Junto às águas

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O batismo é a demonstração pública dos primeiros frutos do evangelho

Guilherme Silva

Foto: Adobe Stock

O batismo estava marcado para aquele sábado à tarde. Quatro internos de uma clínica para dependentes químicos aguardavam o momento com ansiedade. Depois do almoço, nuvens esconderam o sol vespertino trazendo chuva. À medida que a hora se aproximava, a tempestade agitava as águas do rio, palco da cerimônia. A prudência recomendava o adiamento. Porém, os quatro candidatos ao batismo insistiram na decisão inadiável. Diante da convicção dos rapazes, o pastor realizou o culto batismal. A chuva acalmou e a pequena congregação seguiu para junto das águas. Com o apoio de um diácono, o pastor firmou­-se nas pedras no leito do rio. Um a um, os batizandos desceram às águas, expressando o desejo de completa renovação espiritual.

Não longe dali, uma campanha evangelística se aproximava da grande festa batismal. O obreiro bíblico havia ministrado todos os estudos para uma jovem e para a mãe dela. A mãe pediu o batismo. A filha, apesar dos insistentes apelos, recusou tomar a decisão. Embora frequentasse a igreja com certa regularidade, questões particulares estavam pendentes. No ano seguinte, ao voltar para a mesma cidade, o obreiro bíblico ficou feliz ao ver aquela jovem batizada, com suas incertezas resolvidas e fiel ao evangelho de Cristo.

CRER E VIVER

Ao testemunhar essas cenas pude refletir na verdade bíblica de que “há um momento certo para tudo, um tempo para cada atividade debaixo do céu” (Ec 3:1, NVT). O batismo é frequentemente comparado à ceifa. Antes que o grão seja colhido, os agricultores avaliam cuidadosamente a maturação da semente, seu percentual de umidade, entre outras condições fundamentais. A falha em algum ponto costuma gerar perdas. Em paralelo com os grãos recolhidos do solo, o batismo revela a maravilhosa ação do Espírito Santo fazendo a semente do evangelho produzir a Seu tempo “frutos dignos de arrependimento” (Mt 3:8). Reconhecer e respeitar esse amadurecimento espiritual é igualmente indispensável ao empreendimento evangelístico. “Se aqueles que recebem a verdade não forem inteiramente convertidos, se não houver uma transformação radical na vida e no caráter, se eles não estiverem firmados na Rocha Eterna, não subsistirão à prova” (Evangelismo [CPB, 2023], p. 224).

No princípio da pregação adventista, quando pastores itinerantes fundavam pequenas congregações que permaneciam meses sem a presença pastoral, a solidez do preparo que precedia e sucedia o batismo determinava a continuidade ou extinção da comunidade de fé. Hoje, mesmo com igrejas estabelecidas e pastores mais presentes, o amadurecimento espiritual para o ingresso no corpo de Cristo por meio do batismo continua determinante para o bem tanto da igreja quanto do novo membro. “Todos que entram na nova vida devem compreender, antes de seu batismo, que o Senhor requer afeições não divididas. […] A prática da verdade é essencial. A produção de frutos testifica do caráter da árvore” (ibid., p. 215).

DISCIPULADO CONTÍNUO

A maneira miraculosa como o Espírito Santo age no coração humano é inexplicável e invisível, mas seus resultados são evidentes. A verdade compreendida pela mente se torna verdade na vida quando altera hábitos e práticas, e sobretudo transforma o caráter. Essa obra em processo contínuo de aprimoramento exige discipulado atento e amoroso, que reúne pessoas na terra e se projeta para o Céu.

O AMADURECIMENTO ESPIRITUAL PARA O INGRESSO NO CORPO DE CRISTO POR MEIO DO BATISMO CONTINUA DETERMINANTE PARA O BEM TANTO DA IGREJA QUANTO DO NOVO MEMBRO

Isso aconteceu quando Anne se mudou para Curitiba (PR) para cursar a faculdade. Ela se propôs a ser fiel aos princípios e a evangelizar. Na universidade, rejeitou convites para festas, deixando colegas intrigados com sua presença amiga e ao mesmo tempo distanciada dos padrões mundanos. Seus convites iniciais para que os colegas fossem à igreja não atraíram interesse, mas, ao interceder por eles na devoção matinal, algo mudou. Amigas começaram a acompanhá-la em cultos na igreja. Uma delas, Eliane, continuou indo às reuniões, e juntas estudaram a Bíblia. Ao retornarem da igreja a pé, durante uma semana de oração, Eliane contou para a amiga que havia tomado a decisão pelo batismo.

A vida conduziu cada uma por novos caminhos. Os anos passaram, e ambas levaram mais pessoas a Cristo. Em momentos de dificuldade, ao longo desse tempo, elas oram juntas e compartilham suas lutas. Este ano, Eliane teve a alegria de ver a irmã, Cláudia Miyashita, batizada. A mãe, Niuza, também planeja ser batizada em breve ao lado da neta, Melissa. No tempo de Deus, a semente do evangelho, regada por discipulado e amizade, produz frutos que se multiplicam.

PROVA DE FÉ

Muitas vezes, a decisão pelo batismo é seguida por lutas e provações. Enquanto alguns podem desanimar, outros fazem das dificuldades motivação para fortalecer a fé e a entrega a Cristo, evidenciando uma escolha amadurecida e consciente. Foi o que aconteceu com Ângela Silvestre. Aos 15 anos, ela começou a frequentar um convento, onde pretendia ingressar definitivamente. Ao retornar para casa, em um fim de semana, viu um exemplar de O Grande Conflito, que havia sido encontrado no lixo. A semente foi lançada no coração.

Meses depois, foi convidada por adventistas para o programa de Semana Santa. A mãe, devota da religião tradicional, incentivou a filha a aprender mais da Bíblia com os “crentes”. Aquele foi o princípio de várias séries de estudos. Próximo à primavera, Ângela aceitou o convite para o batismo. No entanto, a mãe se opôs à decisão e ameaçou expulsá-la de casa. A filha persistiu e foi batizada. Os irmãos impediram que a mãe a colocasse para fora. O clima ficou pesado, e Ângela se mudou para a casa do pai, em outra cidade.

Um ano depois, ela voltou a morar com a mãe, que se tornou admiradora da igreja e até abriu a porta de casa para um pequeno grupo de jovens. Quando a filha se mudou para São Paulo, a mãe chegou a frequentar os cultos adventistas ao visitá-la. Neste ano, Ângela perdeu a mãe, mas surpreendeu­-se ao achar no diário dela transcrições dos livros de Ellen White.

Assim como na agricultura, na semeadura do evangelho as adversidades são intensas. Mas na colheita espiritual, o fator decisivo é o agir do Espírito no coração humano. Ele produz cada fruto a seu tempo. Muitos aqui. Outros na eternidade.

GUILHERME SILVA é editor na Casa Publicadora Brasileira

(Artigo publicado na Revista Adventista de setembro/2023)

Última atualização em 25 de setembro de 2023 por Márcio Tonetti.