A coerência e unidade das crenças adventistas do sétimo dia
Elias Brasil de Souza

Nossas 28 crenças fundamentais não esgotam, substituem ou complementam a Bíblia. Elas são declarações resumidas pelas quais o corpo mundial de crentes reconhece ensinamentos bíblicos essenciais, refletindo nossa unidade em Cristo. Na era pós- moderna, marcada pelo relativismo e pela rejeição à autoridade, é comum caricaturar declarações doutrinárias como ultrapassadas ou como interpretações equivocadas do evangelho. Contudo, longe de serem obsoletas, nossas crenças fundamentais oferecem conteúdo e direção à missão da igreja.
A relevância dessas crenças não pode ser subestimada. Elas expressam nossa compreensão dos principais ensinamentos bíblicos, servem de base para nossa experiência cristã e orientam tanto a igreja quanto sua missão. Cabe a nós demonstrar a coerência e a aplicabilidade dessas crenças em nossa vida pessoal e no contexto da comunidade em que estamos inseridos. Não devemos esquecer: “A doutrina para o cristão e a igreja é o que os ossos são para o corpo. Ela dá unidade e estabilidade” (Timothy George, “The Priesthood of All Believers and the Quest for Theological Integrity”, The Founders Journal 3
[1990–1991], p. 12).
Como, então, nosso sistema de crenças se mantém unido e integrado? Ao refletirmos sobre a harmonia e a interdependência desse sistema, três aspectos significativos merecem destaque. Primeiro, nossas crenças têm como fundamento a autoridade e a inspiração da Bíblia. Segundo, as doutrinas aceitas pela igreja revelam uma coerência interna, em que cada parte do sistema atua em conjunto para reforçar e esclarecer as demais, formando um todo consistente e integrado. Por fim, cada ensinamento individual contribui para a compreensão do sistema como um todo, evidenciando a profundidade do amor de Deus, revelado em Jesus Cristo.
Fundamento da doutrina
As Escrituras são a base fundamental para toda doutrina ou ensinamento adotado pela igreja. Embora se reconheça o valor da vasta tradição literária da humanidade, nada se compara às Escrituras como fundamento para compreender e enfrentar a realidade. Essa convicção não se apoia em qualquer fonte de autoridade externa à Bíblia, mas provém do próprio testemunho interno das Escrituras.
O texto clássico que sustenta a doutrina da inspiração afirma: “Toda a Escritura é inspirada por Deus e útil para o ensino, para a repreensão, para a correção, para a educação na justiça, a fim de que o servo de Deus seja perfeito e perfeitamente habilitado para toda boa obra” (2Tm 3:16, 17, NVT).
As doutrinas aceitas pela igreja revelam uma coerência interna, em que cada parte do sistema atua em conjunto para reforçar e esclarecer as demais
Diferentemente de outros sistemas que se baseiam na razão, na experiência ou na tradição, o sistema de crenças adventista do sétimo dia tem seu fundamento na Bíblia. Como Pedro declara, a mensagem do evangelho não é fruto de “fábulas engenhosamente inventadas” (2Pe 1:16), mas do testemunho de pessoas que, movidas pelo Espírito Santo, “falaram da parte de Deus” (2Pe 1:21). Assim, o conceito de revelação e autoridade divina sustenta não apenas a afirmação das Escrituras, mas também nossa compreensão delas.
A coerência interna da metanarrativa bíblica – desde a criação até a nova criação, tendo como pano de fundo o grande conflito – confere autoridade, consistência e credibilidade ao nosso sistema doutrinário. Embora formada por 66 livros escritos por diversos autores em épocas e contextos distintos, a Bíblia apresenta uma narrativa unificada, que descreve os atos de Deus na criação e Seu plano de redimir, por meio de Jesus, aqueles que creem, libertando- os do pecado e da morte.
Nenhum outro conjunto de livros produzido por civilizações antigas se compara à unidade, integração e coerência da Bíblia. Embora civilizações como as da Mesopotâmia, Egito, Anatólia e Grécia tenham legado muitas obras examinadas e estudadas ao longo dos séculos, essas produções refletem uma visão fragmentada da realidade. Nessas culturas, a multiplicidade de divindades frequentemente assombrava os seres humanos, sem oferecer esperança concreta de superar as frustrações e os fardos da vida, além de paliativos temporários. Em contraste, a Bíblia apresenta uma visão coerente e integrada da história e da realidade, fornecendo uma esperança sólida e duradoura.
A grande narrativa bíblica se desenvolve em uma linha temporal linear, começando com a criação, passando pela queda e pela promessa de redenção, e culminando em uma nova criação. Essa unidade e integração dos diversos aspectos da realidade bíblica conferem coerência ao sistema doutrinário fundamentado nas Escrituras. Ao considerarmos a harmonia e a interdependência das crenças adventistas do sétimo dia, é essencial lembrar que o sistema deve ser coerente, pois se origina de uma fonte coerente de revelação. Dada a unidade abrangente e a consistência interna da Bíblia, um sistema doutrinário fielmente baseado nela refletirá as mesmas características de unidade e coerência.
Na próxima seção, serão apresentadas algumas crenças adventistas para destacar sua conexão mútua e interdependência. Devido às limitações de espaço, apenas alguns aspectos serão discutidos para ilustrar o funcionamento integrado de todo o sistema.
Lógica interna e coerência
Nossas 28 crenças fundamentais estão organizadas em seis grandes doutrinas: Deus, Ser Humano, Salvação, Igreja, Vida Cristã e Últimos Eventos (Nisto Cremos [CPB, 2018]). Embora esses títulos e suas crenças associadas estejam dispostos por tópicos, conforme as principais categorias de reflexão teológica, todas elas se interconectam em uma cadeia de interdependência e reforço mútuo.
A primeira dessas doutrinas abrange os ensinamentos sobre a Palavra e questões relacionadas à pessoa de Deus. Ao começar com a Bíblia e seguir para os ensinamentos sobre a pessoa e a natureza de Deus, esse sistema estabelece a base sobre a qual todo o restante se sustenta. Afinal, é impossível compreender as demais doutrinas sem uma visão clara da Bíblia e do Deus que nela Se revelou e que a inspirou.
A doutrina do Ser Humano abrange os ensinamentos sobre a criação e a natureza da humanidade. Essas crenças se fundamentam nas anteriores e só fazem sentido à luz delas. Além disso, são cruciais para as doutrinas subsequentes. Por exemplo, sem o ensinamento bíblico sobre a criação, a natureza e o propósito da humanidade se tornariam obscuros. Da mesma forma, a doutrina da Salvação, que inclui os ensinamentos sobre o grande conflito, a vida, morte e ressurreição de Cristo, a experiência da salvação e o crescimento em Cristo, perderia seu significado se não estivesse alicerçada no entendimento bíblico da criação, da queda e da redenção. Essas verdades se desenrolam dentro da estrutura do grande conflito entre o bem e o mal, oferecendo um contexto essencial para a mensagem da salvação (ver Alberto R. Timm, “The Sanctuary and the Three Angels’ Messages 1844–1863: Integrating Factors in the Development of Seventh-Day Adventist Doctrines” [tese de doutorado, Seminário Teológico da Universidade Andrews, 1995]). A realidade da criação confere significado ao conceito de pecado, mal e à promessa de redenção por meio da obra expiatória de Cristo.
Cada ensinamento individual contribui para a compreensão do sistema como um todo, evidenciando a profundidade do amor de Deus
Sem uma compreensão clara dos ensinamentos precedentes, a doutrina da Igreja – que abrange o remanescente e sua missão, a unidade no corpo de Cristo, o batismo, a ceia do Senhor, os dons espirituais e o dom de profecia – careceria de uma base sólida e coerência lógica. Afinal, a existência da igreja repousa na compreensão bíblica de Deus, da humanidade e da salvação. Essas doutrinas fornecem a justificativa para a igreja como uma instituição subordinada à Palavra de Deus, com a missão de cumprir a obra que Ele confiou.
Como deve ficar claro neste ponto, a doutrina da Vida Cristã – com foco na lei de Deus, no sábado, na mordomia, no comportamento cristão, no casamento e na família – flui naturalmente das doutrinas mencionadas anteriormente. A lei de Deus e o sábado só podem ser completamente compreendidos à luz da criação e da semana de sete dias que culmina no sétimo dia. Todo o sistema de ética bíblica baseia-se na natureza de Deus e no fato de que Ele criou a humanidade à Sua imagem e semelhança.
No cerne da ética bíblica e da vida cristã encontra-se a noção de que fomos chamados para imitar a Deus. Sob essa perspectiva, a mordomia e o comportamento cristão adquirem um significado profundo na experiência dos filhos de Deus. Além disso, a compreensão bíblica do casamento e da família decorre da criação, sendo que a própria constituição do casamento como a união entre um homem e uma mulher pode ser entendida à luz do que o Criador estabeleceu desde o princípio (Mt 19:4-7).
De forma semelhante, a doutrina dos Últimos Eventos – que abrange o ministério de Cristo no santuário celestial, a segunda vinda de Cristo, a morte e a ressurreição, o milênio e o fim do pecado, e a nova terra – desdobra-se a partir de outras doutrinas e ensinamentos bíblicos. A compreensão dos eventos finais só é possível à luz de uma doutrina das “primeiras coisas”. O ministério de Cristo no santuário celestial pressupõe Sua obra expiatória na cruz, por meio da qual redimiu pecadores. Da mesma forma, a segunda vinda de Cristo pressupõe Sua primeira vinda, anunciada no Antigo Testamento e cumprida no Novo Testamento. Ademais, a ressurreição do Filho de Deus não apenas garante a ressurreição dos justos, mas também a vitória final sobre a morte, que marcará o fim do pecado e o início de uma nova terra.
Em suma, as doutrinas adventistas do sétimo dia e as nossas 28 crenças fundamentais são tão interligadas que separá-las ou isolá-las é impossível. Para serem plenamente significativas e consistentes, devem ser adotadas como um todo. No entanto, nosso sistema de crenças não deve ser aceito apenas por sua coerência lógica interna e poder intelectual. O que realmente confere significado e beleza a essas crenças é que elas revelam uma magnífica imagem de Deus, a quem servimos e adoramos.
Retrato do caráter amoroso de Deus
Um dos aspectos mais importantes da harmonia e interdependência das crenças fundamentais adventistas se encontra no fundamento essencial desse sistema: a pessoa e o caráter de Deus, conforme revelado nas Escrituras. Assim, nossas crenças não são apenas um conjunto de proposições intelectuais destinadas à aceitação pelo crente. Muito além disso, elas servem como janelas para a beleza do caráter divino e, tomadas em conjunto, oferecem um vislumbre do amor e da graça infinitos de Deus sob uma perspectiva que nos aproxima Dele.
Nosso sistema de crenças enfatiza, pressupõe e reflete um Deus que está pessoalmente envolvido com a criação e que, em Seu amor, assume a missão de resgatar e salvar os perdidos. Essa dimensão pessoal de Deus, que Se comunica com Suas criaturas e revela Sua vontade por meio de Sua Palavra, serve como base para cada uma das nossas 28 crenças fundamentais. As Escrituras também apresentam Deus como um ser trino, de quem flui a eternidade do amor que permeia o relacionamento da Trindade. Esse amor não é apenas uma característica temporária ou criada, mas uma realidade que sempre existiu e sempre existirá.
Aqui estão alguns exemplos de como o amor de Deus permeia e unifica nossas crenças fundamentais. Em primeiro lugar, a própria criação e todas as providências divinas para restaurá-la após a queda refletem o amor infinito de Deus por nós. No centro do plano de salvação está a cruz, onde o Filho de Deus entregou Sua vida como sacrifício expiatório pela humanidade. Nenhuma outra religião ou sistema de crença apresenta um Deus que se submeta a tamanha humilhação. Religiões extrabíblicas, em geral, retratam seus deuses como caprichosos, cruéis ou distantes das provações da vida. Somente o Deus da Bíblia escolhe ir à cruz e morrer para alcançar a vitória final. Assim, falar sobre Deus, humanidade, salvação, igreja, vida cristã e os eventos finais é, acima de tudo, falar do Deus empenhado em redimir pecadores.
Longe de serem obsoletas, nossas crenças fundamentais oferecem conteúdo e direção à missão da igreja
Em segundo lugar, o amor de Deus se manifesta no desenrolar do grande conflito – um tema central que não apenas figura como uma crença específica, mas também permeia o cenário de todas as outras crenças. Deus poderia ter encerrado imediatamente a rebelião de Lúcifer no Céu ou impedido seu acesso ao primeiro casal no jardim. No entanto, Ele permitiu que o mal seguisse seu curso, pois não desejava adoração forçada, mas sim um relacionamento genuíno e amoroso com Suas criaturas livres. Deus assumiu as consequências finais do pecado ao permitir que crucificassem Seu Filho. Na obra sacrificial e sacerdotal de Jesus, o Universo contempla o caráter amoroso de Deus, dissipando as mentiras de Satanás e confirmando Sua justiça e graça.
Terceiro, alguns aspectos menos evidentes de nossas crenças fundamentais que poderiam ser interpretados como contrários ao amor de Deus, como o julgamento e a destruição final do pecado e dos pecadores, na verdade revelam, sob uma análise mais profunda, as profundezas do amor divino. Um Deus que tolerasse o pecado e o mal sem jamais eliminálos não poderia ser considerado verdadeiramente amoroso.
Com todas as suas implicações e fases, o julgamento de Deus funciona como uma nova perspectiva sobre o amor infinito de Deus, pois Ele justifica os justos e elimina o mal de forma definitiva. Ellen White afirma: “Os pés dos ímpios nunca profanarão a Terra renovada. Deus fará descer fogo do céu e os devorará, queimando-os sem lhes deixar raiz nem ramo. Satanás é a raiz; seus filhos são os ramos. O mesmo fogo que devorar os ímpios purificará a Terra” (Primeiros Escritos [CPB, 2022], p. 66).
Por meio desse ato final de julgamento e purificação, Deus prepara a Terra para ser a morada eterna dos redimidos. “O grande conflito terminou. Pecado e pecadores não mais existem. O Universo inteiro está purificado. Uma única pulsação de harmonia e felicidade vibra por toda a vasta criação. Daquele que tudo criou emanam vida, luz e alegria por todos os domínios do espaço infinito. Desde o minúsculo átomo até o maior dos mundos, todas as coisas, animadas e inanimadas, em sua serena beleza e perfeita alegria, declaram que Deus é amor”, expressa Ellen G. White (O Grande Conflito [CPB, 2021], p. 560).
Conclusão
A harmonia e a interdependência das crenças adventistas do sétimo dia se baseiam em três conceitos fundamentais e interrelacionados. Primeiro, eles se fundamentam na inspiração e autoridade da Bíblia, que fornece unidade e coerência ao nosso sistema de crenças. Segundo, nossas crenças fundamentais exibem uma lógica e coerência internas, pois cada crença encontra sua lógica e coerência à luz do todo. Terceiro, cada crença funciona como uma janela para o caráter de amor e misericórdia de Deus, que também desempenha um papel na unificação e integração do nosso sistema de doutrinas bíblicas. Até mesmo a mensagem do julgamento revela o amor infinito de Deus, pois Ele acabará por destruir tudo o que estiver em oposição aos Seus propósitos amorosos na redenção dos pecadores e na restauração deste planeta.
Falando sobre as belas verdades transmitidas pelas Escrituras, Ellen White escreveu algumas palavras que podem ser aplicadas à harmonia e interdependência das crenças adventistas do sétimo dia: “Quando assim descobertas e reunidas, percebe-se que se adaptam perfeitamente umas às outras. Cada Evangelho é um suplemento dos outros; cada profecia é uma explicação de outra; cada verdade, um desenvolvimento de outra verdade. Os símbolos do sistema judaico são esclarecidos pelo evangelho. Cada princípio tem na Palavra de Deus seu lugar, e cada fato, seu significado. E a estrutura completa, em seu plano e execução, dá testemunho de seu Autor. Mente alguma poderia conceber ou moldar uma estrutura assim, a não ser a que o Ser infinito possui” (Educação [CPB, 2021], p. 85, 86).
ELIAS BRASIL DE SOUZA é o diretor do Instituto de Pesquisa Bíblica (BRI) na sede mundial da Igreja Adventista
(Artigo publicado na seção “Logos” da Revista Adventista de fevereiro/2025)
Última atualização em 3 de fevereiro de 2025 por Márcio Tonetti.