Modelo americano de educação prepara alunos para dominar o inglês e abre portas no exterior
Rebbeca Ricarte
Ônibus amarelo, aulas que duram o dia inteiro, muitos debates e trabalhos em grupo, além de atividades extracurriculares como basquete, futebol, teatro e coral. Essa é a fama da escola norte-americana mundo afora, modelo que diverge em vários pontos do ensino tradicional do Brasil, mas que agora não é mais uma realidade tão distante.
A Associação Brasileira do Ensino Bilíngue (Abebi) calcula que, entre 2014 e 2019, houve um crescimento entre 6 e 10% no número de escolas que oferecem essa formação diferenciada no Brasil. Vale salientar que essa é uma iniciativa da rede privada que representa, em sua totalidade, pouco mais de 21% da educação básica do país. Dentro desse nicho de aproximadamente 40 mil unidades escolares da rede privada, a Abebi estima que 3% (ou seja, cerca de 1,2 mil escolas) possuem um programa específico de ensino bilíngue.
Mas para quem essa educação é voltada? Essa é uma discussão intensa no campo de pesquisa, que criou até um termo específico para tratar do assunto: a “internacionalização da educação”. Segundo Ana Maria Fonseca de Almeida, doutora em Educação pela Unicamp, trata-se de uma estratégia de educação para famílias socialmente favorecidas. A professora e pesquisadora fez um estudo de caso sobre alunos que integram escolas bilíngues e suas famílias em Belo Horizonte (MG), a fim de identificar características e motivações que sustentem o sistema. Uma das conclusões a que chegou foi a do desejo da homogeneidade social. “O alto custo financeiro de determinados estabelecimentos exclui, por si só, os grupos sociais de que não têm condições de tal investimento”, pondera.
CURRÍCULO E ESTRATÉGIAS
O que define uma escola nessa categoria? Apenas fornecer aulas de inglês na grade normal não é o mesmo que ser bilíngue. Para ser enquadrada nessa modalidade, a instituição precisa, em essência, ensinar o aluno a pensar em dois idiomas, sem dificuldades ou necessidade de traduções. Para isso, é preciso uma imersão mais completa, com uma carga maior de aulas e imersão no idioma e na cultura em questão. Na classificação da Organização das Escolas Bilíngues de São Paulo (OEBI), fazem parte dessa categoria escolas cuja carga horária seja de no mínimo 75% na língua estrangeira para a educação infantil e 25% para ensino médio.
Janice Ricciardi é coordenadora pedagógica do Basie, programa bilíngue da rede adventista de ensino no Brasil. Ela explica que tudo começou com um estudo pioneiro em Florianópolis no ano de 2015. A partir dele, foi desenvolvida uma estratégia e elaborada a ideia de um material didático exclusivo para atender às escolas adventistas do Brasil. Janice, que é uma das coautoras do material, destaca a importância desse passo: “Criamos uma ideia sólida, um material atrativo, lúdico para integrar uma metodologia eficiente. O material, publicado pela CPB, contempla toda a educação infantil, fundamental 1 e ensino médio. Hoje, mais de 90 escolas adventistas no Brasil usam o programa bilíngue nas séries iniciais, e em cerca de 20 colégios temos o programa do High School, voltado para o ensino médio.”
METODOLOGIA
O ensino bilíngue exige não apenas um professor que domine o idioma e o uso de materiais específicos de ensino. A ambientação das salas de aula e a metodologia usada no dia a dia fazem toda a diferença para que o aluno, mesmo morando no Brasil, tenha uma experiência de imersão na língua requerida. Para os pequenos, a metodologia usada pela rede adventista é, em boa parte do tempo, o Soft Clil. “Consiste em ensinar através da ludicidade, usando a brincadeira e a realidade que cerca a criança. Tudo é ensinado em inglês, só se fala inglês, mas estamos falando de uma realidade que a criança conhece, por isso, ela aprende”, explica Janice.
No Colégio Curitibano Adventista do Bom Retiro, na capital do Paraná, a professora Lindsey Carvalho tem o desafio de lecionar na turma bilíngue inicial, que envolve alunos de 3 a 5 anos. “Essa faixa etária é como uma esponjinha. Tudo que a gente traz em relação a conteúdo, eles absorvem com muita facilidade. Eu me lembro de alunos que, no início do ano, nem falavam direito, mas já estavam ali na primeira fase do processo, que é treinar a compreensão. Com poucos meses, eles já estavam falando também. Os resultados são impressionantes, pois eles assimilam os conteúdos em inglês de maneira divertida”, relata.
DOIS DIPLOMAS
O programa High School da rede adventista entrega ao aluno que conclui o ensino médio uma dupla certificação pelos seus estudos, ou seja: ao se formar, ele recebe um diploma do Brasil e um dos Estados Unidos. Isso acontece graças à parceria com o instituto Griggs da Universidade Andrews, que atrela a grade de disciplinas do Brasil com mais 7 créditos específicos das escolas americanas. “O aluno do High School vai assistir à sua aula normal, em português, todas as manhãs. Duas vezes por semana, no período da tarde, ele vai pagar esses créditos da escola americana. Essas aulas são totalmente em inglês, estudando assuntos específicos de história, política, economia e governo da América do Norte. É um crescimento cultural e linguístico, com aulas que fomentam a discursão em nível de inglês acadêmico”, ressalta Janice.
PASSAPORTE PARA HARVARD
Com apenas 17 anos de idade, e sem nunca ter pisado nos Estados Unidos, Carolina Lindquist, aluna do High School do Unasp, recebeu na sua casa, em Engenheiro Coelho, no interior de São Paulo, o tão sonhado “envelope gordo” da Universidade Harvard. A aprovação para estudar com bolsa integral na segunda melhor instituição de ensino superior do mundo foi um sonho concretizado para a adolescente brasileira.
Desde o primeiro ano do ensino fundamental, Carolina é aluna da rede adventista. Quando estava para ingressar no ensino médio, ela fez a seleção para o High School e começou a cavar oportunidades de uma chance de admissão em uma faculdade da elite americana. “Foi aí que comecei a sonhar com Harvard, pelo programa específico que essa instituição proporciona, principalmente na área de Educação e Políticas Públicas, que é o que eu quero para a minha vida”, ressalta.
Além de realizar duas provas, todo o histórico acadêmico da aluna brasileira foi avaliado. Além do excelente desempenho escolar, o currículo dela inclui atividades de serviço comunitário – exigência para quem se candidata a uma vaga assim. “Acredito que esse tenha sido um grande diferencial. Desenvolvi diferentes projetos nos últimos quatro anos que eram voltados para melhorias na minha comunidade. Um deles foi o Globalizando, canal que leva ensino da língua inglesa gratuitamente para pessoas que não podem pagar e que já beneficiou mais de mil brasileiros”, ressalta.
Hoje caloura da Ivy League (termo dado ao grupo das oito universidades mais prestigiadas dos Estados Unidos), Carol reconhece sua trajetória como uma combinação de esforço e oportunidades. Segundo ela, não é preciso ser um supergênio ou rico para conseguir. “A universidade tem um programa de bolsa integral para quem não pode pagar, e foi exatamente o meu caso. Mas muitas pessoas me ajudaram no processo, não foi mérito exclusivo meu. A escola e o High School também foram muito importantes, não só no ensino, mas na condução de todas as aplicações que precisei fazer. Também fui aprovada com uma bolsa que pagou as provas necessárias para o processo, as quais eu não teria condições financeiras de arcar”, conclui a universitária.
Por que a educação adventista entrou na onda da formação bilíngue? A coordenadora pedagógica da Educação Bilíngue na rede educacional adventista no Brasil ressalta que esse tipo de formação tem ajudado a garantir conquistas não apenas no exterior. “Por exemplo, um aluno formado no nosso High School fez a seleção para um grande banco aqui no Brasil, e o que definiu a sua vaga foi o fato de ter um diploma americano”, destaca Janice Ricciardi.
Atrelada à possibilidade de fazer os alunos conquistarem grandes sonhos está a missão da educação adventista de existir, como define a professora Lindsey Carvalho, das turmas iniciais bilíngues do Colégio Curitibano Adventista do Bom Retiro: “Queremos formar missionários que possam ir aonde Deus mandar. Para isso, eles precisam falar a todo povo, em toda língua”.
REBBECA RICARTE é jornalista e roteirista na TV Novo Tempo
(Reportagem publicada na Revista Adventista de fevereiro de 2022)
Última atualização em 3 de fevereiro de 2022 por Márcio Tonetti.