A comovente história de fé de um estudante
Natacha Moorooven
Depois de haver cumprido o serviço militar obrigatório no exército da Coreia do Sul, Jiman Han voltou para Escola de Medicina da Kyungpook National University, onde havia se matriculado dois anos antes. Estava feliz por retornar para a escola, a fim de se preparar para alcançar o maior desejo de sua vida: tornar-se médico.
Entretanto, ele mal sabia que esse seria o começo de uma carreira bastante atribulada – uma corrida que o levaria até o Supremo Tribunal de Daegu. Durante o primeiro semestre, Jiman descobriu que teria que enfrentar alguns exames aos sábados. O jovem estava em um dilema: como guardar o sábado e ainda prosseguir em seus estudos? “Em parte, eu já havia perdido a esperança”, relembra Jiman, sempre que se detinha a pensar no que significava guardar o sábado. Por meio de incessantes orações e pelo estudo mais aprofundado da Palavra de Deus, Jiman buscava respostas para as suas lutas.
Depois de obter uma compreensão mais ampla do real significado do quarto mandamento, Jiman chegou à conclusão inevitável de que o sábado é um dia sagrado. Essa convicção o levou diretamente à sala do professor de anatomia. Lá, ele expôs suas crenças e a sua fé; e firmemente, mas com respeito, explicou por que não podia fazer nenhum exame aos sábados. “Para mim, senhor”, disse ele, “o sábado é um dia sagrado.”
Durante essa reunião, Jiman também perguntou ao professor se ele poderia marcar o exame para qualquer outro dia, exceto no sábado. Infelizmente, a resposta foi um imediato e categórico: “Não! A política da universidade”, disse o docente, “proibiu qualquer deferência especial para acomodar as crenças religiosas de um aluno”. Jiman tentou várias vezes por outros canais na universidade, mas sem alcançar qualquer êxito. Ele se viu contra a parede. Depois de muito pensar, orar e aconselhar-se com seus amigos da mesma fé, Jiman fez mais uma tentativa através do Tribunal Distrital de Daegu, pedindo ajuda para que pudesse guardar o sábado, e assim lhe permitissem fazer o exame em outro dia. A Faculdade de Medicina achou difícil ajudar Jiman e apresentou seu caso ao Tribunal Distrital. O Tribunal decidiu a favor da Faculdade, fazendo com que Jiman voltasse à estaca zero, desencorajado, mas ainda convencido de que não deveria abrir mão da observância do quarto mandamento da lei de Deus.
Nessa época, o Dr. Ki-Hoon Kang, um dos membros do Grupo de Oração para a Liberdade Religiosa, entrou em contato com Jiman e lhe disse que se seu caso atendesse aos requisitos, ele poderia apresentar uma petição à Comissão Nacional de Direitos Humanos da Coreia. A Comissão poderia analisar o assunto e, se o caso fosse considerado apropriado, poderiam abordar a questão como violação dos direitos humanos. Jiman decidiu aceitar a sugestão do Dr. Kang. Infelizmente, a Comissão Nacional de Direitos Humanos da Coreia não considerou essa petição de Jiman como violação dos direitos humanos e, portanto, negou classificá-la como um caso oficial.
Jiman parecia ter chegado a um beco sem saída! Devastado e emocionalmente exaurido, ele até pensou em desistir de seu sonho de infância. Médico ou guardador do sábado? Enquanto lutava para responder a essa pergunta, o Dr. Kang veio mais uma vez em seu socorro, sugerindo que ele abrisse um processo no Supremo Tribunal de Daegu.
Quando lhe perguntaram se algum dia lhe passou pela mente o pensamento de se apresentar diante do Supremo Tribunal por causa da observância do sábado, Jiman disse: “Nem por um segundo. Em todo o tempo, sempre pensei que a Coreia me desse plena liberdade religiosa, mas essa situação era bem diferente. Foi com muita apreensão e sob enorme pressão que aceitei a ideia de mover uma ação judicial”. Afinal, Jiman estava processando sua própria universidade, uma atitude que, no contexto coreano, é considerada geralmente como insubordinação e como se estivesse estabelecendo um precedente preocupante.
Os amigos e conhecidos de Jiman estavam todos muito apreensivos e bastante céticos quanto ao resultado final de todo esse esforço. Antes do caso de Jiman, nunca houve um processo judicial quanto à questão da liberdade religiosa e da observância do sábado na Coreia do Sul. Sabendo já por antecipação que esse seria um julgamento difícil, imploraram que ele repensasse sua decisão. Temiam que a perda em um caso como esse poderia até mesmo tornar mais difícil a guarda do sábado para os adventistas em outras situações, como a assistência às aulas ou oportunidades de trabalho.
O JULGAMENTO
Com oração e o apoio da família e amigos, Jiman deu prosseguimento ao caso. Ele sabia que não deveria voltar atrás, independentemente do que acontecesse.
Durante todo o processo houve dias em que ele se sentia muito angustiado, tanto emocional como espiritualmente. As limitações financeiras se somavam às suas dificuldades. Ficar assentado ali na sala de aula, dia após dia, entre os colegas que faziam dele alvo de suas piadas e ficar ouvindo o professor que poderia reprová-lo, estava realmente difícil. A constante provocação na universidade onde ele parecia, de certo modo, um tanto “peculiar”, era desgastante. Numa sociedade centrada no conformismo com a autoridade, Jiman era visto como alguém que não se encaixava naquele meio. Acima de tudo, o que mais o assustava era a possibilidade de ter que desistir de seu sonho de se tornar médico.
O processo causou muita angústia e dúvida em Jiman. Entretanto, durante essa crise, enquanto tudo ao seu redor parecia estar oscilando, as únicas coisas que lhe trouxeram força e estabilidade foram a sua fé em Deus e a certeza de que Ele não o abandonaria. Quanto maior era a sua angústia, mais forte se tornava a sua fé. Foi no crisol da dor e da luta emocional que Deus Se revelou a Jiman. Pela primeira vez em sua vida, ele entendeu o real significado de dedicar um tempo para estar com Deus. Mais do que nunca antes, ele O buscou com estudo e oração. Nesses momentos de devoção pessoal, Jiman encontrou força e esperança. Ao buscar a Deus mais e mais, ele descobriu, para sua surpresa, que esse problema que o estava consumindo se tornava cada vez menos desgastante. Ele sabia que poderia vencer quaisquer obstáculos que viesse a enfrentar, contanto que confiasse em Deus e depositasse o seu caso em Suas mãos.
Apelar para o Supremo Tribunal era também financeiramente mais dispendioso para Jiman e sua família, pois as taxas legais e judiciais eram bastante elevadas. Felizmente, muitos adventistas do sétimo dia que faziam parte do círculo de Jiman, juntamente com a União-Associação Coreana, deram o seu apoio financeiro à família Han.
O VEREDITO
Finalmente, o Supremo Tribunal de Daegu decidiu em favor de Jiman Han. Uma vitória realmente histórica! Essa foi, porém, uma vitória pela fé, uma vitória pela oração. Além de permitir, por essa petição, que Jiman obtivesse o privilégio do sábado, o tribunal ordenou que o réu (a Escola de Medicina da Universidade Nacional de Kyungpook) arcasse com todos os custos da apelação. O tribunal decidiu também a favor de Jiman para que fizesse qualquer prova ou exame que tivesse perdido devido à questão do sábado.
Depois dessa vitória sem precedentes, Jiman compartilhou seu testemunho inúmeras vezes, em diferentes lugares, com a comunidade adventista. Perguntado sobre o que ele gostaria que os jovens adventistas aprendessem com essa experiência, Jiman respondeu: “Como adventistas, todos passamos por diferentes tipos de provações, grandes ou pequenas. No entanto, devemos colocar nossa fé totalmente em Deus e orar fervorosamente, porque ‘sem fé é impossível agradar a Deus, pois quem dEle se aproxima precisa crer que Ele existe e que recompensa aqueles que O buscam’” (Hebreus 11:6).
“A vida pode ser difícil”, afirma Jiman, “mas você pode superar as dificuldades. Você não deve perder de vista a vitória que Deus deseja que você experimente através dessas provações. Embora uma provação possa tornar sua vida diária mais desafiadora, ela pode também ser uma oportunidade para realmente buscar a Jesus e fixar seus olhos nEle. ‘Reconheça o Senhor em todos os seus caminhos, e Ele endireitará as suas veredas’” (Provérbios 3:6).
NATACHA MOOROOVEN, PhD pela Universidade de Sogang, na Coreia do Sul, é professora assistente de Relações Internacionais na Universidade de Yong-In
(Texto publicado na revista Diálogo, 2ª ed. 2019, p. 26-27)
Última atualização em 6 de dezembro de 2019 por Márcio Tonetti.