Novo estudo mostra como o estilo de vida adventista pode ajudar a compensar experiências traumáticas da infância e evitar que elas aumentem os riscos de doenças crônicas na vida adulta
Rhonda Spencer-Hwang se caracterizou de um personagem e subiu no palco de uma feira escolar na tentativa de atrair os olhares de crianças e pais. Seu objetivo era que eles se inscrevessem em um estudo de saúde. Era 2012, e ela estava usando uma doação de 2 milhões de dólares da First 5 Riverside, Comissão de Crianças e Famílias do Condado de Riverside que concede recursos a organizações, para fornecer serviços educacionais e realizar pesquisas com 10 mil crianças e famílias em Riverside County, Califórnia (EUA). A pesquisadora procurava saber por que a asma era tão prevalente naquela comunidade.
No entanto, ao longo do estudo, Spencer-Hwang logo percebeu que as crianças de Riverside também estavam lidando com outras doenças crônicas. Embora não fosse o objetivo principal de sua investigação, ela tentou entender os tipos de estresse com que essas famílias lidavam diariamente: pobreza, ansiedade, falta de moradia, famílias destruídas e muitos outros problemas.
A professora da Escola de Saúde Pública da Universidade de Loma Linda, nos Estados Unidos, e pesquisadora do Centro de Resiliência Comunitária, diz que há um crescente corpo de evidências que liga uma ampla gama de estresses que uma pessoa experimenta na infância ao desenvolvimento de doenças crônicas na idade adulta, reduzindo assim a longevidade.
Ela lembra que, em 1998, Vincent Felitti publicou um estudo inovador que mostrou a ligação entre o que ele chamou de “Experiências Adversas na Infância” (ACEs, na sigla em inglês) e problemas de saúde na idade adulta. O trabalho de Felitti mostrou que a ativação persistente e ininterrupta do sistema de resposta ao estresse de alguém pode se tornar tóxica, levando potencialmente a mudanças biológicas adversas.
As experiências adversas e a saúde
Os pesquisadores definiram as experiências adversas na infância como eventos traumáticos, incluindo pobreza extrema e desafios domésticos, como situações de divórcio ou famílias monoparentais, saúde mental dos pais, abuso, violência na vizinhança ou na região, consumo de álcool ou drogas ou encarceramento dos pais.
“Quanto mais esses eventos marcarem a vida de uma pessoa, maior será a probabilidade de ela ter doenças crônicas quando adulta”, explica Spencer-Hwang. De acordo com ela, mais de dois terços dos adultos pesquisados teve pelo menos uma experiência traumática na vida e 46% das crianças enfrentaram pelo menos uma adversidade.
A pesquisadora explica que essas situações podem promover inflamação crônica, e esse tipo de inflamação é um fator que contribui para o desenvolvimento de doenças cardiovasculares, mentais, câncer, diabetes, entre outros problemas que podem encurtar a vida. Além disso, as chamadas ACEs e o estresse a elas associado tornam a pessoa ainda mais suscetível a outros tipos de exposições ambientais prejudiciais, como a poluição do ar.
Um estudo feito com crianças de 7 e 8 anos provenientes de famílias abusivas mostrou um aumento significativo de marcadores inflamatórios quando foi comparado com os dados obtidos de crianças que não haviam sido abusadas. A pesquisadora da Universidade de Loma Linda conta que ela e sua equipe têm percebido em crianças as mudanças biológicas adversas que estão ocorrendo. Na população de minorias de baixa renda que estuda, a doutora Spencer-Hwang viu o estresse crônico se acumulando ao longo das gerações. Ela também viu atenuar os efeitos das ACEs como um dos principais desafios de saúde no país. “Como pesquisadora e mãe, senti que deveria haver algo que pudéssemos fazer”, afirma.
O segredo dos centenários adventistas
A doutora Spencer-Hwang aproveitou o status de Blue Zone de Loma Linda para analisar o problema de uma nova perspectiva. A cidade é o lar de muitos centenários, e ela decidiu começar estudando o outro lado de seu ciclo de vida para ver o que poderia ser aprendido. “Eles desenvolveram resiliência às experiências traumáticas? Além da resiliência individual, pode haver comunidades resilientes também? ”, ela se perguntava.
Apesar de sua percepção inicial ser de que o grupo de centenários que seria estudado havia tido uma vida mais fácil, a pesquisadora teve uma surpresa. “Na verdade, havia uma carga enorme de ACEs em nossa população centenária. Eles tiveram uma média de quatro experiências traumáticas. Uma delas tinha seis. Pesquisas mostram que seis ACEs devem reduzir o tempo de vida em 20 anos!”
Apenas dois dos centenários entrevistados nasceram nos Estados Unidos. O grupo era geneticamente diverso e enfrentou diferentes experiências traumáticas dependendo de onde cresceu. Então, como os centenários de Loma Linda superaram os efeitos dessas adversidades?
Como relata a pesquisadora, o que os entrevistados disseram foi que eles passaram muito tempo junto à natureza, muitas vezes porque suas famílias eram de agricultores. Além disso, eram pessoas ativas e gostavam de estabelecer fortes laços sociais com a família e os amigos. Sua dieta era rica em frutas e legumes, com carne em pouca quantidade, o tipo de comida prontamente disponível em suas fazendas.
“Nem todos eram adventistas enquanto cresciam, mas todos eles tinham um passado religioso e aceitaram a mensagem adventista em algum momento da vida”, Spencer-Hwang observa.
Um conceito denominado “teoria da inflamação” propõe que quaisquer passos tomados para reduzir a inflamação sistêmica em um corpo permitirão que uma pessoa viva mais e melhor. Spencer-Hwang diz que há duas maneiras de lidar com a forma como as ACEs contribuem para a formação de inflamação sistêmica: reduzir o número de experiências traumáticas ou atenuar seus efeitos.
“Claramente, nunca seremos capazes de eliminar completamente situações de pobreza, violência e famílias destruídas. Mas a vida dos centenários de Loma Linda mostra que é possível reduzir a resposta acumulada das ACEs. Portanto, essa é uma área de pesquisa em potencial para nossa instituição. Não temos conhecimento de nenhum estudo feito em uma Blue Zone que tenha examinando as ACEs, o tempo de vida e a redução dos marcadores inflamatórios”, diz Spencer-Hwang. Para ela, Loma Linda deveria ser conhecida como uma comunidade de resiliência.
A vantagem adventista
O estilo de vida adventista é frequentemente apresentado ao público como uma série de práticas individuais de saúde: dieta, exercício, ar puro e luz solar. Spencer-Hwang prefere uma abordagem mais integrada.
“O estilo de vida adventista une muitos fatores em sinergia. Não conheço ninguém que possa ser perfeito em todas as práticas de saúde. A abordagem holística permite que você viva a vida em vez de seguir uma fórmula”, ressalta.
Rhonda Spencer-Hwang está agora escrevendo um livro voltado para os pais, mostrando como adotar os segredos dos centenários na vida de suas famílias. “Olhando para as famílias mais jovens, você vê um valor decrescente nas coisas que os centenários valorizam”, ela sublinha. “Há uma crise tão grande hoje, que não há tempo de inatividade para as crianças, apenas um ritmo frenético”, acrescenta.
Spencer-Hwang acredita que muitos precisem reavaliar algumas das escolhas que estão fazendo e começar a dar mais valor ao tempo junto com as famílias. “As famílias devem agendar um tempo de qualidade junto à natureza e cozinhar algumas refeições simples em casa, em vez de comprar comida pronta”, exemplifica.
A intenção da pesquisadora agora é desenvolver maneiras criativas de levar às pessoas as conclusões do estudo. “Meu sonho é desenvolver um Centro para Crianças em Loma Linda para conduzir pesquisas inovadoras e prestar serviços”, ela conta. A professora também pretende ir a outras Blue Zones para descobrir como os centenários desses lugares lidaram com o estresse na infância.
LARRY BECKER é diretor de Relações Públicas da Universidade de Loma Linda, nos Estados Unidos (matéria publicada no site da Adventist Review)
Última atualização em 24 de abril de 2018 por Márcio Tonetti.