Proposta de ampliar as orientações do Manual da Igreja sobre a questão dos dízimos e das ofertas visa reforçar a mordomia como compromisso de cada membro com Deus, Sua obra e a administração de todos os recursos recebidos
Nerivan Silva

A Bíblia inicia sua narrativa apresentando Deus como Criador (Gn 1:1). Podemos afirmar que essa é a primeira verdade revelada nas Escrituras. Sendo o Criador, Deus é também o Proprietário de tudo o que existe (Sl 24:1). Esse é o fundamento do primeiro princípio da mordomia cristã.
No sexto dia da criação, Deus trouxe à existência o ser humano (Gn 1:26, 27). Ao criá-lo, estabeleceu um relacionamento com ele – e esse relacionamento envolve responsabilidade, ou seja, mordomia. Do ponto de vista secular, porém, o conceito de mordomia costuma ser associado a privilégios e benefícios temporais concedidos a pessoas geralmente favorecidas, muitas vezes sem a necessidade de esforço ou trabalho.
Da perspectiva bíblica, a mordomia está relacionada à administração – ou seja, trata-se da responsabilidade de alguém que cuida dos bens pertencentes a outra pessoa. Nesse caso, quem administra não é o proprietário, mas o mordomo. Ao falar de José, filho de Jacó, o salmista afirma que, no Egito, ele foi constituído “senhor de sua casa e administrador [mordomo] de tudo o que possuía” (Sl 105:21). O salmista faz referência ao relato de Gênesis 39:4-6, que descreve a atuação de José na casa de Potifar, comandante da guarda egípcia (v. 1). Assim, nesse contexto, o relato bíblico sobre José ilustra o conceito de mordomia cristã como administração, e apresenta o mordomo como aquele que cuida, guarda e zela pelos bens do verdadeiro dono.
MORDOMIA NO ÉDEN
Ao trazer o ser humano à existência, Deus confiou-lhe a tarefa de cuidar do jardim do Éden e guardá-lo (Gn 1:26; 2:15). “Depois que a Terra com sua abundante vida animal e vegetal fora trazida à existência, o homem, a obra coroadora do Criador e aquele para quem a linda Terra tinha sido preparada, foi introduzido naquele cenário. A ele foi dado domínio sobre tudo o que seus olhos poderiam contemplar” (Ellen G. White, Patriarcas e Profetas [CPB, 2022], p. 20).
Quando Adão abriu os olhos pela primeira vez, percebeu que fazia parte de um todo harmonioso. Tudo ao seu redor havia sido criado e organizado em função dele, antes mesmo de sua existência. Isso deixava claro que Deus era o Criador e, portanto, o verdadeiro proprietário de tudo. Além disso, Deus também era o mantenedor de todas as coisas (Sl 54:4; Is 42:5; Hb 1:3).
Ao compreender que Deus é o dono e o ser humano, o administrador, torna-se evidente que esse relacionamento envolve prestação de contas. E isso, por sua vez, exige fidelidade. É nesse contexto que o apóstolo Paulo afirmou: “Ora, além disso, o que se requer destes encarregados [mordomos] é que cada um deles seja encontrado fiel” (1Co 4:2). No âmbito da mordomia cristã, obediência e fidelidade são elementos essenciais que integram a experiência da salvação.
Ellen White escreveu: “O Senhor criou cada árvore que havia no jardim do Éden agradável à vista e boa para comer, e permitiu a Adão e Eva que desfrutassem delas livremente. Fez, porém, uma exceção. Da árvore do conhecimento do bem e do mal, não lhes permitiu comer. Essa árvore foi reservada como lembrança constante de que Ele é o legítimo proprietário de todas as coisas. Desse modo lhes deu a oportunidade de Lhe manifestarem sua fé e confiança, em obediência perfeita às Suas ordens” (Testemunhos Para a Igreja [CPB, 2021], v. 6, p. 306). Já no Éden, portanto, os fundamentos da mordomia cristã foram estabelecidos.
MORDOMO DE DEUS
Como foi mencionado, desde a criação o ser humano ocupa a posição de mordomo. Ele administra os bens que pertencem ao seu Senhor. Deus confiou ao homem o cuidado de Sua criação. “O mordomo se identifica com o patrão, aceita as responsabilidades de um mordomo e deve agir em lugar do dono, fazendo o que este faria se estivesse presidindo a casa. Os interesses do senhor tornam-se seus. A posição do mordomo é de dignidade, porque o patrão confia nele. Se de alguma forma agir com egoísmo e reverter em benefício próprio as vantagens obtidas por negociar com os bens de seu senhor, trai a confiança nele depositada” (Ellen G. White, Conselhos Sobre Mordomia [CPB, 2022], p. 79).
Essa visão deve nortear, ainda hoje, a forma como administramos os recursos que recebemos de Deus. Ellen White escreveu: “Tudo quanto possuímos é do Senhor, e lhe somos responsáveis pelo uso que fazemos desses recursos. No uso de cada centavo deve ser visto se amamos a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a nós mesmos. O dinheiro é de grande valor porque pode realizar grande bem. Nas mãos dos filhos de Deus é alimento para o faminto, água para o sedento e roupas para aquele que não tem” (Conselhos Sobre Administração Financeira [CPB, 2011], p. 52).
Não podemos nos esquecer de que o princípio estabelecido no Éden permanece o mesmo: Deus é o Criador – o verdadeiro dono –, e o ser humano é Sua criatura – o administrador. Foi também nesse contexto que Deus estabeleceu alianças com a humanidade.
A ALIANÇA DO DÍZIMO
No Antigo Testamento, a palavra hebraica berîté geralmente traduzida como “concerto”, “pacto” ou “aliança”. Embora também se refira a acordos entre seres humanos (Gn 21:32), seu uso mais significativo está nos pactos estabelecidos por Deus com a humanidade. A primeira ocorrência desse termo nas Escrituras aparece em Gênesis 6:18, no contexto do dilúvio (ver W. E. Vine, Merril F. Unger e William White Jr., Dicionário Vine [CPAD, 2010], p. 75, 76).
Em Gênesis 28:18-22, Jacó fez um voto ao Senhor. Ele declarou: “Se Deus for comigo, nesta jornada, […] então o Senhor será o meu Deus […], e, de tudo o que me concederes, certamente te darei o dízimo” (v. 20-22). “A resposta final de Jacó foi um voto (Gn 28:20-22) – o mais longo expresso nas Escrituras. O voto inclui condições envolvendo as bênçãos de Deus. Alguns interpretam erroneamente que Jacó estava exibindo um espírito de barganha injusto ao usar a palavra ‘se’, como se estivesse em dúvida sobre a promessa de Deus e Lhe obedecesse apenas dentro de determinada situação. O contexto (v. 16-19; 32:9-12, 22-32), porém, subentende que não era esse o caso. Ele estava respondendo com fé e compromisso à certeza que acabara de receber. […] A promessa de Jacó em relação ao dízimo em 28:22 é a segunda referência no Gênesis (cf. 14:20) a essa prática antes da formulação da lei específica (Lv 27:30-33; Dt 14:22-29). Fica claro que os patriarcas estavam cientes do dízimo e o devolviam” (Ángel Manuel Rodríguez, ed., Comentário Bíblico Andrews [CPB, 2024], v. 1, p. 180).
O crescimento espiritual é algo que deve ser uma realidade na vida do cristão. Essa experiência diária se concretiza à medida que a pessoa conhece e aplica as verdades bíblicas em sua vida.
A devolução do dízimo é o reconhecimento de que Deus é o proprietário de tudo o que somos e de tudo o que possuímos. Esse é o mesmo princípio estabelecido no Éden. Em nossos dias, essa prática continua sendo um ato de fé. E, à semelhança de Jacó, devemos devolver o dízimo em caráter de aliança por tudo aquilo que Deus é e realiza em nossa vida. Ellen White escreveu: “Devemos lembrar que as reivindicações de Deus a nosso respeito são mais importantes do que todas as demais. Ele nos dá com abundância, e o ajuste que fez com o homem é que a décima parte de todos os bens Lhe seja restituída. O Senhor confia liberalmente Seu tesouro aos Seus mordomos, mas quanto ao dízimo, diz: ‘Este Me pertence’. Na mesma proporção em que Deus dá ao ser humano Seus bens, este deve restituir a Deus fielmente a décima parte de todos os seus ganhos. Essa instituição foi estabelecida pelo próprio Cristo” (Testemunhos Para a Igreja, v. 6, p. 305).
A ALIANÇA DA OFERTA
A aliança e a teologia da oferta têm sua base no ato de Deus providenciar o Cordeiro para o sacrifício (Gn 22:8; Jo 1:29; 3:16). Foi o próprio Deus quem realizou a primeira oferta conhecida. Já no Éden, por meio da promessa do Redentor (Gn 3:15), Ele Se entregou em oferta pelo pecado (Is 53:10). A motivação divina para essa entrega foi o amor – elemento central e constante no plano da redenção. Foi por amor que Deus decidiu morrer em favor da humanidade (Jo 3:16; Rm 5:8).
O ato de ofertar a Deus envolve levar, entregar, sacrificar e trazer (Êx 35:20-29; 36:2-7). Em todo esse processo, é fundamental compreender pelos menos cinco princípios:
1. Reconhecimento. Ofertar começa com o reconhecimento de que tudo vem de Deus. Ele criou, sustenta e é o dono de tudo (1Cr 29:10-14, 17, 18). Quando ofertamos, declaramos com gratidão que nossos bens e recursos são dádivas divinas, e não frutos exclusivos de nosso esforço.
2. Tributo a Deus. O ato de ofertar é parte integrante do tributo que rendemos a Deus. Por meio das ofertas, exaltamos Sua glória, grandeza, majestade e Seu poder (1Cr 16:27-29).
3. Proporcionalidade. Deus deseja que cada pessoa contribua conforme as bênçãos que recebeu. A oferta deve ser proporcional às condições e recursos de cada um, marcada por coerência, equilíbrio e sinceridade (Dt 16:16, 17; 1Co 9:7).
4. Regularidade. No serviço do santuário, as ofertas – em suas diversas formas – eram apresentadas de maneira contínua. Assim também deve ser a prática do cristão: ofertar com regularidade. Se Deus está presente diariamente em nossa vida e suas bênçãos fluem constantemente sobre nós, é natural que nossa resposta em gratidão, por meio das ofertas, também seja constante.
5. Sacrifício. A viúva, elogiada por Jesus, ilustrou esse princípio ao doar tudo o que possuía (Lc 21:1-4). De forma semelhante, Abraão demonstrou disposição em oferecer o melhor que tinha – seu filho Isaque – em obediência a Deus (Gn 22:1, 2, 9-12). Ambos os exemplos apontam para a oferta Suprema: Deus entregou a Si mesmo, em Cristo, para a redenção da humanidade. O sacrifício é, portanto, a expressão mais elevada do amor e da fidelidade no ofertar.
Ellen White escreveu: “No sistema bíblico de dízimos e ofertas, as quantias entregues por pessoas diversas certamente variarão muito, uma vez que são proporcionais às rendas. Para o pobre, o dízimo será de uma importância comparativamente pequena, e suas dádivas serão de acordo com sua possibilidade. Mas não é a grandeza da dádiva que torna a oferta aceitável a Deus, mas sim o propósito do coração, o espírito de gratidão e o amor que ela expressa. Os pobres não devem pensar que, por serem tão pequenas, suas doações não sejam dignas de reconhecimento. Doem segundo sua capacidade, sentindo que são servos de Deus e que Ele vai aceitar sua oferta” (Conselhos Sobre Mordomia, p. 52).
Em toda a revelação bíblica, desde a criação até os dias atuais, a mordomia cristã é apresentada como um princípio divino baseado na soberania de Deus como Criador e verdadeiro Dono de todas as coisas. O ser humano, como mordomo, é chamado a administrar com fidelidade os recursos que lhe foram confiados, reconhecendo que tudo provém de Deus e a Ele pertence. Essa responsabilidade se expressa por meio da obediência, da devolução do dízimo e da entrega de ofertas, atos que revelam gratidão, amor e compromisso com o Senhor. Portanto, a mordomia não é apenas uma questão de administração de bens, mas uma expressão prática da aliança com Deus e da vivência de uma fé ativa e fiel.
NERIVAN SILVA é mestre em Teologia e editor na Casa Publicadora Brasileira
Última atualização em 10 de julho de 2025 por Márcio Tonetti.