A última carta de Ellen White
Tim Poirier

Uma das cartas mais motivadoras de Ellen White é também a última conhecida, escrita em 14 de junho de 1914. Sua mensagem de esperança foi compartilhada publicamente pela primeira vez em 1916, durante reuniões da União da América do Norte. Logo depois, foi impressa em diferentes folhetos, antes de ser definitivamente publicada em 1923 como o último capítulo de Testemunhos Para Ministros e Obreiros Evangélicos, intitulado “A vida vitoriosa”.
Curiosamente, a carta é endereçada simplesmente à “prezada amiga”, sem mencionar um nome específico. Embora a destinatária fosse conhecida por Ellen White e pelos funcionários de seu escritório na época em que a mensagem foi enviada, sua identidade permaneceu um mistério até recentemente. No entanto, após pesquisas sobre a correspondência da época, sabemos agora seu nome e sua história.
Martha Andrea Creeper e sua irmã gêmea, Emma, nasceram em Bristol, Inglaterra, em 5 de junho de 1883, filhas de Richard e Martha Augusta Creeper. Sua mãe, de origem alemã, conheceu seu pai e se casou com ele, um comerciante de vinhos, enquanto aprimorava suas habilidades como professora de francês e inglês na Inglaterra. Richard faliu devido às ações de um de seus amigos e, infelizmente, desgastado pela angústia, foi internado em um manicômio, onde faleceu em 1888.
Viúva, a mãe de Martha cuidava de seis meninas, com idades entre dois e oito anos, além de um enteado de 18 anos. Contudo, o enteado saiu de casa sem avisar, e a família não conseguiu localizá-lo. Ela então retornou à Alemanha, onde sustentou suas filhas ensinando inglês. Providencialmente, a senhora Creeper conheceu os adventistas do sétimo dia, que a apoiaram, e se uniu à congregação de Altona-Hamburgo, em 1890.
Um tempo depois a família passou a trabalhar na recém-inaugurada filial da editora em Hamburgo. A senhora Creeper também atuou como chefe do departamento de enfermagem no Hospital Friedensau e ajudou a editora em projetos de tradução, como os livros Testemunhos Para a Igreja, O Grande Conflito e O Desejado de Todas as Nações, obras nas quais se dedicava com grande satisfação.
CONFORTO E ESPERANÇA
Todas as filhas de Martha se tornaram obreiras comprometidas com a igreja, exceto a mais nova, que morreu de difteria aos cinco anos. A filha mais velha se casou com Waldemar Ehlers, que deixou a Casa Publicadora de Hamburgo para lecionar no Brasil. Outra se casou com Johannes, irmão de Waldemar. Johannes foi um missionário pioneiro na Tanzânia, que na época era conhecida como África Oriental Alemã. As demais irmãs serviram nas instituições editoriais ou médicas da igreja.
Martha, que recebeu a última carta de Ellen White, foi batizada em 1896, aos 13 anos. Três anos depois, começou a trabalhar no departamento editorial da casa publicadora alemã. Seu evidente talento para escrever poesia e livros infantis a levou a tornar-se editora do jornal Nosso Amiguinho, em 1909.
Apesar de sua valiosa contribuição, Martha começou a sentir-se insegura diante de Deus, o que afetou sua saúde. O pastor Guy Dail, amigo de longa data da família e secretário da Divisão Europeia, compartilhou suas preocupações sobre ela com o pastor William White, filho de Ellen White. “Martha está muito nervosa e, frequentemente, considera-se uma pecadora tão grande que o Senhor desistiu dela e não pode mais usá-la em Sua obra. Ela teme o futuro, o tempo de angústia e a possibilidade de ser rejeitada pelo Senhor. De acordo com o que ela disse, parece que um sentimento de desânimo surgiu devido aos pecados dos quais se sente culpada, embora diga que já os confessou. No entanto, sua atitude mostra que ela não consegue se entregar totalmente nas mãos de Jesus e confiar plenamente que Ele cuidará dela” (Carta de Guy Dail enviada a William White, 21 de maio de 1914).
O pastor Dail expressou a esperança de que, se Ellen White enviasse algumas palavras de encorajamento a Martha, isso poderia lhe proporcionar o conforto espiritual necessário para aliviar sua situação.
Assim que recebeu a carta de Dail, a resposta foi quase imediata. Poucos dias depois, o pastor White respondeu: “Hoje posso enviar-lhe uma mensagem de minha mãe [Ellen White]. Estou enviando duas cópias. Uma delas contém uma breve nota minha, dizendo: ‘Minha mãe pediu que eu lhe dissesse que, entre os seus manuscritos, ela escolheu este como algo essencial para a perfeição de sua vida cristã.’”
Além disso, havia um incentivo para que a leitura do manuscrito fosse seguida pela leitura da Palavra de Deus, pois as mensagens de esperança e ânimo ali contidas foram escritas por Aquele que conhece e ama a cada um dos Seus filhos.
A carta completa pode ser lida a seguir. Mas qual foi a reação de Martha ao apelo feito? Embora não tenha sido preservada uma resposta escrita, sabemos que ela continuou a servir a Deus fielmente na editora alemã até se aposentar, em 1949, após 50 anos de ministério. Carinhosamente conhecida como tia Martha, ela faleceu em 1976, aos 93 anos. A mensagem que ela recebeu, do outro lado do Oceano Atlântico, continua a inspirar esperança em nós até hoje.
TIM POIRIER é vice-diretor e arquivista do Patrimônio Literário de Ellen G. White
VEJA O CONTEÚDO DA CARTA

A vida vitoriosa
Califórnia, 14 de junho de 1914
Prezada amiga:
O Senhor me deu uma mensagem para você. E não somente para você, mas também para outras pessoas fiéis que são perturbadas por dúvidas e temores em relação à sua aceitação pelo Senhor Jesus Cristo. A palavra para você é: “Não tenha medo, porque Eu o remi; Eu o chamei pelo seu nome; você é Meu” (Is 43:1). Desejam agradar ao Senhor e podem fazê-lo, crendo em Suas promessas. Ele espera levá-la para um porto de experiência misericordiosa e lhe ordena: “[Aquiete-se] e [saiba] que Eu sou Deus” (Sl 46:10). Você tem passado por um tempo de inquietação, mas Jesus lhe diz: “[Venha] a Mim […] e Eu [a] aliviarei” (Mt 11:28). A alegria de Cristo na vida vale tudo. “Então se alegraram” (Sl 107:30), porque têm o privilégio de repousar nos braços do eterno amor.
Afaste sua desconfiança do Pai celestial. Em vez de falar em suas dúvidas, rompa com elas na força de Jesus. Deixe que a luz brilhe em seu coração, fazendo com que sua voz expresse confiança e fé em Deus. Sei que o Senhor está bem perto para lhe dar a vitória. E lhe digo: “Receba a ajuda, fortaleça-se, saia e afaste-se da masmorra escura da incredulidade. Dúvidas assediarão sua mente porque Satanás se esforça por conservá-la cativa de seu poder cruel. Mas enfrente-o na força que Jesus deseja lhe dar e vença a inclinação de expressar descrença em seu Salvador.”
Não fale de suas ineficiências e de seus defeitos. Quando parece que o desespero devasta sua alma, olhe a Jesus, dizendo: “Ele ‘[vive] sempre para interceder por [mim]” (Hb 7:25). Esqueça as coisas que estão para trás e creia na promessa: “viremos para Ele e faremos Nele morada” (Jo 14:23).
Deus espera conceder as bênçãos da absolvição, do perdão da iniquidade e dos dons da justiça a todos os que creem em Seu amor e aceitam a salvação que Ele oferece. Cristo está pronto a dizer ao pecador que se arrepende: “Eis que tirei de você a sua iniquidade e agora o vestirei com roupas finas” (Zc 3:4). O sangue de Jesus Cristo é o eloquente apelo que fala em favor dos pecadores. Esse sangue “nos purifica de todo pecado” (1Jo 1:7).
É seu privilégio confiar no amor de Jesus para a salvação da maneira mais ampla, mais segura e mais nobre, e dizer: “Ele me ama, Ele me recebe, confiarei Nele, pois deu Sua vida por mim.” Nada dissipa tanto a dúvida quanto entrar em contato com o caráter de Cristo. Ele declara: “O que vem a Mim, de modo nenhum o lançarei fora” (Jo 6:37). Isso significa que não há possibilidade de o lançar fora, pois Ele deu Sua palavra de recebê-lo. Apegue-se a Cristo em Sua palavra, e que seus lábios declarem que alcançaram a vitória.
É Jesus verdadeiro? O que Ele diz é a verdade? Responda decididamente: “Sim, cada palavra!” Então se tiver resolvido fazer assim, suplique pela fé todas as promessas que Ele fez e receba as bênçãos, pois esta aceitação pela fé concede vida a cada criatura. Você pode crer que Jesus seja verdadeiro para você, embora se sinta o mais fraco e indigno de Seus filhos. E quando acreditar nisso, todas as suas dúvidas escuras e atormentadoras serão lançadas sobre o grande enganador que as originou. Você pode ser uma grande bênção ao se apegar a Deus em Sua palavra. Você deve confiar Nele com uma fé viva, ainda que seja forte dentro de você o impulso de proferir palavras de desconfiança.
A paz vem da confiança no poder divino. Logo que a pessoa decide agir de acordo com a luz dada, o Espírito Santo lhe concede mais luz e força. A graça do Espírito é suprida para cooperar com a resolução do coração, mas não é um substituto do exercício individual da fé. O êxito na vida cristã depende da apropriação da luz dada por Deus. Não é a abundância de luz e de evidências que torna a pessoa liberta em Cristo. É o despertar das capacidades, da vontade e das energias do ser para clamar sinceramente: “Eu creio! Ajude-me na minha falta de fé!” (Mc 9:24).
Eu me alegro nas brilhantes perspectivas do futuro, e o mesmo pode acontecer com você. Tenha bom ânimo e louve ao Senhor por Sua terna bondade. Entregue a Ele tudo aquilo que não pode compreender. Ele a ama e Se compadece de cada uma de suas fraquezas. Ele “nos abençoou com todas as bênçãos espirituais nas regiões celestiais em Cristo” (Ef 1:3). Não satisfaria o coração do Infinito dar àqueles que amam Seu Filho uma bênção menor do que a que dá a Seu próprio Filho.
Satanás procura desviar nossa mente do poderoso Ajudador para nos levar a ponderar sobre nossa degeneração. Mas ainda que Jesus veja a culpa do passado, Ele fala de perdão. E nós não devemos desonrá-Lo, duvidando de Seu amor. O sentimento de culpa deve ser depositado ao pé da cruz, ou ele envenenará as fontes da vida. Quando Satanás atira suas ameaças contra você, desvie-se delas e conforte seu coração com as promessas de Deus. A nuvem pode ser escura em si mesma, mas quando estiver cheia da luz do Céu, ela se tornará brilhante como o ouro, pois a glória de Deus repousa sobre ela.
Os filhos de Deus não devem ser sujeitos aos sentimentos e emoções. Quando oscilam entre esperança e temor, o coração de Cristo é ferido, pois tem lhes dado inconfundíveis evidências de Seu amor. Ele quer que sejam firmados, fortalecidos e estabelecidos na mais santa fé. Ele quer que façam a obra que Ele lhes deu, então seu coração se tornará em Suas mãos como harpas sagradas, das quais cada corda produzirá louvores e ações de graças Àquele que foi enviado por Deus para tirar os pecados do mundo.
O amor de Cristo por Seus filhos é tão terno quanto forte. E é mais forte do que a morte, pois Ele morreu para comprar nossa salvação, para nos tornar um com Ele, espiritualmente e eternamente um. Tão forte é Seu amor, que move todo o Seu poder e emprega os vastos recursos do Céu em fazer bem a Seu povo. É sem “variação ou sombra de mudança” (Tg 1:17), “é o mesmo ontem, hoje e para sempre” (Hb 13:8). Embora o pecado tenha existido por séculos, procurando anular esse amor e obstruir seu fluxo para a Terra, ele fluirá em ricas correntes para aqueles por quem Cristo morreu.
Deus ama os anjos sem pecado, que fazem o Seu trabalho e obedecem a todos os Seus mandamentos, mas não lhes dá graça. Eles nunca tiveram necessidade dela, pois nunca pecaram. A graça é um atributo revelado aos seres humanos sem mérito. Nós não a procuramos, ela veio em nossa procura. Deus Se alegra em conceder graça a todos os que dela têm fome e sede. Não por sermos dignos, mas porque somos indignos. Nossa necessidade é o qualificativo que nos dá certeza de que receberemos o dom.
Não deve ser difícil lembrar que o Senhor deseja que você deponha suas lutas e dificuldades a Seus pés e
que as deixe ali. Vá a Ele, dizendo: “Deus, meus fardos são pesados demais para eu os levar. O Senhor quer levá-los em meu lugar?” E Ele responderá: “Eu os tomarei. Com eterna bondade Me compadecerei de você. Tomarei seus pecados e lhe darei a paz. Não mais diminua seu respeito próprio, pois Eu a comprei pelo preço do Meu próprio sangue. Você é Minha. Sua vontade enfraquecida, Eu fortalecerei. Removerei seu remorso pelo pecado.”
“Eu, Eu mesmo, sou o que apago as suas transgressões por amor de Mim; dos pecados que você cometeu não Me lembro. Relembre-Me o que aconteceu! Vamos juntos ao tribunal! Apresente as suas razões, para que você possa se justificar” (Is 43:25, 26). “Não falei em segredo, nem em algum lugar escuro da Terra; Eu não disse à descendência de Jacó: ‘Busquem-Me em vão’; Eu, o Senhor, falo a verdade e proclamo o que é direito” (Is 45:19). “Voltem-se para Mim e sejam salvos, vocês, todos os confins da terra; porque Eu sou Deus, e não há outro” (Is 45:22). Responda aos apelos da misericórdia de Deus e diga: “Confiarei no Senhor e serei confortada. Louvarei ao Senhor, pois Sua ira se desviou. Eu me alegrarei em Deus que dá a vitória.”
Nota: Este texto (Carta 2, 1914) está publicado na íntegra em Testemunhos Para Ministros e Obreiros Evangélicos, p. 516-520.
(Conteúdos divulgados na Revista Adventista / Adventist World de fevereiro/2025)
Última atualização em 5 de março de 2025 por Márcio Tonetti.