Desfecho inesperado

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O que fez do adventismo o maior movimento protestante doutrinariamente unificado ao redor do mundo

Bruno de Azevedo Lourenço

A chamada “rocha da ascensão”, localizada perto da casa de William Miller, em Hampton, Nova York (EUA)

“Nossas expectativas foram elevadas e esperamos pela vinda de nosso Senhor até que o relógio apontou meia-noite. O dia se passou, e nosso desapontamento se tornou uma certeza. Nossas maiores esperanças e expectativas foram destroçadas e um espírito deprimente tomou conta de nós como nunca antes. Parecia que a perda de todos os amigos terrenos não poderia se comparar com essa dor. Nós choramos e choramos até o dia amanhecer” (Review and Herald, 23/6/1921, p. 4-5). Foi assim que Hiram Edson definiu a tristeza daquele grupo. Sermões e mais sermões sobre a segunda vinda de Cristo haviam sido proferidos. O 22 de outubro de 1844 havia chegado, mas o dia terminou e Ele não veio.

Um grupo que passou por um desapontamento tão grande como esse simplesmente poderia enfraquecer até a completa extinção. No entanto, a menor porção daquele pesaroso movimento perseverou e tornou-se uma igreja com mais de 20 milhões de membros. Qual foi o segredo para um desfecho tão inesperado? Embora pareça não fazer sentido à primeira vista, a mensagem do sábado estudada por José Bates, a doutrina do santuário e as três mensagens angélicas tiveram um papel primordial nesse processo.

Reerguendo-se

Logo após o grande desapontamento, a grande maioria dos mais de 200 mil mileritas abandonou a fé ou continuou estudando para marcar novas datas para o retorno de Cristo. Porém, um pequeno grupo enxugou as lágrimas e retornou para as Escrituras a fim de entender o que de fato aconteceu e para buscar mais revelações divinas. A descoberta da centralidade da doutrina do santuário em correlação às três mensagens angélicas de Apocalipse 14 foi uma das principais chaves para o próximo passo. Inicialmente, eles criam que o cumprimento da mensagem do primeiro anjo teve início em 1798 com a pregação da volta de Jesus (Ap 14:6-7). Por sua vez, relacionavam a segunda mensagem a 1844, com a proclamação do Clamor da Meia-Noite e o chamado para sair de Babilônia (14:8). E acreditavam que a terceira mensagem enfatizava a santidade e validade dos mandamentos de Deus (14:9-12).

Em 1845, muitas pessoas começaram a guardar o sábado devido à influência dos batistas do sétimo dia. Pouco tempo depois, José Bates começou a pregar mais enfaticamente sobre a importância desse dia, afirmando que este mandamento precisaria ser restaurado para que então Jesus pudesse retornar (Gerard P. Damsteegt, Foundations of the Seventh-day Adventist Message and Mission [Grand Rapids: Eerdmans, 1977], p. 136-142). A princípio Ellen G. White não entendeu o motivo de enfatizar tanto o quarto mandamento em relação aos outros nove (Testemunhos Para a Igreja [Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 2021), v. 1, p. 72, 73). Mas, depois de ter acesso a um folheto escrito por Bates em 1846, Ellen e Tiago White aceitaram esta verdade. O trio, então, começou a pregar com maior ênfase sobre a santidade do sábado. Naquele momento, Deus usou José Bates para protagonizar uma das mais cruciais descobertas da história da Igreja Adventista do Sétimo Dia.

Bates teve um insight enquanto dedicava-se a um estudo mais profundo a respeito do significado da terceira mensagem angélica: o sábado estava inteiramente ligado à mensagem do terceiro anjo. Abriu-se, então, o santuário de Deus, que se acha no céu, e foi vista a arca da Aliança no seu santuário, e sobrevieram relâmpagos, vozes, trovões, terremoto e grande saraivada” (Apocalipse 11:19). Ele percebeu que os Dez Mandamentos tinham um papel especial naquele período e, assim, conectou o sétimo dia com a mensagem do terceiro anjo. Alguns meses depois, Ellen White teve uma visão em que Deus a levou para um passeio no santuário celestial. Quando o véu que havia entre os dois compartimentos foi levantado, ela contemplou a Arca do Concerto. Dentro da arca ela reparou num detalhe interessante: “Vi os Dez Mandamentos nelas [nas tábuas] escritos com o dedo de Deus. […] Mas o quarto, o mandamento do sábado, brilhava mais que os outros; pois o sábado foi separado para ser guardado em honra do santo nome de Deus. O santo sábado tinha aparência gloriosa – um halo de glória o circundava. Vi que o mandamento do sábado não fora pregado na cruz. Se tivesse sido, os outros nove mandamentos também o teriam, e estaríamos na liberdade de transgredi-los a todos, bem como o quarto mandamento. Vi que Deus não havia mudado o sábado, pois Ele jamais muda” (Ellen G. White, Primeiros Escritos [Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 1991], p. 32-33).

A sugestão de Bates de conectar os três temas foi confirmada com a visão de Ellen White. Logo, a última mensagem de exortação e salvação deveria incluir a restauração do sábado como o dia genuíno de descanso, o único mandamento esquecido pela grande maioria dos cristãos.

A conexão entre o sábado, o santuário e as três mensagens angélicas deu a eles uma identidade profética. Logo após o grande desapontamento profetizado em Apocalipse 10:8-10, Jesus afirma que eles ainda precisariam profetizar “a respeito de muitos povos, nações, línguas e reis” (v. 11). As mesmas palavras são usadas para introduzir as três mensagens angélicas em Apocalipse 14:6-12, deixando claro o que Ele esperava deles. Ademais, as palavras usadas pelo primeiro anjo em sua mensagem para adorar “aquele que fez o céu, e a terra, e o mar, e as fontes das águas” também não são novas nas Escrituras. “Essa linguagem faz uma alusão inequívoca ao mandamento do SÁBADO, com referência à CRIAÇÃO (Êx 20:8-11), indicando, portanto, que o sétimo dia tem relevância especial na proclamação do evangelho no tempo do fim. […] As admoestações a ‘temer’ e ‘adorar’ neste versículo se encaixam diretamente no contexto imediato mais amplo de guardar os mandamentos de Deus (ver Ap 12:17; 14:12), com referências óbvias ao decálogo” (Bíblia de Estudo Andrews, p. 1667; nota sobre Apocalipse 14:7).             Os pioneiros adventistas do sétimo dia não criam nestes preceitos apenas porque eles estavam embasados na Bíblia e, por isso, deveriam ser pregados. Ia muito além disso. Eles encontraram a si mesmos naquela profecia. Perceberam Deus delegando a eles a missão de espalhar uma mensagem específica à sua geração. Inicialmente, a crença de José Bates na santidade do sétimo dia apresentada em seu livro The Seventh-day Sabbath: A Perpetual Sign refletia essencialmente o que os batistas do sétimo dia criam: que o sábado era o dia correto a ser guardado e que o dia de guarda nunca deveria ter sido mudado. Porém, a crença nesse dia foi fortalecida pela mensagem profética de que Deus restauraria este selo entre Ele e Seu povo. Tiago White declarou: “Nossa experiência adventista passada, presente posição e trabalho futuro estão demarcados em Apocalipse 14 da forma mais clara que a pena profética poderia escrever” (James White to Brother Bowles, 8 de novembro de 1849 [Silver Spring, MD: Ellen G. White Estate]). A identidade profética resultou em urgência de pregar aquela mensagem ao mundo. Um espírito missionário envolveu seu coração, e daquele momento em diante nenhuma barreira seria grande demais para aquele valente grupo. O pequeno grupo passou por um grande desapontamento, mas agora estava revigorado para espalhar o evangelho a todo o mundo.

Missão urgente

Crédito da imagem: Adobe Stock

A diferença que esta identidade profética e chamado à pregação provocou no movimento adventista do sétimo dia se torna mais clara quando comparada a outros grupos similares daquele período. Os batistas do sétimo dia tiveram um crescimento de aproximadamente 6 mil membros na década de 1840 para 50 mil na década de 2010, e estão representados em 22 países. Por outro lado, de acordo com o primeiro censo realizado pela Igreja Adventista do Sétimo Dia, o número de membros adventistas totalizava 3,5 mil em 1863. Em 2020, este número já se aproximava de 22 milhões de adventistas, espalhados por 213 dos 235 países e regiões do mundo reconhecidos pela ONU (para ver os dados, clique aqui).

Como Clyde Hewitt afirmou: “O menor dos braços do grupo milerita [Adventistas do Sétimo Dia e Cristãos do Advento] foi o que se tornaria de longe o maior” (George R. Knight, If I Were The Devil [Hagerstown, MD: Review and Herald, 2010], p. 142). A diferença no crescimento entre essas denominações foi a compreensão profética desta mensagem como parte de um plano maior, com um chamado urgente a que fosse pregada por todo o mundo. O adventismo sabatista compreendeu que a guarda do sábado não era um meio para a salvação, mas era parte de uma identidade profética a ser compartilhada com “muitos povos, nações, línguas e reis” (Apocalipse 10:11; veja também Mateus 28:18-20; Apocalipse 5:9-10; 7:9).

O adventismo do sétimo dia é o maior movimento protestante doutrinariamente unificado ao redor do mundo. Por quê? Porque cremos que Deus tem uma mensagem profética a ser pregada e que ninguém está pregando. Esta mensagem deu ao Seu povo liberalidade ao doar seu dinheiro e sua própria vida em favor da pregação do evangelho. Como membros e herdeiros de tão grande legado, precisamos levar avante esta mensagem que nos conferiu uma identidade e uma missão. Devemos ir e pregar a “cada nação, e tribo, e língua, e povo” (Apocalipse 14:6). A missão está em nosso DNA, e esse foi claramente o segredo para o crescimento do adventismo no mundo. Agora a tocha da verdade está em nossas mãos e podemos ouvir uma voz do Céu apelando direta e claramente: Pregue! Pregue!

BRUNO DE AZEVEDO LOURENÇO, mestre em Divindade pela Universidade Andrews, é pastor na Igreja Adventista Highland View, em Hagerstown, Maryland (EUA)

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Última atualização em 25 de outubro de 2021 por Márcio Tonetti.