Identidade sexual

8 minutos de leitura

Uma reflexão a partir da perspectiva bíblico-adventista

Daniel Bediako

Crédito da imagem: Adobe Stock

Há uma ideologia crescente que defende que a identidade de gênero não é definida pelo sexo biológico (ou seja, pelas características físicas do corpo), mas pela experiência interna de se identificar como homem, mulher, ambos ou algo intermediário. Para quem concorda com essa compreensão, a pessoa não nasce com o gênero, mas com um sentimento de gênero. Por isso, não é apropriado usar os rótulos binários gerais – homem/mulher –, com base em características corporais. Assim, as pessoas são incentivadas a seguir sua identificação interna de gênero, escolher seus rótulos e expressar sua sexualidade com base neles.

Alguns manifestam essa identidade por meio do comportamento, da vestimenta ou da fala; outros se submetem a cirurgias de redesignação sexual para remodelar o corpo, a fim de se alinharem com sua identificação de gênero autopercebida. A sigla LGBTQIA+ representa a ideologia que desvincula a identidade de gênero da identidade sexual. Torna-se evidente que essa compreensão não considera Deus como o criador da identidade sexual/gênero. Neste artigo, gostaria de considerar alguns pontos importantes relacionados ao tema, a partir da perspectiva bíblica sobre o assunto.

Identidade sexual e sexualidade

O relato da criação nos fornece o fundamento para a diferenciação sexual (Gn 1:26-28; 2:18-25). Deus criou o “ser humano” como macho e fêmea. Adão foi formado como macho, e Eva foi criada como fêmea. Adão é descrito como homem, e Eva, como mulher. Portanto, a diferenciação sexual é uma criação divina. A sexualidade não é apenas parte integrante de nossa personalidade, mas também de nossos relacionamentos. Se macho-fêmea descreve distinções físicas, homem-mulher aponta para a função e o tipo de relacionamento entre macho e fêmea na expressão de sua sexualidade: marido e mulher. A união que Deus realizou entre Adão (macho/homem) e Eva (fêmea/mulher) como esposo e esposa serve como padrão para todos os casamentos subsequentes.

Gênesis 2:18 afirma que Deus criou literalmente “uma auxiliadora semelhante a ele” (‘ezer kenegdo, em hebraico). No contexto, essa frase reúne as noções de distinção de gênero, igualdade, complementaridade e comunhão. Deus intencionalmente criou Eva como o “oposto” de Adão. Mas Ele não criou apenas um homem e uma mulher e deixou que decidissem o que fariam com o gênero que haviam recebido. Ele projetou os seres humanos para a comunhão do macho com a fêmea, marido com mulher e, por meio dessa união, cumprir certas responsabilidades, como por exemplo, ser fecundos e se multiplicarem. Seguindo o padrão divino, as crianças nascem “macho” ou “fêmea” (Lv 12:2-7), “filho” ou “filha” (Gn 5:4; Os 1:6; Lc 1:57). Assim, a sexualidade é definida em várias dimensões, incluindo a física/anatômica (“macho” e “fêmea”), funcional (“homem” e “mulher”), emocional (“deixar” e “apegar-se”), relacional (“apegar-se” e “conhecer”), social (“pai e mãe”; comunidade) e espiritual (Deus une homem e mulher).

A descrição bíblica deixa claro que a identidade sexual é exclusivamente binária (masculino e feminino) e definida por características físicas (zakar, “macho”; e neqebah, “fêmea”, podem representar os órgãos sexuais externos masculinos e femininos). Nesse sentido, sexo e gênero estão absolutamente ligados – se é que realmente precisamos diferenciar os dois. O gênero de uma pessoa corresponde às suas características anatômicas; a identidade e o papel do gênero são determinados pelo sexo biológico. Ser macho (zakar) faz da pessoa um homem (‘ish), e ser fêmea (neqebah) faz da pessoa uma mulher (‘ishah).

Quando casado, o homem serve como marido, e a mulher, como esposa. Nesse relacionamento, entre outras coisas, um dá a semente e o outro a carrega (Gn 4:1). A identidade sexual ou de gênero é algo dado, não adquirido. É ontológica, não uma escolha existencial. Foi criada por Deus, não é um acidente biológico. As Escrituras usam consistentemente os termos binários masculino/feminino, homem/mulher ou esposo/esposa para enfatizar que existem apenas dois sexos/gêneros, que o gênero de uma pessoa corresponde ao seu sexo biológico, que o Criador projetou a sexualidade heterossexual para os seres humanos e que a sexualidade deve ser expressa somente em um casamento monogâmico e heterossexual entre um homem e uma mulher com identidades sexuais biologicamente determinadas (Gn 2:18-24; Ct 3:4; Mt 5:31, 32; 19:4-9; 1Co 7:1-5; Ef 5:33).

Argumentos avaliados

Os defensores do movimento LGBTQIA+ apresentam os direitos humanos como um argumento fundamental. Um partidário declarou: “Temos o direito de viver em um corpo que corresponda à nossa autoimagem e aos nossos desejos mais profundos, sem que outra pessoa seja o guardião de nossa experiência” (ver https://www.psychologicalscience.org/observer/transgender-flourishing).

No entanto, as Escrituras deixam claro que “outra pessoa” – Deus – é “o guardião de nossa experiência” como seres humanos porque Ele é nosso Criador. O psiquiatra Paul McHugh está mais próximo desse fato quando afirma que “homens transgêneros não se tornam mulheres, nem mulheres transgêneros se tornam homens. Todos […] eles se tornam homens feminilizados ou mulheres masculinizadas, falsificações ou personificações do sexo com o qual se ‘identificam’” (https://www.thepublicdiscourse.com/2015/06/15145/). Katie McCoy acrescenta ainda que “o corpo sexuado é indivisível do eu de gênero” (“What it means to be male and female”, em Created in the Image of God [Forefront Books, 2023], p. 149).

Outro argumento relacionado é o do sentimento: um senso ou uma orientação interna de gênero diferente daquele que corresponde às características corporais da pessoa. Entretanto, as Escrituras descrevem a expressão sexual errônea como “paixões pecaminosas” (Rm 7:5) e “desejos libertinos” (2Pe 2:18). Como observamos, a expressão sexual é um elemento maleável da identidade humana e, portanto, controlável (1Ts 4:3-5). Por esse motivo, a Bíblia proíbe não apenas os atos sexuais ilícitos, mas também o desejo sexual ilícito com expressões como “não cobiçarás” (Êx 20:17) e “arranque-o” ou “corte-a” (Mt 5:29, 30).

Além disso, defensores do movimento também usam o argumento da liberdade que adultos devem ter de se envolver em qualquer tipo de atividade sexual consensual. No entanto, as Escrituras também regulamentam os atos consensuais entre adultos. Considere Deuteronômio 22:23-25, o caso de um homem e uma moça prometida em casamento. Mesmo que ambos tenham consentido com o ato sexual, eles estão sujeitos à pena capital. Isso também se aplica às mulheres e aos homens que “trocaram o modo natural das relações íntimas por outro, contrário à natureza” (Rm 1:26-32; cf. 1Co 6:9, 10), que Paulo descreveu como “passíveis de morte” (Rm 1:32). A Bíblia exige que os cristãos controlem suas paixões (1Ts 4:3-8), evitando expressões sexuais erradas, sejam heterossexuais (Dt 22:23-25) ou homossexuais (Rm 1:26, 27), mesmo que sejam consensuais.

OS DIREITOS HUMANOS NÃO DEVEM SE OPOR À REIVINDICAÇÃO DE DEUS SOBRE SUA CRIAÇÃO

Em algumas sociedades, o argumento dos direitos humanos tem recebido apoio legal e, às vezes, sido imposto. Entretanto, os direitos humanos não devem se opor à reivindicação de Deus sobre Sua criação (Gn 1–2). Jesus deixou claro que a vontade divina, conforme expressa em Sua Palavra, transcende a lei humana (Mt 19:7-9). O Criador exige que reconheçamos que somos criaturas e, portanto, devemos glorificá-Lo com nosso corpo (At 5:29; 1Co 6:19, 20). Nem tudo o que pode ser desejado ou sentido (orientação), expresso por adultos que consentem, reivindicado como um direito e apoiado por uma lei governamental é bom e correto perante o Senhor.

E quanto à intersexualidade e disforia de gênero? Além das pessoas que têm uma sensação interna de gênero diferente de seu sexo biológico e a manifestam externamente, seja por meio do comportamento ou de cirurgia de redesignação sexual, há aqueles cujos cromossomos, gônadas, hormônios, órgãos sexuais internos e genitais diferem dos dois padrões de masculino ou feminino (pessoa intersexo). Nascer com características biológicas que não são tipicamente masculinas ou femininas deve ser uma condição perturbadora, e pode ser necessário procurar ajuda cirúrgica, médica ou psicológica. Além disso, há pessoas que experimentam uma incompatibilidade entre seu senso interno de gênero e suas características biológicas (disforia de gênero) sem expressá-la externamente.

Embora essa luta seja genuína, o cristão não precisa agir de acordo com um sentimento contrário à Palavra de Deus ou às características biológicas (ou naturais). A queda resultou em um enfraquecimento da natureza (Gn 3; Rm 8), cujos efeitos são vistos no corpo (Rm 6:6, 12; 7:24), na mente (Rm 1:21; 2Co 3:14, 15; 4:4) e nas emoções (Rm 1:6-27; Gl 5:24; 2Tm 3:2-4). Como Paulo afirmou em 1 Coríntios 6:9-11, é necessário buscar ajuda divina para superar essa atração. Por meio da graça de Deus, a pessoa pode receber o poder de administrar a luta com honra (2Co 12:9; 1Ts 4:4, 5) ou permanecer celibatário (Mt 19:12). A cura física, emocional e espiritual também é possível por meio do toque divino (Mc 5:1-20; Lc 5:12-15; cf. 8:48, 50; 17:19; 18:42).

Cosmovisão bíblica e sexualidade

As teorias sexuais predominantes contradizem a perspectiva bíblica de que o gênero é determinado biologicamente, que um ser humano não tem um corpo, mas é um corpo, e que a atividade sexual não pode ser desconectada da identidade sexual. A cosmovisão que fundamenta a redefinição da sexualidade é de caráter secular, em que a autoridade se apoia na ciência, na sociedade e, em última análise, no indivíduo. Alguns cristãos, a partir de uma cosmovisão semibíblica, procuram reinterpretar os textos bíblicos para concordar com as tendências atuais. Contudo, em essência, a questão dos LGBTQIA+ tem que ver com a autoridade da Palavra de Deus.

Pedro e Judas abordaram a questão da autoridade com relação à expressão sexual. Usando o exemplo de Sodoma e Gomorra, eles retrataram o destino de ímpios e justos. Pedro disse que aqueles que se entregam à “conduta libertina”, como os homossexuais de Sodoma e Gomorra, “desprezam qualquer autoridade” (2 Pe 2:6-10). Por sua vez, Judas descreveu de forma semelhante aqueles que “contaminam a carne” e “rejeitam a autoridade”, comparando-os aos homens de Sodoma e Gomorra (v. 7, 8). Os termos gregos traduzidos como “desprezar” e “rejeitar” nesses contextos indicam a atitude de desrespeitar, menosprezar ou anular. Em ambas as passagens, “autoridade” é a tradução do termo grego kyriotes (“senhorio”, traduzido como “domínio” em Ef 1:21). A autoridade que é desprezada pela luxúria da paixão contaminadora é a própria autoridade de Cristo (cf. 2Pe 2:1, 11; Jd 4).

As Escrituras são contrárias à expressão sexual errônea em suas várias formas. Entretanto, elas também indicam que a mudança é possível. Essa transformação inclui a mudança de cosmovisão e a aceitação da autoridade de Deus e de Sua Palavra. Quando nos submetemos à autoridade de Cristo, “as coisas antigas” passam (2Co 5:17) e nos revestimos de uma “nova natureza” (Ef 4:20-24). Então, sendo participantes da natureza divina (2Pe 1:4), somos capazes de controlar nossas paixões em santidade e fugir da imoralidade sexual (Mt 5:28, 29; 19:12; Rm 7:5; 1Co 6:18; 1Ts 4:4-6). Aqueles entre os crentes de Corinto que abandonaram as práticas homossexuais receberam perdão e purificação (1Co 6:9-11). A mesma graça está disponível para qualquer pessoa que se volte para o Senhor atualmente.

Conclusão

Os humanos são seres sexuais. Vivemos e nos relacionamos como pessoas sexuais. A sexualidade faz parte de nossa existência; é uma expressão de nosso ser. Os seres sexuais expressam sentimentos, mas a sexualidade humana opera dentro de limites específicos estabelecidos pela Palavra de Deus. As teorias sexuais revolucionárias que estão sendo promovidas atualmente são contrárias às Escrituras, procuram perturbar a natureza e promover o caos. “O sexo não se trata apenas de sexo. A maneira como entendemos e expressamos nossa sexualidade aponta para nossas convicções mais profundas sobre quem somos, quem é Deus, quem é Jesus, o que é a igreja (ou deveria ser), o significado do amor, a ordem da sociedade e o mistério do Universo” (Christopher West, “Our bodies tell God’s story”, em Sanctified Sexuality [Kregel Academic, 2020], p. 17).

Os cristãos que creem na Bíblia devem tratar os outros com amor e respeito. Eles também devem encontrar maneiras de apoiar aqueles que estão lutando com questões de identidade sexual. Entretanto, amar, respeitar e apoiar pessoas LGBTQIA+ deve ser feito com o objetivo de conduzi-las ao padrão bíblico de identidade e expressão sexual, reconhecendo que é somente em Cristo que somos plenos (Cl 2:10). 

Nota: A versão completa deste artigo pode ser encontrada em: link.cpb.com.br/213836.

DANIEL BEDIAKO é diretor associado do Instituto de Pesquisa Bíblica

(Artigo publicado na Revista Adventista de março/2025)

Última atualização em 11 de março de 2025 por Márcio Tonetti.