando as nações ocidentais começaram suas conquistas de expansão, apresentaram vários argumentos para que suas ações parecessem razoáveis.

O argumento mais popular foi o da “responsabilidade do homem branco”. Declaravam que era dever da raça branca “superior” civilizar e elevar as raças “inferiores”. O colonialismo era visto como uma das melhores maneiras de levar a civilização e o progresso político, econômico e social aos povos atrasados. Ainda hoje, alguns dizem que devemos valorizar o que o colonialismo levou para os países colonizados. Eles insistem que esses supostos benefícios do domínio colonial superam, em muito, o impacto negativo do seu legado.

Por outro lado, os críticos do colonialismo argumentam que as contribuições do domínio colonial não devem ser usadas para subestimar o impacto negativo sobre os povos colonizados. Os colonizadores eliminaram culturas e idiomas, tomaram terras, exploraram economias, oprimiram politicamente e criaram sistemas de desigualdades raciais e sociais.

Para tomar o poder, alguns colonizadores adotaram a estratégia de “dividir e conquistar”. As potências coloniais dividiram os grupos colonizados em tribos e grupos étnicos menores. Eles também trabalharam para evitar que esses grupos menores se unissem contra os colonizadores. O método “dividir e conquistar” foi a tática de dominação mais bem-sucedida do colonialismo do século 19 e do início do século 20. Mas também foi um desastre! Ainda ecoa “nas guerras civis e nas tensões regionais em todo o mundo” (link.cpb.com.br/f8a4b2). Muitos estudos sobre o tema concordam que, embora o domínio colonial tenha levado algumas melhorias, muitas das grandes dificuldades do mundo estão diretamente relacionadas ao colonialismo (link.cpb.com.br/fad507).

COLONIALISMO E AVANÇO MISSIONÁRIO

O que é difícil de acreditar é que alguns missionários fizeram parceria com os colonizadores. Eles acreditavam que seu trabalho não era apenas propagar o cristianismo, mas também a cultura ocidental. Quando as pessoas não estavam interessadas em se converter à fé cristã, alguns missionários insistiam com as potências coloniais para que se envolvessem. Eles viam que a presença de soldados facilitava a pregação do evangelho (Beauty Maenzanise, “The church and Zimbabwe’s liberation struggle”, Methodist History, janeiro de 2008, p. 70, 71).

É ESSENCIAL RECONHECER QUE A RAZÃO PRIMORDIAL DE A IGREJA ENVIAR MISSIONÁRIOS ERA PROMOVER O CRISTIANISMO, NÃO AJUDAR OS COLONIZADORES

Cegos por doutrinas preconceituosas como a da responsabilidade do homem branco e incentivados pela estrutura colonial, esses missionários consideravam seu trabalho como uma forma de elevar seus convertidos e suas sociedades de um estado de barbárie para uma condição de refinamento. Essas perspectivas iniciais foram significativamente reavaliadas ao longo do tempo. Os estereótipos distorcidos de outras raças que eles ajudaram a desenvolver ainda são, até certo ponto, perpetuados atualmente. Os hutus e tutsis em Ruanda são um exemplo disso.

Alguns missionários adventistas permaneceram em silêncio diante das atrocidades dos colonizadores. Fizeram pouco para impedi-las, cooperaram com os poderes coloniais ou atuaram silenciosamente em um sistema colonial. Outros incentivaram os convertidos a ser cidadãos cumpridores da lei, sob o argumento de evitar conflitos (link.cpb.com.br/a08f70). William H. Anderson, pioneiro da Igreja Adventista do Sétimo Dia na Rodésia (atual Zimbábue), foi orientado a iniciar seu trabalho missionário em um distrito onde os colonialistas queriam controlar uma rebelião. “Os missionários”, disse-lhe Cecil Rhodes, primeiro-ministro da Colônia do Cabo, na África do Sul, “são muito melhores para manter os nativos quietos do que os soldados, e certamente são muito mais baratos” (On the Trail of Livingstone [Pacific Press, 2012], p. 81). Está bem documentado que, dessa forma, alguns missionários foram usados pelas autoridades coloniais como parceiros subalternos.

Há exemplos de missionários adventistas que viveram obedientemente de acordo com os valores promovidos pelas autoridades coloniais em vez de usar sua voz profética para tomar posições bíblicas e morais. Durante as audiências da Comissão da Verdade e Reconciliação, realizadas na África do Sul entre 1995 e 1998 após o fim do apartheid, foi confirmado que muitas comunidades religiosas sul-africanas, incluindo a Igreja Adventista, apoiaram ativa ou silenciosamente o regime de segregação racial. I. F. du Preez e Roy H. du Pre observaram que “a Igreja Adventista sempre esteve muito à frente do governo da época na prática da segregação racial na igreja, e muito atrasada quando se tratava de eliminar medidas de discriminação racial. Quando o apartheid foi introduzido na lei após 1948, os adventistas já o praticavam havia mais de vinte anos” (A Century of Good Hope [Western Research Group/Southern History Association, 1994], p. 116).

OLHANDO PARA FRENTE

Embora muitos possam se sentir desiludidos ou até traídos pelas ações e negligências praticadas no passado pela Igreja Adventista ou por seus representantes, o movimento adventista atual deve permanecer concentrado em nosso crescimento espiritual e na missão que recebemos de Deus, sendo o sal da terra e a luz do mundo. A seguir estão algumas sugestões de como avançar nesse sentido.

Em primeiro lugar, é essencial reconhecer que a razão primordial de a igreja enviar missionários era promover o cristianismo, não ajudar os colonizadores. Portanto, é necessário separar as ações de indivíduos que deturparam o evangelho dos ensinamentos fundamentais da Bíblia. Devemos reconhecer que houve muitos missionários que enfrentaram o status quo dos governos coloniais (Robert Woodberry, “The missionary roots of liberal democracy”, American Political Science Review, maio de 2012, p. 244-274).

Em segundo lugar, é útil avaliar a atitude da igreja em relação ao passado. A Associação Geral divulgou duas declarações oficiais condenando várias formas de discriminação racial, uma intitulada “Racismo” (link.cpb.com.br/d2d8bc), e outra, “Uma humanidade” (link.cpb.com.br/a3b23e). Três anos após o fim do apartheid, a Igreja Adventista na África do Sul também reconheceu sua participação indevida (Antonio Pantalone, “The Afrikaanse Konferensie (1968-1974) and Its Significance for the Seventh-day Adventist Church in South Africa” [tese de doutorado, 1999], p. 309). É animador saber que a igreja reconhece a mágoa e o trauma causados pelas ações de alguns de seus membros durante o colonialismo, o apartheid e nos genocídios raciais.

Em terceiro lugar, é necessário manter o foco na razão de sermos adventistas do sétimo dia. Devemos nos ­comprometer a ser agentes de mudança e aliados daqueles que ainda estão sofrendo várias formas de discriminação. Uma das melhores maneiras de defender uma mudança profunda e duradoura é não participar do problema. Ao lutarmos contra a discriminação, devemos ter cuidado para não discriminarmos a nós mesmos. As reações extremas devem ser evitadas.

Em quarto lugar, é fundamental compartilhar as posições oficiais da igreja sobre questões sociais. Pode ser benéfico incluir nessas declarações componentes de defesa específicos e estruturas de ação. À luz de nossas posições oficiais, devemos fazer o trabalho de avaliar todas as nossas instituições e nossos procedimentos para garantir que estejam em conformidade com os princípios de nossa missão. Devemos nos esforçar para permanecer fiéis à Bíblia e evitar a repetição de erros e fracassos do passado. Nossa meta deve ser traduzir nossas doutrinas fundamentais e declarações oficiais não apenas em idiomas diferentes, mas em decisões fundamentadas na Bíblia, em todos os aspectos da vida.

BOUBAKAR SANOU é de Burkina Faso e atua como professor associado de missão e liderança intercultural na Universidade Andrews

(Artigo publicado na edição de julho/2023 da Revista Adventista / Adventist World)

Última atualização em 31 de julho de 2023 por Márcio Tonetti.