O vegetarianismo nos escritos e na experiência de Ellen White
Alberto Tasso Barros

O tema da mensagem de saúde é um dos assuntos mais controvertidos na Igreja Adventista. Mesmo em uma análise superficial, prontamente se percebe dois grupos: extremistas que vivem como se a reforma de saúde fosse o aspecto mais importante da experiência cristã, e um grupo maior que considera esse importante ponto da mensagem adventista apenas um anexo sem importância para a vida do cristão.
Nesse conflito, o vegetarianismo está entre os temas mais discutidos. Encontrar a melhor maneira de abordar o assunto não é tarefa simples, especialmente pelas diferenças culturais, sociais e econômicas que existem no mundo. Ellen White foi a principal voz no adventismo sobre a mensagem de saúde, e seus livros contribuíram significativamente para moldar o estilo de vida adventista. Portanto, compreender e interpretar corretamente o que ela escreveu é o caminho mais coerente e seguro.
Adventismo e reforma de saúde
O movimento da mensagem de saúde adventista ocorreu no contexto da grande corrente americana de reformas sanitárias entre os anos 1800 e 1850. Essas reformas criaram as condições necessárias para a compreensão adventista da saúde, conferindo-lhe alto grau de relevância nos primeiros anos da denominação. Em 1848, quatro anos após sua primeira visão, Ellen White recebeu as primeiras informações sobre a mensagem de saúde. Ela viu que tabaco, chá e café eram prejudiciais e deveriam ser completamente abandonados (James White, “Western tour: Kansas camp meetting”, Review and Herald, 8/11/1870, p. 165).
No entanto, sua mais importante visão sobre saúde ocorreu em 6 de junho de 1863, em Otsego, Michigan. Seu conteúdo foi relatado em 16 páginas que descrevem a essência da mensagem adventista de saúde. Entre os muitos princípios apresentados, os mais importantes foram: (1) os que não controlam o apetite tornam-se intemperantes; (2) bolos, tortas e pudins muito substanciosos são prejudiciais; (3) a carne de porco não deve ser consumida em nenhuma circunstância; (4) fumo, chá e café devem ser abandonados; (5) comer entre as refeições prejudica o estômago; (6) cuidar da higiene do corpo e da casa; (7) o consumo de carne é prejudicial ao organismo; e (8) fazer bom uso dos oito remédios da natureza (Herbert Douglass, Mensageira do Senhor [CPB, 2003], p. 283, 284).
Apesar das orientações de Ellen White não serem uma completa novidade no contexto das reformas do século 19, a relação da saúde com a espiritualidade constitui o grande diferencial de seus ensinos. A mensagem de saúde estava inserida em um sistema de doutrinas chamado de “a verdade presente” pelos pioneiros adventistas. Em 1900, a autora escreveu: “A verdade presente repousa na obra da reforma de saúde tanto quanto nos outros aspectos do evangelho” (Testemunhos Para a Igreja [CPB, 2021], v. 6, p. 260, 261).
Esse conceito integrado foi fundamental para formar o estilo de vida adventista. Por isso é importante estabelecer uma conexão entre a mensagem de saúde e a espiritualidade. Uma das citações de maior destaque que evidencia essa ligação foi publicada em 1867: “Foi-me mostrado que a reforma de saúde faz parte da mensagem do terceiro anjo e está tão intimamente ligada a ela como o braço e a mão estão ligados ao corpo” (Testemunhos Para a Igreja [CPB, 2021], v. 1, p. 486).
O vegetarianismo nos escritos de Ellen White
O contexto apresentado quanto à reforma de saúde serve como base para compreender a posição de Ellen White sobre o uso da carne. Ela nunca tratou desse assunto de forma isolada, ainda que seus pontos de vista a respeito de uma dieta vegetariana sejam vastos. Em seus escritos, o controle do apetite, inclusive a questão de comer carne, está relacionado ao princípio central de “conservar [nosso] corpo na melhor condição de saúde” (Testemunhos Para a Igreja [CPB, 2021], v. 2, p. 57).
O tema da carne foi apresentado pela primeira vez à autora na visão de 1863. Os principais conceitos relacionados ao alimento cárneo também foram recebidos nessa ocasião. A carne de porco foi condenada como imprópria para o consumo. Além disso, a visão orientou para a abstinência de outros tipos de carne, dando preferência ao vegetarianismo. É importante esclarecer que o sentido da palavra “carne” usada por Ellen White quase sempre se refere à carne vermelha, uma vez que os peixes são tratados como um tema à parte.
No ano seguinte, com a publicação do quarto volume de Spiritual Gifts, a autora passou a insistir na adoção de uma dieta sem carne. Ela declarou que: (1) o alimento ideal de Deus para Suas criaturas está no Éden; (2) o Senhor permitiu que se comesse carne após o dilúvio para diminuir a vida do homem; (3) na peregrinação do deserto, Ele não proibiu a carne, mas proveu um alimento melhor; (4) a carne condimentada produz um estado febril e contamina o sangue; (5) quem consome muita carne não apreciará uma alimentação saudável de imediato; (6) crianças que comem carne favorecem as tendências animais; e (7) a carne de muitos animais está enferma devido às condições precárias em que eles são mantidos antes de serem abatidos (Spiritual Gifts [Seventh-day Adventist Publishing Association, 1864], v. 4, p. 120-150).
Anos mais tarde, Ellen White continuou a escrever sobre os malefícios do regime cárneo, e apontou que ele: (1) afeta a atividade intelectual (1890); (2) prejudica a capacidade mental para entender a Deus e a verdade (1897); (3) debilita as faculdades físicas, mentais e morais (1901); (4) desperta o desejo de consumir bebidas alcoólicas (1901); e (5) aumenta a possiblidade de contrair enfermidades (1905) (ver Conselhos Sobre o Regime Alimentar [CPB, 2023], p. 177, 178, 248, 249, 252, 253; A Ciência do Bom Viver [CPB, 2021], p. 193).
Onde e quando for possível, o povo de Deus deve preferir comer frutas, cereais e verduras, preparados de maneira simples
Em um dos seus mais importantes livros sobre saúde, ela também alertou sobre outro aspecto que raras vezes é mencionado. “Pensemos na crueldade que o regime cárneo envolve para com os animais […] criaturas de Deus” e, também por isso, seu consumo é objetável (A Ciência do Bom Viver, p. 194).
Ao longo de seu ministério, as advertências de Ellen White sobre a carne se tornaram mais enfáticas. Ela reconheceu que a qualidade da carne estava cada vez pior. Em 1905, escreveu que “a carne nunca foi o melhor alimento; seu uso agora é, todavia duplamente questionável, visto que as doenças nos animais estão crescendo com tanta rapidez” (ibid., p. 193).
No entanto, por mais que Ellen White advogasse fortemente em favor da dieta vegetariana, ela não insistia nisso para todas as pessoas em todos os lugares. É importante admitir que havia exceções que ela mesma experimentou em sua vida pessoal. No fim de 1868, a autora escreveu ao esposo de uma senhora muito doente que teria sido melhor comer uma pequena porção de carne que sentir um profundo desejo por ela (Testemunhos Para a Igreja, v. 2, p. 317). Ela também recomendou cautela quanto ao deixar a carne: “Ninguém deve ser solicitado a fazer abruptamente a mudança” (A Ciência do Bom Viver, p. 195). Para Ellen White, o vegetarianismo jamais seria uma prova de comunhão entre os membros da igreja.
Próximo do fim de sua vida, em 1909, a escritora registrou o que pode ser entendido como o resumo de sua ideia em relação ao consumo de carne: “Não estabelecemos regra alguma para ser seguida no regime alimentar, mas dizemos que nos países onde são comuns as frutas, cereais e nozes, os alimentos cárneos não constituem alimentação própria para o povo de Deus” (Testemunhos Para a Igreja [CPB, 2021], v. 9, p. 123). Assim, por mais que não exista uma regra fixa quanto a uma dieta particular, está claro que onde e quando for possível, o povo de Deus deve preferir comer “frutas, cereais e verduras, preparados de maneira simples” (Conselhos Sobre o Regime Alimentar, p. 231).
A experiência pessoal de Ellen White
Alguns criticam Ellen White por não ter vivido a mensagem de saúde como ela mesma propôs em seus escritos quanto ao comer carne. No entanto, um estudo cuidadoso de sua biografia aponta que a autora foi coerente quanto às instruções que recebeu. Ela afirmou que, depois da visão de 1863, eliminou de imediato a carne de seu menu diário, mas isso não significaria que ela não comeria mais carne (Conselhos Sobre o Regime Alimentar, p. 319). Em 1933, William White escreveu a George Starr que a família White havia sido vegetariana, mas não totalmente abstêmia de carne (Herbert Douglass, Mensageira do Senhor, p. 316). Apesar de seu vegetarianismo, o consumo esporádico de carne podia acontecer devido a uma viagem longa ou quando a cozinheira não sabia preparar comida vegetariana (Sylvia Fagal e Roger Coon, “Vegetarianismo”, em Enciclopédia Ellen G. White [CPB, 2018], p. 1353).
Foi somente em 1894 que Ellen G. White decidiu que não comeria mais carne, nem mesmo ocasionalmente. Ela relatou: “Desde a reunião campal de Brighton (janeiro de 1894) eliminei completamente a carne das minhas refeições” (Conselhos Sobre o Regime Alimentar, p. 323). A autora sempre demonstrou bom senso quanto ao consumo de alimento cárneo e foi tolerante a seu uso ocasional até quando entendeu que comê-lo seria demasiado prejudicial. Foi a partir desse período que suas advertências mais sérias contra a carne foram escritas.
Em resumo, pode-se afirmar que os escritos de Ellen White nos ensinam que a carne deve ser evitada nos lugares em que há abundância de frutas, cereais e verduras. No entanto, é preciso cautela, pois não se pode descartar o alimento cárneo abruptamente, sem prover adequada substituição nutricional. A carne não é um alimento saudável e pode trazer prejuízos em nossa relação espiritual com Deus.
Ellen White foi fiel a esses princípios e sempre advogou bom senso e cuidado com extremismos. Em 1904, ela afirmou: “Hoje, aos 76 anos de idade, desfruto de uma saúde melhor do que quando era jovem. Dou graças a Deus pelos princípios da reforma de saúde” (ibid., p. 319).
ALBERTO TASSO BARROS é professor da Faculdade de Teologia do Unasp
(Artigo publicado na Revista Adventista de setembro/2025)
Última atualização em 17 de setembro de 2025 por Márcio Tonetti.