A trajetória da organização missionária adventista
David Trim
Nas assembleias da Associação Geral (AG) de 1901 e 1903, a Igreja Adventista do Sétimo Dia passou por uma reorganização dramática com o propósito de levar o evangelho ao mundo inteiro. Muitas vezes, ao narrarmos a história da reforma de nossa igreja no início do século 20, contamos como sendo, sobretudo, uma reestruturação administrativa. Contudo, creio que a mentalidade dos eleitos para liderar os adventistas em 1901 e 1903 talvez tenha sido até mais importante.
Arthur Daniells atuou como presidente de 1901 a 1922. William Spicer serviu como secretário de 1903 a 1922 e, depois, foi presidente da AG até 1930. Ambos foram visionários em relação à missão mundial. Levar a mensagem do advento a territórios não evangelizados e a povos não alcançados era a paixão que compartilhavam. Essa visão também foi abraçada pelos tesoureiros e vice-presidentes da AG que trabalharam nesse período e pela equipe de secretaria formada por Spicer. Como ele disse na Assembleia Geral de 1922 que o elegeu presidente: “A questão das missões mundiais não é algo além do trabalho regular da igreja. […] Levar nossa mensagem singular de salvação a todos os povos […] é o objetivo de cada Associação, de cada igreja, de cada membro”.
Assim, à reestruturação acrescentou-se a paixão coletiva dos líderes da Associação Geral pela expansão dos limites da missão. Juntos, esses fatores promoveram um impacto dramático!
ALCANÇANDO O MUNDO
A partir de 1901, o número de novos obreiros enviados do seu país natal para o campo missionário aumentou gradualmente até o início da Primeira Guerra Mundial. Em 1909 e 1910, o número de missionários enviados ultrapassou 150 pessoas, o triplo das que foram enviadas em 1901. O número de novos missionários escolhidos durante a Primeira Guerra Mundial estabilizou-se, mas disparou em 1920, com 310 missionários, o dobro do número de 10 anos antes. A realidade é que nos primeiros 20 anos após a reestruturação de 1901, a Igreja Adventista enviou 2.257 novos missionários. Uma das consequências foi a expansão global. Em 1920, o número de adventistas na América do Norte correspondia a 51,7% do total de membros, enquanto as demais partes do mundo totalizava 48,3%. Um ano depois, os percentuais foram 49,83 e 50,17%, respectivamente. Portanto, 1921 foi o ano em que a quantidade de membros fora da América do Norte finalmente excedeu a do continente. Em grande parte, isso ocorreu como resultado do número de missionários enviados e da maneira como esses missionários de linha de frente vivenciavam o ministério.
Ainda que o número de 300 novos missionários só tenha sido igualado novamente após a Segunda Guerra Mundial, ao longo da década de 1920, em todos os anos foram enviados mais de 150 novos missionários. A Grande Depressão (1929) causou um declínio dramático, levando a igreja a enviar menos de uma centena de missionários ao ano por três anos. No entanto, durante a maior parte da década de 1930, em todos os anos foram enviados mais de 100 novos missionários, apesar das severas restrições financeiras enfrentadas pela igreja. Esse número caiu novamente com o início da Segunda Guerra Mundial, mas começou a subir mesmo antes do fim do conflito, graças ao planejamento ousado e visionário do presidente da AG, James McElhany, e de Ernest Dick, secretário. É impressionante que, desde o início da Grande Depressão até o fim da Segunda Guerra Mundial, foram chamados 1.597 novos missionários!
Entre 1946 e 1970, a Igreja Adventista viveu sua época de ouro do programa missionário internacional. Nesses 25 anos, o número de “obreiros enviados aos campos missionários” totalizou 7.385 pessoas. Entre 1969 e 1970, foi alcançado um total de 970 novos missionários, o maior número de obreiros enviados em toda história da igreja para servir por períodos de pelo menos dois anos. Conforme o gráfico ilustra, não é coincidência que os anos de 1969/70 marcaram o auge do projeto missionário, pois 1970 concluiu o quarto de século com o crescimento mais estável no número de missionários. De 1945 a 1947 foram enviados números elevados de pessoas ao exterior, que foram artificialmente inflados pelo envio de muitos missionários que esperavam pela melhora nas condições mundiais para viajar, o que, em parte, levou ao declínio dos números de 1948 a 1950. A principal causa desse fenômeno foi o colapso da igreja na China. Depois, nas décadas de 1950 e 1960, houve picos e intervalos ocasionais; porém, de modo geral, a trajetória subiu de forma sustentável depois de 1950. O gráfico abaixo mostra uma linha de tendência que revela mais claramente a trajetória ascendente constante daquela época.
ASCENSÃO E QUEDA
O crescimento da missão adventista nos 25 anos após o fim da Segunda Guerra Mundial foi resultado de um esforço enorme e concentrado nas equipes por parte de administradores, educadores, líderes médicos e, naturalmente, membros da igreja na América do Norte, Europa, África do Sul e Australásia. Mas a liderança também foi muito importante. O crescimento nos anos pós-guerra, como a expansão acentuada nas três décadas após a reorganização de 1901, está muito relacionado ao compromisso dos líderes da AG com a missão. Reuben R. Figuhr, presidente de 1952 a 1966, e Robert H. Pierson, que o sucedeu, trabalharam muitos anos como missionários, longe de sua terra natal. Walter Beach, que atuou como secretário da AG de 1954 a 1970, também foi missionário e não poderia ter sido mais claro quando declarou, em 1964: “Somos uma igreja mundialmente missionária, não apenas uma igreja com missões no mundo todo.”
No entanto, voltemos a 1969 e 1970, anos em que o número de novos missionários enviados foi recorde: 473 e 470, respectivamente. Esses dois anos foram o apogeu. Desde então, a tendência tem sido de declínio.
Em síntese, a partir da reorganização de 1901 até o fim dos anos 60, houve crescimento no número de novos missionários, exceto durante a Grande Depressão e a Segunda Guerra Mundial. Contudo, dos anos 1970 em diante, a quantidade de missionários diminuiu de forma constante, apesar do aumento no número de membros. Além disso, a proporção de recursos dedicados à missão mundial tem caído mais acentuadamente e por mais tempo do que o declínio do número real de missionários. Finalmente, a natureza do trabalho que os missionários realizam também mudou, e suas atividades já não são tão duradouras quanto costumavam ser.
MINISTÉRIO ABNEGADO
A seguir estão apenas alguns exemplos dos missionários e de seu trabalho.
* George D. Keough e sua esposa, Mary Ann, deixaram a Inglaterra e serviram como missionários no Oriente Médio em três ocasiões distintas. Iniciando em 1908, trabalharam 33 anos no campo missionário, mais quatro anos na Associação Geral, totalizando 37 anos de serviço denominacional. Eles começaram sua terceira viagem missionária quando George tinha 65 anos, idade em que outros já estavam se aposentando. O casal só retornou definitivamente à sua terra natal quando George completou 72 anos.
* George e Laura Appel foram para o Extremo Oriente em 1920 e passaram 38 anos no campo missionário: 30 anos na China e em outros países e oito anos no Oriente Médio.
* Dick e Jo Hayden também serviram por 38 anos como missionários. A partir de 1930, trabalharam nas montanhas e selvas do Peru, Bolívia e Equador.
* Merritt e Wilma Warren iniciaram seu serviço missionário em 1913, na China e nas Filipinas, e trabalharam por 47 anos. O casal retornou aos Estados Unidos quando Merritt tinha 69 anos e Wilma, 72.
Keough, Appel e Warren chegaram a servir como departamentais e administradores de União e Divisão. No entanto, antes disso, todos eles passaram muitos anos trabalhando na linha de frente da missão. Por exemplo, George Keough e sua família passaram a maior parte de seus primeiros 21 anos como missionários no interior do Egito, onde ele visitava os moradores locais, sentava-se no chão de terra das casas, comia o alimento que lhe ofereciam, representava Jesus para eles e levava-os ao Salvador (David Trim, “O poder do verdadeiro cristianismo”, Revista Adventista, ed. janeiro de 2021, p. 26, 27).
Por sua vez, os missionários da atualidade tendem a permanecer em instituições e sedes administrativas. Naturalmente, há necessidade de médicos qualificados, contadores e profissionais de TI para servir à igreja mundial. Contudo, ainda há necessidade de pessoas chamadas de todo o mundo e enviadas para todo o mundo como representantes de Cristo àqueles que não O conhecem. Por isso, é necessário haver uma reorientação da missão.
DAVID J. B. TRIM é diretor do departamento de Pesquisa, Estatísticas e Arquivos da sede mundial da Igreja Adventista
Este artigo foi embasado, em grande parte, no livro de A. L. Chism, D. J. B. Trim e M. F. Younker, intitulado We Aim at Nothing Less Than the Whole World (Silver Spring: Office of Archives, Statistics, and Research, 2021).
(Artigo publicado na edição de abril de 2023 da Revista Adventista / Adventist World)
Última atualização em 19 de abril de 2023 por Márcio Tonetti.