O santuário, o Egito e a didática divina
L. S. Baker Jr.

Atualmente, a cor pode ser vista como um aspecto secundário, sendo frequentemente considerada apenas uma questão de gosto pessoal. Mas isso também ocorria na Antiguidade? Em estudos do mundo antigo, aspectos como cores são frequentemente negligenciados. No entanto, pesquisas iconográficas e textuais têm destacado sua relevância e sugerido que as cores podem ter sido selecionadas com muito mais intencionalidade do que se imaginava inicialmente. Isso também parece se aplicar a estudos sobre o antigo santuário israelita no deserto.
Em certos aspectos, as instruções para a construção do santuário hebreu são extremamente detalhadas, ao passo que outros detalhes são completamente omitidos. Por exemplo, as dimensões exatas das cortinas do tabernáculo estão incluídas nas instruções (Êx 26:2, 8; 36:9, 15), mas não as dimensões das duas camadas externas de peles que cobriam o santuário (Êx 26:14; 36:19).
O tamanho dos dois compartimentos do santuário é outro exemplo. As dimensões do tabernáculo são descritas em detalhes (Êx 26:15-25; 36:20-30), mas não há instruções sobre onde o véu deveria ser pendurado dentro dele. Assim, só é possível fazer suposições sobre as dimensões exatas dos dois cômodos. Para chegar a algumas conclusões sobre o tema, os pesquisadores examinaram templos posteriores e ampliaram a análise para o santuário, o que se mostrou insatisfatório.
Ao descobrir os detalhes sobre a cor dos tecidos e das peles citados nas instruções, surge a questão: Qual era a importância dessas cores para serem mencionadas especificamente? Elas tinham algum significado na Antiguidade?
Cores no Egito Antigo
É importante compreender como as cores eram utilizadas no Egito. Por serem profundamente religiosos, os egípcios associavam cada aspecto da vida cotidiana ao reino dos deuses. Com as cores não era diferente, já que elas também carregavam significados religiosos.
Religião e magia. No Egito Antigo, a existência de divindades era indiscutível. A discussão teológica não tratava da existência dos deuses, mas de sua supremacia e hierarquia. Por exemplo, os egípcios acreditavam que a Terra tinha sido criada por deuses, especialmente por uma divindade suprema, porém havia divergências quanto ao modo, local e agente. A arquitetura de seus templos buscava explorar a energia mágica inerente à criação. Dessa forma, eles acreditavam que a liturgia mantinha o equilíbrio cósmico.
Jan Assmann propõe que a religião pode ser classificada em três áreas: culto, teologia e estilo de vida (From Akhenaten to Moses [The American University in Cairo Press, 2016], p. 8). No Egito Antigo, o culto – entendido como a interação com o divino – abrangia “o papel da magia, a divindade do governante e a relevância do culto mortuário” (ibid.). Considerando que as forças do caos, na cosmologia egípcia, estavam sempre em movimento para recuperar o Universo, o culto era essencial para mantê-las sob controle.
PARA OS EGÍPCIOS, AS CORES CARREGAVAM SIGNIFICADOS RELIGIOSOS
Assim, os egípcios acreditavam que a “magia” tinha sido concedida à humanidade como um instrumento de autodefesa contra as forças caóticas que haviam criado o mundo. Eles acreditavam que uma palavra tinha dado origem ao mundo e que a magia o tornara real. Com essa visão, a magia estava presente em tudo e, ao simplesmente conhecer e pronunciar as palavras certas, junto dos gestos correspondentes, era possível ativar esse poder tanto para o bem quanto para o mal. Assim, a magia era considerada “uma ciência sagrada e força criativa”, analisada e exercida pelos sacerdotes por meio da linguagem divina: os hieróglifos. A magia não só era indistinta da religião, como também o “fio que ligava tudo” (Rosalie David, Handbook to Life in Ancient Egypt [Oxford University Press, 1998], p. 169, 171).
A magia era utilizada por todos para manter o equilíbrio: sacerdotes nos templos, faraó no governo e deuses no céu e no submundo. As pessoas também podiam usar a magia para se “defender de seus próprios medos” (Handbook to Life in Ancient Egypt, p. 169). Isso era feito principalmente por meio de deuses domésticos e joias.
Finalidade das joias. No Egito, pessoas de ambos os gêneros, bem como de todas as classes sociais e faixas etárias, usavam joias, pois acreditava-se que elas possuíam poderes mágicos para proteger quem as ostentava. Desde épocas remotas, utilizavam-se amuletos, colares, pulseiras, tornozeleiras, anéis, cintos e adornos para a cabeça. É possível notar que todos esses eram enfeites decorativos. Os brincos aparecem pela primeira vez na iconografia em múmias e estátuas de egípcios durante o Novo Império. A proteção contra doenças, desastres naturais e animais selvagens dependia tanto dos materiais empregados quanto do design de cada joia.
Acreditava-se que os deuses ou a magia (agentes primários) atuavam por meio de agentes secundários, como faraós, ídolos e joias. Por exemplo, os sacerdotes só podiam realizar um feitiço se fossem capazes de “assimilar uma divindade” e, ao fazer isso, também atuavam como agentes secundários. Na visão deles, outro agente secundário era a cor presente em estátuas de ídolos e joias, como as pedras preciosas.
Os joalheiros do Egito Antigo não escolhiam as pedras preciosas por sua qualidade refrativa ou seu brilho, mas principalmente por sua cor, em razão de sua associação simbólica. As propriedades mágicas da cor se tornavam parte integrante do objeto ao qual a cor tinha sido adicionada. Assim, os próprios materiais, tanto os metais como as pedras, compartilhavam seus poderes ocultos. As pedras preciosas mais conhecidas, em razão da cor associada, eram a cornalina (vermelha), a turquesa (azul) e a lazulita (azul-escuro). Essas são as três gemas presentes em todas as joias encontradas na tumba de Tutancâmon.
Significado da cor. Foram feitas pinturas nas tumbas e nos templos com efeito brilhante, como pode ser observado em reconstruções ou restaurações recentes. No entanto, essas cores não foram escolhidas aleatoriamente. Escolheu-se cada uma como componente essencial do objeto com o qual se relacionava. Como consequência, o sentido do simbolismo se tornava claro.
As cores escolhidas para retratar o cosmos egípcio refletiam, em certa medida, tanto a realidade quanto seu significado simbólico. O céu podia ser representado pela cor preta, que indica a noite, ou a cor azul, que indica o dia. Do ponto de vista terrestre, a cúpula azul que parece envolver a Terra era vista como uma esfera de água ao seu redor, semelhante à descrição do planeta antes do dilúvio global
(Gn 1:6, 7; 7:11). Esse era um corpo de água no qual apenas os deuses podiam navegar. Desse modo, começou-se a associar o azul ao divino.
A SIMPLES APLICAÇÃO DA COR JÁ COMUNICAVA UMA MENSAGEM
Além disso, a Terra e seus corpos d’água foram descritos e nomeados por cores. Devido ao rico lodo negro que se acumulava no solo, tornando-o fértil após as inundações anuais, o Egito era chamado de kemet [“negro”]. Ainda é possível observar, assim como no passado antigo, uma distinção nítida entre as terras negras do Egito e as terras do deserto, conhecido como deseret, que significa “vermelho”.
Vermelho era uma cor que representava risco e incerteza. Fogo, sangue e sol (do amanhecer e do entardecer) eram percebidos como vermelhos e, portanto, perigosos.
No Baixo Egito, ao norte, a região do Delta do Nilo era representada por uma coroa vermelha como símbolo de perigo para todos que se opusessem ao governante. Em Lahun, foram encontradas portas pintadas de vermelho com o objetivo de manter as forças sobrenaturais perigosas afastadas. O deserto e todas as terras estrangeiras além dele eram conhecidos como terras vermelhas devido ao seu perigo. Os corpos d’água presentes nas terras vermelhas eram chamados de mares vermelhos, englobando o atual Mar Vermelho e seus dois braços, Suez e Áqaba.
Os lagos amargos, localizados ao norte do golfo de Suez, eram chamados de mares negros devido ao fato de um braço do Nilo irrigá-los diretamente. A cor preta estava ligada à vida e às terras que a sustentavam. Era também a cor das pessoas que viviam após a morte e, por isso, estava ligada à vida eterna. Assim, o vermelho e o preto se diferenciavam simbolicamente de várias maneiras.
Da mesma forma que a cor era empregada para diferenciar a terra dos vivos, também diferenciava os deuses, seu domínio e o reino dos mortos. O amarelo, cor do ouro, era empregado nas câmaras funerárias, já que o ouro era visto como o material do qual a pele dos deuses era feita. Amarelo é a cor do sol e das estrelas, que adornam os tetos de numerosos túmulos e templos. Como consequência, o amarelo (ou dourado) começou a representar a morada dos deuses.
É claro que o azul era uma das cores primárias ligada ao reino dos deuses. O verde e o preto também eram utilizados, porém somente em situações específicas. De fato, o deus Amon parece ter sido retratado pela primeira vez na cor azul durante o reinado de Tutmés III, da 18ª dinastia. Na 19ª dinastia, essa cor se tornou a única utilizada para representar Amon. O azul também estava ligado à fertilidade e, devido à sua conexão com a água – e com o céu, pois se acreditava que este era água –, relacionava-se à criação, uma vez que todas as coisas surgiram das águas primordiais.
O branco, símbolo de pureza, estava presente no cotidiano por meio de lençóis branqueados e de alta qualidade utilizados pelas classes privilegiadas. As mulheres nobres eram frequentemente retratadas com pele branca, tanto como símbolo de virtude quanto como representação fiel de sua posição social. Como não precisavam se expor ao sol, sua pele ficava mais clara. Animais sagrados também eram representados na cor branca. No Alto Egito (sul), uma coroa branca, que simbolizava o vale do Nilo, representava pureza.
As cores podiam se mesclar tanto para formar uma nova tonalidade quanto para unir seus significados. A púrpura, muitas vezes chamada de azul-escuro, foi desenvolvida no novo reino mergulhando-se primeiro o fio na cor vermelha e, em seguida, na cor azul, a fim de se obter a tonalidade desejada. Dessa forma, o vermelho, representando perigo, e o azul, simbolizando divindade, originaram uma cor ligada à realeza. O faraó era considerado divino, possuindo poder real sobre a vida das pessoas, tornando-se, assim, inerentemente perigoso.
Cores no santuário israelita
As cores azul, púrpura e vermelho foram especificamente requisitadas (Êx 25:4) para tingir os tecidos e as peles do santuário no deserto. Além de estarem presentes no linho fino retorcido, elas podiam ser vistas em outras partes do santuário. O couro de carneiro deveria ser tingido unicamente de vermelho, e as vestes sacerdotais deveriam ser confeccionadas também nas cores azul, púrpura e vermelho, além de conter fios de ouro e pedras preciosas específicas. As cores também estão subentendidas, ainda que não tenham sido explicitamente citadas. O tecido pedido era linho fino (v. 4), o que indica que era branco e utilizado tanto nas estruturas quanto nas vestes sacerdotais. O miolo da madeira de acácia era vermelho. Todos os metais escolhidos exibiam cores particulares, cada uma com seu próprio significado.
Pelo menos durante o período histórico em que o santuário foi construído no deserto, outras cores estavam acessíveis. No Egito, o linho e o couro podiam ser tingidos nas cores verde, amarelo (exceto quando associado ao ouro), laranja, preto e até marrom. Entretanto, essas cores não são mencionadas diretamente como as utilizadas na construção do santuário israelita. Isso parece indicar que havia uma intenção ao solicitar cores específicas de tecido.
Bordado. A maioria dos bordados durante os períodos dinásticos estava ligada à realeza. De fato, o tecido bordado mais antigo do Egito remonta ao reinado de Amenotepe II, da 18ª dinastia. O fio colorido foi especificamente utilizado para bordar o portão do átrio do santuário, a cortina de entrada do tabernáculo, sua cobertura interior de linho e o véu que separava o lugar santo do lugar santíssimo. Isso significa que o uso do bordado claramente identificava o espaço como pertencente ao Rei de Israel.
DEUS ESCOLHEU SE COMUNICAR EM UMA LINGUAGEM QUE OS HEBREUS PUDESSEM ENTENDER, APESAR DAS ORIGENS EGÍPCIAS DE ALGUNS SÍMBOLOS
Significado por meio da vivência. Os hebreus tinham saído recentemente do Egito, onde haviam atuado como artesãos e trabalhado na construção civil (Êx 1:11; 5:6-18; 35:10, 25, 26). Quando ingressaram no Egito, eram pastores nômades do Oriente (Gn 46:32-34). Desse modo, suas habilidades artísticas e de construção foram provavelmente adquiridas no Egito, empregando estilos e significados egípcios. É provável que os hebreus compreendessem claramente os significados das cores para os egípcios. Como consequência, ao atribuir esses significados ao uso das cores no santuário, seremos capazes de observar essas cores pela perspectiva egípcia, isto é, pela perspectiva dos hebreus instruídos a ver dessa forma.
Além do portão. A presença de linho branco pendurado em postes ao longo da parte externa do perímetro comunicava riqueza. Durante a maior parte de sua história, o Egito utilizou o linho como tecido predominante. Porém, apenas os mais abastados podiam comprar o linho branqueado de melhor qualidade; portanto, possuir um lado inteiro confeccionado com esse material seria um símbolo de magnitude. No Egito, ele era branqueado para transmitir a ideia de pureza. Desse modo, aqueles que estavam fora do pátio do santuário no deserto presumiriam que tudo no interior era puro e de grande valor, adequado para um espaço sagrado.
Isso teria sido ainda mais impactante no portão adornado, indicando a presença da realeza. O uso de fios azuis, púrpuras e vermelhos no bordado sugeriria que quem estava por trás dele era um Rei divinamente poderoso.
Fora do tabernáculo. Dentro do pátio, ao se olhar para o abrigo do tabernáculo, a mesma mensagem subconsciente transmitida pelo bordado teria sido reforçada. Assim, tanto o portão do pátio quanto o abrigo do tabernáculo comunicavam que a realeza estava além da cortina de entrada.
Nada do acampamento externo era visível dentro do pátio. Todos que estavam no pátio eram cercados por uma parede de linho branco. Isso transmitiria a atmosfera pura do espaço. A simples aplicação da cor já comunicava uma mensagem, que era intensificada pelo sistema de sacrifício e pelo mobiliário.
No interior do tabernáculo. No lugar santo, era possível observar bordados em azul, púrpura e vermelho atrás (na cortina), acima (na camada mais interna do tabernáculo) e à frente (no véu). Assim, a cortina do tabernáculo, o tecido de linho que constituía o teto visível e o véu que impedia a visão do lugar santíssimo indicavam novamente que a pessoa estava na presença da realeza. À direita e à esquerda (norte e sul), paredes cobertas de ouro refletiam a luz das lâmpadas. Todos os móveis dessa sala, como candelabro, mesa e altar, também eram feitos ou revestidos unicamente de ouro. Esse aspecto da natureza de Deus foi reforçado devido à associação do ouro (e do amarelo) com o divino. É evidente que a cortina, a cobertura e o véu também eram confeccionados em linho branco, simbolizando a pureza do ambiente.
O véu é um mistério, pois não se sabe como era pendurado. Se fosse apenas uma cortina comum, ao atravessá-lo, ficaria atrás de quem entrasse, permitindo apenas ao sumo sacerdote fazê-lo, enquanto a cobertura de linho que constituía o teto permaneceria visível acima. Paredes douradas podiam ser vistas à direita, à esquerda e além da arca. Se fosse uma estrutura de madeira decorativa, tudo o que se veria por dentro seria o linho branco e os bordados nas cores azul, púrpura e vermelho. De qualquer modo, esse compartimento especial, que simbolizava a presença do Deus-Rei dos hebreus, seria considerado um lugar extremamente sagrado.
Conclusão
Parece que Deus desejava transmitir certas mensagens de maneira simples aos hebreus, a fim de que eles pudessem compreender o plano da salvação por meio do ritual do santuário. Assim, a utilização da cor fazia parte de uma estrutura normativa que possibilitava a Deus comunicar-Se de forma clara. Durante o processo, o Senhor desassociou a cor de qualquer ligação com a magia, afirmando que Ele era o protetor de Israel e não podia ser controlado como os egípcios pensavam que suas divindades podiam ser.
O mais interessante é que Deus pareceu empregar esses elementos em Suas orientações. Se quisesse, Ele poderia ter determinado o uso de qualquer metal ou até mesmo madeira nua em Seu tabernáculo. O uso de ouro para representar os móveis do tabernáculo, mesmo quando o metal estava claramente associado aos deuses egípcios, indica que o Senhor Se preocupou mais em transmitir Sua divindade aos hebreus do que em esclarecer qualquer outra coisa. Isso também indica que Ele escolheu intencionalmente comunicar em uma linguagem que os hebreus pudessem entender, apesar das origens egípcias de alguns símbolos.
Portanto, a compreensão de Deus para os hebreus estava diretamente relacionada à compreensão desses significados originais associados à cultura. Analisando o que foi empregado, bem como o que não foi ou foi modificado, podemos identificar a estrutura cultural que o Senhor estava disposto a utilizar para auxiliar os hebreus a compreenderem Sua natureza e Sua salvação, oferecida a todos que O aceitassem como seu Deus e Rei.
Nota: O texto completo encontra-se no seguinte endereço: link.cpb.com.br/395f68.
L. S. BAKER JR é diretor associado da editora universitária da Universidade Andrews, nos Estados Unidos
(Artigo publicado na Revista Adventista de setembro/2025)
Última atualização em 16 de outubro de 2025 por Márcio Tonetti.